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Dona Josefa da Silva estava cercada de gente curiosa. Muitas perguntas lhe eram feitas. O sorriso largo não saia de seu rosto. Ela estava torrando farinha d'água, tradicional aqui em Rondônia, por isso o alvoroço ao seu redor. Uma Casa de Farinha foi construída, nas dependências Universidade Federal de Rondônia (Unir), especialmente para o IV Congresso Nacional da CPT.
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT
Imagem: Douglas Mansur)
Josefa mora no Assentamento Joana d'Arc, no município de Cruzeiro do Sul, no Acre. Na terrinha dela tem mandioca brava, que é usada para a produção da farinha. Perguntada se tem tempo que ela mexe com farinha, a resposta vem logo. "Faz muitos anos. Desde quando eu entendo por gente", diz.
Era hora de almoço. Muita gente estava ao redor do tacho, onde o produto era torrado. Já queriam experimentar. Simpática, dona Josefa explica que a farinha ainda demoraria duas horas para ficar pronta. "Duas horas com o fogo baixo. Não pode colocar muita lenha senão queima". Enquanto isso, muitas pessoas pediam para tirar foto manuseando a pá - colher de madeira usada para mexer a farinha. "Claro", respondia. "Se quiserem me ajudar podem vir", dizia Josefa, sorrindo.
A assentada explica, enquanto mexe o grande tacho, que a mandioca usada ali é conhecida como "amarelinha". Alguém pergunta: "Tem para vender?". "A gente tem muita roça, mas agora não tem para vender", diz Josefa.
Ao longo da conversa, a trabalhadora conta que após a mandioca ser arrancada, ela fica três dias de molho em uma vasilha com água. Após isso, vai para um saco para ser prensada. Depois, essa massa é peneirada algumas vezes, até que os caroços maiores sejam retirados. Por fim, é só torrar, processo que Josefa estava a fazer.
Bom, a farinha que Josefa e as colegas torraram deve ser usada nas Cozinhas do Congresso. A programação da Casa de Farinha ainda tem produção de açúcar mascavo e compostagem, além, claro, do caldinho de cana.
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Expressão popular, sabedoria camponesa, criatividade com as palavras, versos, estrofes, refrões... Na manhã desta terça-feira (14), trabalhadores e trabalhadoras, agentes pastorais e integrantes de movimentos sociais utilizaram das poesias para apresentarem os relatos reais da luta camponesa que agitaram o dia de ontem no IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acontece entre os dias 12 e 17 de julho, em Porto Velho, Rondônia.
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT
Imagens: Joka Madruga)
Nas vozes de homens e mulheres, jovens e adultos, as cerca de mil pessoas presentes assistiram e ouviram atentamente cada palavra, cada movimento de expressão vindos do palco. “Convocados e convocadas pela memória subversiva do evangelho, a manhã desta terça foi marcada pela forte emoção que tomou conta de todos os congressistas. Foi a história de Jesus crucificado e reencarnado contada pelas diversas comunidades camponesas através de diferentes expressões populares, do nosso jeito de ser CPT: músicas, poesias, parábolas, metáforas”, destacou Nancy Cardoso, agente da CPT Bahia e pastora metodista.
Uma apresentação de teatro emocionou os congressistas. A peça fazia memória ao martírio de Sebastião Rosa da Paz, o Tião da Paz, camponês e sindicalista da região de Uruaçu, Goiás, assassinado a mando do latifúndio por conta de seu comprometimento com a luta pela terra. “Isso conta a história antes de nós, retrata a história que hoje somos nós e mostra a história que vai continuar”, complementou.
