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"Termina o IV Congresso da CPT e eu volto pra casa repetindo o que ouvi: ah! se não fosse a CPT!". Confira análise da pastora metodista, Nancy Cardoso, agente da CPT Bahia, sobre os clamores que surgiram no IV Congresso da CPT.
(foto: Joka Madruga)
O povo diz assim como quem fala de uma caneca velha, boa de beber água... ou qualquer outra coisa, então, um café. Uma caneca muito usada, marcada pelo tempo. Desse imaginário vivido no IV Congresso retomo uma perspectiva esperançosa para o trabalho pastoral e um chamado de atenção. A CPT não é caneca! ... é a vontade de beber!
Retomo um texto antigo sobre movimentos sociais porque ele vai se confirmando.
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Esperança e conquista. Palavras que ajudam a transmitir o espírito das experiências partilhadas por trabalhadores e trabalhadoras do campo na Tenda Rio Branco, que aconteceu na última quarta-feira (15) durante do IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado em Porto Velho (RO) entre os dias 12 e 17 de julho.
(Equipe de Comunicação João Zinclar – IV Congresso Nacional da CPT)
Em sintonia com o eixo temático do 3º dia de atividades do Congresso, a ‘Esperança’, Elenilson da Conceição, da cidade de Monsenhor Gil, no Piauí, compartilhou sua história de sofrimento e perseverança, que começou no momento que lhe fizeram uma proposta para trabalhar no estado do Pará, em 2004. ‘’Eu disse que não tinha dinheiro para pagar a passagem e nem tinha os equipamentos, mas, me garantiram que eu não precisava me preocupar com isso. Que eles iam pagar tudo’’, conta.
Elenilson, então, embarcou na jornada que acabaria por se tornar a mais difícil de sua vida. Ao chegar na Fazenda Rio Tigre, localizada em Santana do Araguaia (PA), percebeu que a realidade do trabalho era bem diferente do que as promessas que recebera. ‘’Quando você é levado para este tipo de lugar, a primeira coisa que você perde é o nome. Eu era chamado de ‘Piauí’, porque era de onde tinham me trazido’’, disse o trabalhador.
Ameaças, condições insalubres de moradia, dívidas e trabalho forçado fizeram parte da rotina diária de Elenilson e mais 77 pessoas desde então. Após aproximadamente 4 meses de trabalho análogo ao de escravos, os trabalhadores da fazenda Rio Tigre foram resgatados pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho. Com ajuda da CPT de Xinguara (PA), 15 piauienses que faziam parte deste grupo retornaram às suas casas.
Histórias como as de Elenilson são, infelizmente, uma realidade no Brasil. Por isso, a CPT realiza nacionalmente a Campanha de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, que completa 18 anos de atuação em 2015. Para saber mais sobre a campanha, clique aqui.
De volta a Monsenhor Gil (PA), o grupo de camponeses resgatados começou a participar de reuniões periódicas com a CPT do Piauí, discutindo as razões de estarem em situações parecidas, como a questão da dificuldade do acesso à terra, e buscando alternativas para se romper com o ciclo da escravidão. Essa organização dos trabalhadores produziu muitos frutos, como a criação a Associação do Assentamento Nova Conquista, formada por 39 famílias do munícipio.
Buscando alternativas para trabalhar, morar e viver com dignidade, a Associação se mobilizou e pressionou o poder público, apontando a carência de políticas públicas para as populações camponesas da região. Em 2009, após anos de luta e reinvindicações, a ‘conquista’ se tornou realidade: o Assentamento Nova Conquista, que carrega o nome da associação de trabalhadores, foi criado legalmente, após demarcação do INCRA.
Hoje Elenilson e sua família fazem parte do grupo de assentados do ‘Nova Conquista’, o primeiro assentamento constituído por e para trabalhadores que passaram por situações de trabalho análogas à escravidão. Uma história carregada de esperança. ‘’Mais um passo à frente, nem um passo atrás, a reforma agrária é a gente que faz’’, cantou o grupo de congressistas participante das exposições na Tenda Rio Branco.
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A Amazônia brasileira, o cair da noite e as margens do Rio Madeira formaram o cenário que acolheu centenas de pessoas, entre camponeses e camponesas, indígenas, quilombolas, religiosos e agentes de CPT para celebrarem a memória dos homens e mulheres que tombaram na luta em defesa dos povos da terra. A Celebração dos Mártires, que ocorreu no início da noite desta quinta-feira, 16, foi um dos momentos mais marcantes e místicos do IV Congresso Nacional da CPT.
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT
Imagens: Joka Madruga)
Os participantes do Congresso se deslocaram até um lugar simbólico para a Celebração dos Mártires. Foi na Vila de Santo Antônio, próximo a Porto Velho. É por ali que passa a desativada Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de onde é possível avistar a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio. É um espaço onde os conflitos de anos atrás e do presente se confundem. Lugar onde tantos indígenas e trabalhadores foram mortos, onde tiveram e têm seus diretos violados. "É uma terra marcada pelo sangue dos indígenas, dos negros, marcada por muita luta, mas também de esperança", ressaltou a Irmã Maria Teixeira, da Diocese de Goiás.
