Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Comunidade tradicional das Ilhas de Sirinhaém é dizimada. A ação judicial foi movida pela Usina Trapiche. Justiça se posiciona de forma conivente com o conflito e Governo do Estado não assume a única alternativa para as famílias expulsas: a criação de uma Reserva Estrativista na área.

O conflito da Usina Trapiche com a comunidade tradicional formada por 53 famílias de pescadores tradicionais nas Ilhas de Sirinhaém, litoral sul de Pernambuco, já dura mais de 25 anos e retrata a realidade do monocultivo da cana-de-açúcar em Pernambuco, conhecido como um dos Estados que mais promove violência no campo. Ao longo desse tempo, todas as famílias que viviam na área foram expulsas por ações criminosas da Usina Trapiche. Apenas duas famílias resistiram no local, a família das pescadoras Maria de Nazareth e Maria das Dores. Mas essa semana foram obrigadas, por ordem judicial, a deixarem o local onde moram desde que nasceram.

O despejo, anunciado no último dia 28 de outubro, pelo Juíz da Vara Única de Sirinhaém, Luíz Mario de Miranda, foi o resultado de 12 anos de uma disputa judicial movida pela Usina Trapiche contra a família de Maria de Nazareth. A família da pescadora responde à uma ação de reintegração de posse que já tramitou em julgado, entretanto, a Trapiche força a saída da família de Maria das Dores, irmã de Nazareth. Ela é despejada das ilhas de forma judicialmente arbitrária, pois não recai sobre ela nenhuma ordem de despejo e a pescadora sequer foi ouvida.

 


Resex: a alternativa para as famílias expulsas das Ilhas – A solução para este conflito está na criação de uma Reserva Extrativista. As famílias, com o apoio da população local, da Colônia e da Associação de pescadores, além de diversas organizações ambientalistas e de direitos humanos, solicitaram ao ICMBio e ao Ibama, desde 2006, que a área seja transformada em uma Reserva Extrativista. Para essas organizações, a dignidade das famílias, a proteção do manguezal e a garantia da comunidade em exercer sua atividades tradicionais só estariam asseguradas com a criação da Resex. Pela Resex, as famílias expulsas poderiam ser realocadas nas Ilhas. Todos os estudos e etapas necessárias para viabilizar a Reserva já foram concluídas pelo ICMBio. No entanto, o Governo Federal só criará a Resex com a anuência do Governo Estadual, fruto de um acordo político entre as instâncias, mesmo que isso não esteja previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC.

O Governador do Estado ainda não se pronunciou sobre o caso. Nas últimas semanas, as próprias pescadoras que estavam na iminência de serem expulsas, em conjunto com as Colônias de pescadores da região, a CPT, CPP e a Terra de Direitos, procuraram inúmeras vezes o Governo do Estado de Pernambuco, através da Secretaria de Meio Ambiente para que este se posicione diante do conflito. Até agora, não houve nenhuma manifestação de Eduardo Campos sobre a criação da Resex. Para as entidades que acompanham o caso, assim o Governo se posiciona de forma conivente com aqueles que dizimaram a comunidade tradicional que viviam nas Ilhas.

O Conflito
Foi a partir de 1998 com a compra da Usina pelo empresário Luiz Antônio de Andrade Bezerra, que a situação se agravou. A partir daí, a empresa sulcroalcooleira intensificou a violência para a expulsão das famílias que residiam no local.  Desde então, os pescadores, apoiados por entidades como a Comissão Pastoral da Terra e a Terra de Direitos, vinham denunciando as violações de direitos humanos perpetradas pela Trapiche, como perseguições, ameaças, expulsões, queima e demolição de casas. Aos que foram expulsos das Ilhas restou-lhes a periferia do município. A Anistia Internacional, que acompanha o caso, visitou em 2008 as famílias expulsas das Ilhas e em carta aberta ressaltou: “Elas [as famílias] moram em uma favela, com casas precárias e lutando pela sobrevivência.” Em depoimento dado na semana passada à CPT, Dona Antônia, uma das pescadoras expulas das ilhas e que hoje encontra-se na periferia de Sirinhaém, disse que todos os dias sonha com as Ilhas e que hoje se sente morta. É categórica ao afirmar: “quem me matou foi a Usina [Trapiche] quando me tirou das ilhas”. Proibidas de pescar no estuário e submetidas a condições sub-humanas, as famílias não tem de onde tirar seu sustento e não podem exercer seu modo de vida tradicional.