Logo abaixo, leia todas as poesias que foram recitadas durante as apresentações desta terça:
Tenda Rio Mamoré
História de resistência
Conto a vocês três histórias de resistência
Gleba Cascata; caldeirão contestado
E pra ninguém dizer que estou enganado
Apresento agora três beatos
João Maria, Ibiapina e Dionízio
Que na luta pela terra prometida
Organizaram em procissão
Todo um povo descalço no chão
Pela pedagogia do exemplo
Enfrentaram bala, ferro e fogo
Na defesa de um mundo novo
Com igualdade, fartura e pão
A aliança operária-camponesa é o caminho
Revolução, camaradas, não se faz sozinho
De indignação é nossa memória
É com rebeldia, radicalizando
Que construímos a história
Os senhores do estado logo se apresentaram
Com massacres, tomadas de terras e expulsão
E com toda perversão, miséria e destruição
Pra Cascata Mato Grosso, Contestado Paraná e Ceará do Caldeirão
A vida em comunidade quase desapareceu
Até Padre Cicero do Agreste percebeu
Mas a utopia na vida não terminou
Caldeirão sobrevive, Cascata ainda resiste
E Contestado ninguém esqueceu
O Estado mostrou para que veio
Assim cumpriu sua missão
Para os senhores do latifúndio
E pro povo nem um metro de chão
A aliança operária-camponesa é o caminho
Revolução, camaradas, não se faz sozinho
De indignação é nossa memória
É com rebeldia, radicalizando
Que construímos a história
Da tenda Rio Mamoré
Uma conclusão por aqui surgiu
Opressão, violência e injustiça
Do Estado sempre partiu
O conluio no tempo se fez
E pra dizer que não é embriaguez
Nossa lei é do modo burguês
A democracia no Brasil já faliu
Modelo que o camponês não se incluiu
Mas o povo quer mesmo exercer o poder
Para participação um dia fazer
A aliança operária-camponesa é o caminho
Revolução, camaradas, não se faz sozinho
De indignação é nossa memória
É com rebeldia, radicalizando
Que construímos a história
Escrito durante o IV Congresso da CPT, por autor não identificado
Tenda Rio Guaporé
Memória, confiança e esperança
Recordamos nossas lutas, numa roda em mutirão
Vimos três experiências de lutas na contramão
Eram lutas coletivas envolvendo muita gente e várias instituições
Cochichamos sobre as lutas, refletimos a situação
Demos passos importantes no processo em construção
Elegemos o Governo prá mudar a situação, mas isso não aconteceu
Apesar de coisas boas, o povo quer muito mais.
Vive meio insatisfeito querendo outros avanços, o Bem Viver para todos os cidadãos e cidadãs.
Sabemos que a coisa anda meio complicada
Se o povo não acordar e nas ruas se juntar
Pode ser que, o que conquistamos vem a se esfarelar.
Mas a luta nos provoca a nunca desanimar
Por isso, rememoramos para recomeçar
Olhamos o retrovisor, recordamos nossas lutas, nossa gente que acreditaram e acreditam que esse mundo pode muito melhorar. Não vamos desanimar, trabalho de base já.
Memorizando, rebeldiando, com esperança e confiança para o mundo melhorar.
Reinaldo Barberine, agente da CPT Minas Gerais
Só a luta faz valer
Quem tá cansado dê licença do caminho
Quem acredita dê as mãos e vamos embora
Pois quem tropeça no primeiro desatino
É pouca força na construção dessa história.
Não adianta inventar outros caminhos
Porque jamais vão conseguir nos convencer
Capitalismo nunca foi de quem trabalha
Nossos direitos só a luta faz valer
Capitalismo nunca foi de quem trabalha
Nossos direitos só a luta faz valer.
Canção de Zé Pinto, recitada e interpretada por Edileia Oliveira, agente da CPT Espírito Santo
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Na memória de José Maria Pereira, presidente da Associação Agroextrativista da Ilha do Carás, em Afuá, no Pará, há a lembrança da perda de vários companheiros de luta. Foram cinco nos últimos tempos. Aqui, no IV Congresso Nacional da CPT, ele dividiu conosco um pouco dos desafios enfrentados pela comunidade em que vive.
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT)
"Perdemos um companheiro morto pelo latifúndio. A partir daí criamos o sindicato", conta. As mortes não pararam. José teve outros amigos mortos. Apenas em dezembro do ano passado tombaram dois. "São coisas que fazem a gente parar, mas não desistimos", diz.
A comunidade recorreu a diversos órgãos públicos. Apesar de tudo isso, ele lembra as conquistas. "Fomos conseguindo conquistar a terra. Conseguimos acessar políticas públicas", ressalta José, que ainda lembrou o apoio da CPT ao longo desse processo.
Essa experiência de luta e dezenas mais estão sendo apresentadas durante as tardes do Congresso, na Universidade Federal de Rondônia (Unir), em Porto Velho, entre os dias 13 e 17 de julho. José Maria, assim como diversos companheiros e companheiras, têm partilhado suas Memórias, Rebeldias e Esperanças.
Experiências e denúncias de conflitos como essa dividida por José compõem a publicação anual da CPT, Conflitos no Campo Brasil, que esse ano completa 30 anos de registro dos conflitos que atingem as comunidades e as violências que os trabalhadores e trabalhadoras do campo, das águas e das florestas sofrem a cada dia. No Congresso, as 30 publicações estão expostas na Tenda dos Mártires.