O povo desceu dos ônibus com seus estandartes, camisetas e quadros estampados com rostos e frases dos mártires da caminhada. Depois, seguiram pela rua que corta o pequeno povoado e leva até a Capela de Santo Antônio de Pádua. É por essa rua de terra que passam os ônibus com trabalhadores e trabalhadoras da Usina. 60 veículos da empresa cruzaram com os participantes no início da caminhada. Ao som do Canto dos Mártires da Terra, de Zé Vicente, teve início a celebração. "Neste instante há inocentes tombando nas mãos de tiranos: tomar terra, ter lucro matando, são estes seus planos", cantavam.
O pátio da Capela, às margens do Rio Madeira, estava iluminado com porongas. Em cirandas, os/as participantes entoaram nomes dos mártires que tombaram na luta. "A celebração dos mártires revigora a fé da gente, reanima sentir a presença de tantos que nos precederam. Anima nossa esperança na caminhada", afirmou Maria do Carmo Fizica, da CPT em Minas Gerais. A cada nome falado e estandarte erguido, era cantado "mataram mais um irmão, mas ele ressuscitará". Em seguida, foi partilhado, entre o povo, os frutos da terra e das águas, a mandioca e o peixe.
"Evocar os mártires da terra é evocar a ancestralidade da luta. Traz pra gente a força para continuar e seguir lutando pelos que virão. Nós somos o fruto da semente que esses mártires plantaram", afirmou Vanúbia Oliveira, da CPT em Campina Grande.Foi nessa Celebração que Maiço Silva, camponês de 17 anos, ouviu falar de tantas pessoas que doaram suas vidas aos povos campo. "Hoje conheci muito mártires que morreram pela nossa luta e que eu não sabia que existiam", comentou. Ele ressaltou que a celebração também foi um importante momento de formação para a juventude camponesa presente no Congresso.
Nos últimos 30 anos, pelo menos 1.723 homens e mulheres tombaram em defesa da luta pela terra, de acordo com registros da Comissão Pastoral da Terra. Esta realidade de violência e de massacres sofridos pelos camponeses e camponesas é o motivo pelo qual a CPT reafirma a importância de fazer presente a memória daqueles e daquelas que morreram em defesa da vida. "Os mártires viveram a radicalidade de Jesus", ressalta Ruben Siqueira, da coordenação executiva nacional da CPT. "Para nós, a memória desses mártires é a reatualização da memória de Jesus, que se doou totalmente até o martírio pela vida dos outros. O sangue derramado na luta pela terra é sempre relembrado por nós, para que ele nos fortaleça", complementou.
O local
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi uma obra emblemática, que ligava Porto Velho a Guajará-Mirim. Foi construída entre os anos 1907 e 1912. Planejada para escoar a produção de borracha, inúmeros indígenas e trabalhadores ali morreram. A estrada invadia territórios dos indígenas Karipunas e Oro Wari, mais conhecidos como Pacaás Novas. Na tentativa de evitar que a estrada invadisse suas terras, esses índios desfaziam o trabalho da empresa à noite, tirando os trilhos. Porém, um dia a construtora eletrificou os trilhos, o que matou vários indígenas.
Ao lado da estrada de ferro há o Centro Cultural Indígena, também desativado. Quando passava pelo local, alguém disse: "Matam eles [os índios] e depois constrói um lugar para expô-los".
Da estrada de ferro é possível ver a Usina de Santo Antônio, palco atual de inúmeros conflitos trabalhistas, urbanos, indígenas e outros. Lugar onde operários precisaram parar os trabalhos, inúmeras vezes, para cobrarem seus direitos. A barragem, juntamente com a Usina de Jirau, têm provocado inundações que arrasam povos ribeirinhos, rurais e urbanos.
Acesse todas as informações do IV Congresso da CPT aqui
Fotografias no Facebook da CPT: Comissão Pastoral da Terra (CPT) – favor citar o crédito das fotos
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Na manhã desta sexta-feira, dia 17 de julho, foi realizada a plenária final do IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na ocasião, os participantes aprovaram a Carta final do Congresso que celebra os 40 anos da Pastoral. Confira, na íntegra, o documento:
Nós, 820 camponesas e camponeses, indígenas e agentes da CPT, bispos católicos e da Igreja Ortodoxa Grega, pastores e pastoras, rezadores e rezadeiras, vindos de todos os recantos do Brasil, convocados pela memória subversiva do Evangelho e pelo testemunho dos nossos mártires, pela presença dos Orixás, dos Encantados e Encantadas, nos reunimos para o IV Congresso da Comissão Pastoral da Terra, em Porto Velho-RO, de 12 a 17 de julho de 2015. Foram dias de um intenso processo de escuta, debate e busca de consensos e desafios em sete tendas, que receberam nomes de sete rios de Rondônia. Ao final destes dias, queremos fazer chegar esta mensagem a vocês, povos do campo e da cidade, como um apelo e um chamado.
"Obedecer ao chamado. Cumprir o dever".
