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Entre os dias 17 e 18 de março, cerca de 50 representantes de Pastorais Sociais, movimentos e organizações que atuam no campo, estiveram reunidos para refletir sobre a violência no campo, os elementos causadores dela e como podemos denunciar e organizar a sociedade para acabar de vez com essa prática. Dessa preocupação surge a iniciativa de criar uma Campanha Nacional contra a Violência no Campo.
Coletivo de Comunicação das Pastorais Sociais
A violência no campo é uma dura realidade sistêmica, que persiste em todas as regiões do país. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), registra, todos os anos, os dados de conflitos no campo, com o intuito de dar visibilidade e denunciar essa prática recorrente no meio rural brasileiro. Segundo dados do Centro de Documentação da CPT Dom Tomás Balduino, entre 2016 e 2020 foram registradas 8.663 ocorrências de conflitos no campo envolvendo diversas formas de violência contra as pessoas, atingindo o marco de 217 assassinatos nesse período. A média de pessoas envolvidas nesses conflitos se aproxima a 1 milhão de pessoas todos os anos. No ano de 2020 foi registrado o maior número de ocorrências de conflitos no campo, desde que a CPT iniciou esse trabalho de registro. Foram 2.080 conflitos envolvendo cerca de 1 milhão de pessoas.
Dessa forma, a partir da necessidade de pressionar pela mudança dessa realidade, surgiu a proposta da realização de uma Campanha Nacional contra a Violência no Campo. Tal Campanha deveria envolver os povos e comunidades tradicionais e camponesas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil em uma ampla mobilização para o enfrentamento a essa realidade. Ainda em estágio embrionário, a Campanha foi debatida entre o grupo reunido em Brasília nesses dias, de forma a levantar os desafios e estratégias para essa ação. Dom José Ionilton, bispo de Itacoatiara, no Amazonas, presidente da CPT e membro da Comissão Socio-transformadora da CNBB, avalia a importância da participação de várias âmbitos da Igreja e dos movimentos sociais na construção dessa Campanha, que deve ser um processo coletivo. “Desde 1985 a CPT publica o ‘Conflitos no Campo Brasil’. Pensamos em não ficar só com o aspecto da denúncia que os relatórios trazem, e daí veio a ideia de uma Campanha que não fosse só da CPT, mas da Igreja, das pastorais do campo e outras pastorais, e das organizações da sociedade civil. Este seminário tem esse objetivo de convocar todas as pastorais e movimentos sociais do campo, para definir o caminho que faremos nessa Campanha de enfrentamento à violência no campo. Vamos precisar dos bispos, padres, leigos, consagrados. Fazemos isso motivados pelo Evangelho de João 10, 10: ‘que todos tenham vida em abundância’. Os movimentos abraçam essa Campanha e esperamos que ela nasça e cumpra o objetivo pelos quais nos trouxe aqui, que possamos reduzir a violência”.
Para Guilherme Delgado, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), que fez a análise de conjuntura do encontro, “uma Campanha como essa seria de extrema importância, principalmente porque temos um ano eleitoral pela frente, e precisamos incidir na política de forma a que, a partir de 2023, tentemos mudar esse modelo agrícola/agrário brasileiro. Além disso, estamos lidando com um outro aspecto, decorrente dessa política e da mesma forma muito violento, que é a fome. Houve nos últimos três anos e meio do governo uma exacerbação da violência. Temos um governo de extrema-direita que aquilo que já estava ruim, como ele mesmo admitiu ‘pode piorar’, e tem piorado mesmo, mas os problemas da violência estrutural no campo são mais antigos, nem precisamos ir para o período colonial. Essa violência vem desde quem se fortalece com todo peso e poder dos recursos do Estado, o chamado grupo do Agronegócio, ruralistas, forjando políticas de exclusão e de concentração de renda e de poder, transformando a terra numa mercadoria qualquer. Essa violência estrutural precisa ser desmontada com uma proposta de desenvolvimento que inclua, que respeite a natureza, os camponeses, os povos indígenas, quilombolas, suas formas de vida. Combater a violência no campo passa também por aí, não é só combater as violências imediatas, mas desmontar essas estruturas que estão funcionando, aliás, com muito dinheiro público.”.
Já para Laura Lírio, militante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), "essa realidade sobre a violência que nos cerca precisa ser combatida e para isso precisamos intensificar a unidade de nossos povos nos diferentes seguimentos de campo, águas, florestas e periferias". Para a militante camponesa "se coloca cada vez mais urgente dialogar sobre a proposta apresentada pela CPT, da Campanha Nacional contra a Violência no Campo, de modo a envolver nossa diversidade na unidade popular".
É preciso unificar forças contra "o projeto de morte do grande capital que expropria os bens comuns indispensáveis à vida dos povos e até mesmo em milhares de situações, a dignidade do trabalho", acrescenta o coordenador nacional da CPT, Carlos Lima.