Recai também sobre a Trapiche dezenas de denúncias de crimes ambientais. De acordo com os pescadores, a Usina construiu extensos canais para escoamento do vinhoto que é despejado diretamente no rio todos os dias, quando inicia a colheita da cana-de-açúcar. Por conta das violações ao meio ambiente, o Ministério do Meio Ambiente, em 2008 autuou a Trapiche, assim como todas as Usinas do Estado, com aplicação de multa de R$ 120 milhões. Em 2009, a Trapiche foi novamente multada em um milhão de reais pelos crimes ambientais cometidos.


Histórico das Famílias que viviam nas ilhas Sirinhaém

 

1 - Dezenas de famílias, que há décadas viviam das riquezas do mangue e da agricultura de subsistência nas ilhas de Sirinhaém, foram sendo expulsas, uma a uma, de suas casas e suas terras pela Usina Trapiche - produtora de açúcar e álcool. O conflito teve início há cerca de 25 anos.

2 - A partir de 1998, o conflito se intensifica e as 53 famílias que resistiam na área foram despejadas pela Usina e perversamente alocadas em barracos mal estruturados na periferia de Sirinhaém. Atualmente, apenas as irmãs Maria Nazareth dos Santos e Maria das Dores dos Santos resistem na área. As Irmãs são constantemente ameaçadas e já tiveram suas casas destruídas várias vezes.

3 - A área em questão, como se trata de ilhas, são terras de Marinha, ou seja, de propriedade da União Federal. Logo, não podem ser alvo de especulação, tampouco podem pertencer à Usina Trapiche. A usina utiliza a terra plantando de cana-de-açúcar, o que é proibido pela legislação nacional.

4 - Um dos o objetivos da Usina, em retirar as famílias das ilhas, é para que não houvesse ilhéus testemunhando e denunciando a devastação do meio ambiente, causada pelo despejo de vinhoto (substância tóxica) nos rios.

5 - Desde 2002, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vem acompanhando as 53 famílias de pescadores que moravam nas ilhas e as duas irmãs que ainda resistem.

6 - Em 2006, os Pescadores, Ilhéus, a População Ribeirinha dos Rios Ipojuca e Sirinháem, apoiados pela CPT e por diversas organizações ambientalistas e de Direitos Humanos, vêm lutando pela criação de uma Reserva Extrativista (RESEX), na região. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e o Instituto Chico Mendes deram início ao processo de criação da  RESEX na área.

7 - Em julho de 2007, a partir das denúncias dos pescadores, que mesmo distantes se mantém vinculados às ilhas, a Gerência de Patrimônio da União (GRU), órgão responsável pelas Terras de Marinha, cancelou o direito de aforamento das terras públicas pela Usina Trapiche, para que o Ministério do Meio Ambiente iniciasse os procedimentos da criação de uma Unidade de Conservação, com carater de Reserva Extrativista.

8 - A Consulta pública, etapa importante para a conclusão do processo de criação da RESEX foi realizada no dia 21 de agosto de 2009, tendo sido concluído o procedimento administrativo, restando apenas a anuência do Governador Eduardo Campos para que o Presidente Lula publique o Decreto de criação da Resex.


9 - Em julho de 2010, o Superior Tribunal de Justiça não admite o recurso que defendia a posse da Terra para as famílias das duas pescadoras que ainda resistem no local, podendo ser expulsas a qualquer momento.

10 - Em 28 de outubro de 2010 foi realizada audiência em Sirinháem para definir os termos do despejo de Maria de Nazareth. A pescadora tem até o dia 04 de novembro para aceitar uma das propostas impostas pela Usina, que é morar na periferia de Sirinhaém. Caso não aceite, o Juiz que acompanha o caso, Luíz Mário de Miranda, afirmou que executará o despejo impediatamente após o prazo.

 



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Vídeos:

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Documentário: Mangue Vivo, povo vivo!

 

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