(Cacique Babau - povo Tupinambá)
Faz escuro, mas eu canto! Ha 40 anos, a CPT, num tempo de escuridão, em plena ditadura militar, foi criada atendendo ao apelo de povos e comunidades do campo, de modo particular da Amazônia, envolvidas em conflitos e submetidas a diversas formas de violência. Hoje, voltando de onde nascemos e fazendo memória destes 40 anos, vemos que foram anos de rebeldia e fidelidade ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra, condição da nossa esperança. Vemos também que as comunidades vivem uma realidade mais complexa do que a do tempo da fundação da CPT, pois camuflada por discursos os mais variados de desenvolvimento e progresso, que, porém, trazem consigo uma carga de violência igual ou pior à de 40 anos atrás. Hoje, tem-se consciência de que pelo avanço voraz do capitalismo é o destino da própria humanidade e da própria vida que está em jogo. O mercado nacional e transnacional encontra suporte nas estruturas do Estado que se rendeu e vendeu aos interesses das elites e do capital.
Com a autoridade e humildade de quem vive as dores e alegrias da vida do povo, neste Congresso compartilhamos experiências que trouxeram a Memória de fatos e pessoas muito significativas na história das comunidades do campo e da própria CPT; experiências de Rebeldia que nos mostram a indignação diante das injustiças e da violência e experiências de Esperança, que apontam para caminhos que levem a uma realidade mais justa.
Quanta história temos para contar! De gente e de lugares, de derrotas e vitórias. ... E nossos mortos - homens e mulheres. Fazemos memória para unir passado e presente. Não para repetir! Mas para radicalizar, voltar às raízes do amor pela terra e pelos povos da terra.
Na nossa luta a CPT interagia de corpo e alma com a gente desde o começo, na ocupação e no despejo. Despejo não é derrota. A gente dá dois passos pra trás e três pra frente.
Valdete Siqueira dos Santos, Assentamento Transval, Jequitinhonha, MG.
Rememorar lutas e resistências alimenta nossa indignação e rebeldia. É justo rebelar-se, é legítimo e urgente. Porque a violência e a destruição não são parte do passado, mas são vividas em todos os cantos do país, com muitas caras e a mesma cumplicidade das autoridades que deveriam zelar pelo bem do povo. Estas enrolam, cansam e esgotam as comunidades. A rebeldia vai brotando aos poucos, nasce da realidade de opressão que interpela a consciência. É igual às sementes das plantas do Cerrado, que precisam passar pelo fogo ou pelo estômago dos animais para quebrar sua dormência e assim germinar. Nem sempre é um processo racional. Muitas vezes é um processo festivo de construção de símbolos. Continua a convicção que nosso projeto de vida vai ser “na lei ou na marra”.
Se com a memória alimentamos nossa rebeldia... com o que damos vida à nossa esperança?
A esperança é a persistência da rebeldia!
Trabalhador numa das tendas
Essa esperança vai nas nossas mãos. Em uma, a luta e a organização - diária e rebelde - na outra, a fé e a paixão - diária e rebelde. De um lado resistimos ao sistema de morte com luta. Do outro descobrimos que conquistar terra e território e permanecer neles não é suficiente. O desafio é construir novas pessoas e novas relações interpessoais, familiares, de gênero, geração, sociais, econômicas, políticas entre espiritualidades e religiões diferentes e com a própria natureza.
Com as mãos cheias de esperança convocamos os povos originários e o campesinato em suas mais diversas expressões: quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais, ribeirinhos, retireiros, geraizeiros, vazanteiros, camponeses de fecho e fundo de pasto, extrativistas, seringueiros, castanheiros, barranqueiros, faxinalenses, pantaneiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, assentados, acampados, peões e assalariados, sem-terra, junto com favelados e sem teto, para fortalecer estratégias de aliança e de mobilizações unitárias.
Convocamos também igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo urgente de MOBILIZAÇÃO REBELDE E UNITÁRIA pela vida, que inclua a defesa do planeta TERRA, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade.
Com o Papa Francisco reafirmamos que queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, na nossa realidade mais próxima, uma mudança estrutural que toque também o mundo inteiro.
Se no passado a escuridão não nos calou, mas acendeu em nós a esperançosa rebeldia profética, hoje também ela nos impulsiona a continuar a luta ao lado dos povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, em busca de uma terra sem males e do bem viver.
Por isso assumimos como perspectivas de ação para os próximos anos:
· Uma reforma agrária que reconheça os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e uma justa repartição da terra concentrada;
· A formação dos camponeses, camponesas e dos agentes da CPT, com destaque para as comunidades tradicionais, a juventude, as relações de gênero, a agroecologia;
· O envolvimento em todos os processos de luta pela educação no e do campo;
· O serviço à organização, articulação e mobilização dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, pescadores artesanais e mulheres camponesas;
· A intensificação do trabalho de base;
· A sustentabilidade pastoral, política e econômica da CPT.
O profundo desejo do próprio Jesus e do seu movimento é também o nosso: “Eu vim trazer fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse em chamas” (Lc 12,49).
Porto Velho, RO, 17 de julho de 2015.
Os e as participantes do IV Congresso Nacional da CPT
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