A importância da Campanha na conjuntura atual que vivemos
Para Isolete Wichinieski, da coordenação executiva nacional da CPT, “a violência no campo retrata muito essa realidade que o Brasil está vivendo. Enquanto uma pessoa estiver sofrendo, ou seja, estiver sendo atacada em sua dignidade, ou sendo atacada seus processos de vida, é necessário que a gente tome uma posição, Jesus Cristo nos ensinou isso, isso é papel da Igreja. Enfrentar a violência não é causa de uma pessoa, de uma pastoral, de um movimento, mas é um problema estrutural da sociedade. Então ele deve ser resolvido pela sociedade. Organizar e chamar outras pessoas, atores diversos, nesse Brasil que a gente tem, é envolver as pessoas na resolução desse problema e trazer a paz e vida digna a essa população do campo que está sofrendo tanto”.
As comunidades tradicionais também analisaram a importância da realização dessa Campanha. Emília Costa, articuladora do Movimento Quilombola (MOQUIBOM), vê a Campanha “como um espaço de denunciar e de combater as violências que vivenciamos diariamente, que muitas vezes acabam em mortes, não só nas comunidades tradicionais, mas em todas as comunidades originais que lutam pela vida e território. Em Arari, o quilombo Cedro, que sofreu violência nos últimos meses, é uma comunidade que vem lutando contra as cercas no campo, a luta que temos são os nossos corpos, que acabam perdendo a vida ao lutar pelo território. O governo do estado diz que faz políticas públicas para ajudar as comunidades, mas é apenas para maquiar, pois acaba incentivando a violência diariamente. Trazem as políticas públicas já montadas, não é construída com a comunidade, não somos consultados, não nos sentimos parte, e muitas vezes não serve para nós. No Maranhão temos essa experiência de luta e resistência de estar em unidade com outras comunidades. A Teia dos Povos tem sido esse espaço pra gente se fortalecer e lutar contra essa violência que estamos sofrendo de forma coletiva. A Campanha vem pra somar e também mostrar o que a gente já tem feito”.
A realidade da violência nos territórios, contra as comunidades e contra o direito de existir e de ter garantido seu modo de vida e produção, tem aumentado ano a ano, principalmente após o golpe de 2016. Para Sabrina Diniz, diretora da ABRA, “a Campanha é importante porque é necessária para manter a vida das pessoas que estão lutando por uma sociedade mais humana e saudável. A violência no campo sempre existiu, mortes de lideranças que lutam por reforma agrária, na defesa do meio ambiente, pelos direitos da população quilombola, indígena, ribeirinha, camponeses, trabalhadores no campo, assalariados. Essa violência é estrutural e foi construída propositalmente numa lógica capitalista de priorizar o lucro acima da vida. A violência existe para manter a desigualdade social, a exploração do trabalho, a destruição do meio ambiente. Já realizamos outras campanhas contra a violência no campo, mas nos últimos anos essa violência acirrou muito, após o golpe de 2016, quando a direita mais violenta e fascista autoriza uma carta branca para jagunços e a polícia para matar”.
Em 2020, a CPT registrou 1.592 ocorrências de conflitos por terra, o que equivale a uma média diária de 4,36 conflitos, envolvendo 171.625 famílias brasileiras, já muito impactadas, como o resto do mundo, pelo contexto da pandemia. A necessidade de construção de uma Campanha como essa, mostra-se, portanto, urgente, para que não tenhamos mais sangue derramado no campo brasileiro e para que tenhamos vida digna e territórios garantidos para os povos do campo, das águas e das florestas.
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O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na próxima segunda-feira, 21 de março, retorna ao Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU) para denunciar as violências e violações enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil. Caberá ao secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo de Oliveira, levar ao Conselho a visão geral do contexto no Brasil, durante o “Diálogo Geral” sobre situações de direitos humanos que exigem atenção do Conselho. A Alta Comissária da ONU para o tema, Michelle Bachelet, irá participar do evento.
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A entidade questiona quais são os fundamentos jurídicos do governo federal para manter a tese do marco temporal, a demora no julgamento do RE e o aumento dos assassinatos ligados aos conflitos por terra; o evento inicia ainda neste mês
Ao longo dos últimos três anos, o Estado brasileiro tem fechado os olhos e tapando os ouvidos aos clamores que vêm das ruas e territórios tradicionais. Os povos indígenas, suas organizações e organizações de apoio à causa indígena, seguem sem respostas a questões como: quais são os fundamentos jurídicos adotados pelo governo federal para manter a tese do marco temporal em seus atos administrativos, uma vez que sua constitucionalidade e convencionalidade estão sendo contestadas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)? Porque prorrogar tantas vezes o julgamento do caso Xokleng, que tem Repercussão Geral (RE) reconhecida? Quais são as razões para não dar seguimento a demarcação dos territórios indígenas?
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Em documento publicado hoje (24 de janeiro), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para a América do Sul da ONU Direitos Humanos condenam os recentes assassinatos de camponeses e quilombola ocorridos no Brasil em janeiro de 2022, nos estados do Maranhão e Pará.
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