Luis Novoa, professor da Unir, analisou algumas experiências apresentadas no Congresso e também falou sobre a importância da compilação dos dados sobre conflitos no campo."Essa contabilidade dos nossos mortos, por difícil que seja, é fundamental para que não matem nossos mártires de novo. Eles precisam estar vivos na memória e na luta. O ato de registrar, de colocar isso no papel, é importantíssimo", destaca.
Assista ao vídeo da análise do professor: https://www.youtube.com/watch?v=s3KVCLC0U10
O registro
Na Tenda do Rio Guaporé, um dos espaços de apresentação das experiências, foram relatadas histórias sobre a maior greve de boias-frias da história do Brasil, a greve de Guariba (SP), e sobre a publicação da CPT, Conflitos no Campo Brasil. "Guariba foi um grito de libertação", enfatizou Novoa. Relacionando a greve e o trabalho da CPT de documentar os conflitos, Luis destacou o quão importante é trabalhar com o eixo Memória no Congresso. "O sentido da memória é pensar como estamos preparados para enfrentar os desafios que estão por vir".
Antônio foi quem trouxe a memória da greve de Guariba para o debate na Tenda. "As pessoas se reuniam em Igrejas. Os agentes da CPT ajudavam os trabalhadores a se organizarem", contou ele, que ainda destacou a atuação de Padre José Bragheto junto aos trabalhadores. O professor Luis, ao refletir sobre essa e outras organizações de trabalhadores e trabalhadoras, destacou a contribuição das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da CPT. "O papel da Igreja, desses padres, foi fundamental para dar força para o surgimento dessas organizações", sintetizou.
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Os relatos foram feitos durante apresentação de experiências, na tarde desse primeiro dia de Congresso. Além dessa experiência sobre o babaçu livre, outras 20 foram partilhadas. Confira:
(Equipe de Comunicação João Zinclar - IV Congresso Nacional da CPT
Imagem: Rafael Oliveira)
Dona Antônia Célia tem 52 anos. Desde os 12, ela se dedica ao trabalho de quebrar coco babaçu. O trabalho, segundo Dona Antônia, aprendeu com a mãe. Hoje, ela divide a tarefa com o marido e os sete filhos. “Tem até umas netas já crescidas que às vezes nos acompanham”, contou a trabalhadora na Tenda temática sobre “Memória”, no IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), realizado entre os dias 12 e 17 de julho, em Porto Velho (RO).
Moradora de Governador Archer, no Maranhão, a presidente da associação de quebradeiras de coco babaçu do município garante a renda da família com o que o fruto proporciona. “A gente vende o coco e também produz o sabão”, afirma ela, orgulhosa.
Sobreviver do extrativismo nos babaçuais, no entanto, nunca foi uma rotina simples para ela e as colegas. “Antes, nós não tínhamos o coco porque os fazendeiros não permitiam que entrássemos para colher. Essa situação ainda acontece, mas em menor quantidade”, diz.
Desde 2012, as quebradeiras do município têm o respaldo da Lei do Babaçu Livre, que assegura o livre acesso às palmeiras, mesmo que estejam em terras privadas. “Antes de conseguir esses direitos, nós perdemos muitas companheiras. Nós ficamos marcadas pela luta”, recorda Dona Antônia.
Também quebradeira de coco, Flaviana dos Santos, presidente da associação de quebradeiras de coco babaçu de Dom Pedro (MA), relata que sua comunidade ainda não conseguiu a aprovação dessa mesma lei que beneficia o trabalho com o babaçu. “Nós já fomos muito ameaçadas pelos fazendeiros. Hoje eles têm muito pasto com capim, derrubando as palmeiras e matando nossa cultura de muitas gerações”, afirma.
Antes de estarem organizadas, Flaviana e as colegas vendiam o quilo do coco por 30 centavos aos próprios fazendeiros que as reprimiam. Hoje, elas comercializam o quilo a R$ 1,60 nos mercados da região. “A gente continua entrando nas fazendas, podemos até apanhar, mas nunca mais venderemos para os fazendeiros”, enfatiza a quebradeira.
“Nesse processo todo, as mulheres assumiram a identidade de quebradeiras e se fortaleceram no enfrentamento aos fazendeiros. Para elas, o trabalho com o babaçu é a continuação da família, da cultura, da comunidade”, pontua Marcia Palhano, agente da CPT no Maranhão.
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