Cerca de 400 camponeses e camponesas apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em diversas regiões do estado ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Recife, nessa terça-feira, 30. A ação ocorreu simultaneamente ao lançamento estadual da publicação "Conflitos no Campo Brasil 2023".
Texto e imagem:
Setor de comunicação da CPT NE2
As famílias aproveitaram o lançamento da publicação para exigir do Incra respostas sobre como andam os processos de desapropriação encaminhados durante a construção do Plano Estratégico do Ministério do Desenvolvimento Agrário/Incra, elaborado no início do ano. “Sabemos que os conflitos no campo se resolvem quando o problema da terra é resolvido, então viemos perguntar o que o Incra está fazendo para solucionar esse problema, o que está sendo feito para acelerar o processo de desapropriação das terras onde vivem comunidades que estão em conflito em Pernambuco”, explica Geovani Leão, agente pastoral e membro da coordenação regional da CPT NE2.
Conflitos no campo em Pernambuco - Durante o lançamento estadual da publicação Conflitos no Campo Brasil 2023, o auditório do Incra ficou tomado pela presença dos agricultores, agricultoras, representantes de organizações sociais do campo, de universidades, órgãos de governo e amigos e amigas da CPT. Geovani Leão apresentou os dados dos conflitos, com uma série de detalhamentos sobre os diferentes tipos de violência sofrida pelas populações do campo no estado.
De acordo com o levantamento feito pela CPT, 18.301 pessoas, incluindo camponeses(as), pescadores(as), trabalhadores(as) rurais, sem-terra, indígenas, quilombolas e pequenos(as) proprietários (as) foram afetados pelos conflitos no campo em Pernambuco no ano passado. Isso equivale a uma média de 50 pessoas afetadas a cada dia ao longo do ano.
A Zona da Mata de Pernambuco e a Região Metropolitana do Recife foram, por mais um ano, as localidades que mais registraram ocorrências de conflitos no campo no estado de Pernambuco. Juntas, 67,8% do total de ocorrências de conflitos no campo em 2023. O Sertão, com 16,95%, enquanto o Agreste 15,25% do total.
A categoria social mais envolvida em conflitos agrários no estado são as famílias posseiras, que estiveram presentes em 45,76% dos casos registrados, enquanto 38,98% dos casos foram relacionados às famílias sem-terra. Pequenos proprietários, pescadores, e indígenas estiveram envolvidos em duas ocorrências cada, totalizando 10,17%; e trabalhadores rurais, com três ocorrências, o que representa 5,08% do total.
Relatos de Violência - Durante o momento, camponeses e camponesas relataram casos de violência e violações de direitos humanos e a luta para enfrentar uma rotina marcada por ataques contra suas vidas e seus territórios. Os testemunhos reforçaram os números apresentados anteriormente. “Estamos vivendo só pela misericórdia. Nascemos e nos criamos naquela terra. Antes do conflito, dormíamos com a porta aberta. Hoje, a gente não dorme mais com a porta aberta. A gente vive com medo”, comenta a agricultora da comunidade do Engenho Batateiras, em Maraial, que prefere não se identificar
"A gente dorme, mas a qualquer momento pode se deparar com a morte. Neste Brasil, os agricultores e agricultoras não têm mais a liberdade de plantar, colher e sobreviver onde sempre viveram. Que país é esse que não tem Reforma Agrária? Que país é esse que não temos o direito de plantar e sobreviver da terra?", questionou o agricultor Vinícius José Silva, da comunidade posseira do Engenho São Bento, em Itambé.
“Cada vez que escuto esses relatos, fico impactada, porque cada violência retrata sofrimento. Eu vivo na cidade de Caetés, e lá, nosso sofrimento e nossa luta não são diferentes dos demais. O Agreste vem sofrendo os impactos das energias eólicas. Na nossa comunidade, a violência começou quando as empresas chegaram em nosso território e não fomos ouvidos”, ressaltou Vanessa Araújo, agricultora da comunidade de Sobradinho.
Cobranças ao Incra - Após o lançamento, as famílias foram recebidas pelo superintendente do Incra, Givaldo Cavalcante, e pelo diretor-presidente do Iterpe, Cleodon Ricardo de Souza. As autoridades explicaram as medidas que estão sendo tomadas em cada área, mas apontaram a limitação imposta pela falta de orçamento para resolver os conflitos por meio da desapropriação de terras. Diante do impasse, os agricultores e agricultoras reivindicaram uma audiência com representantes do Incra nacional e com a presença do Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, a ser realizada nos próximos meses em Pernambuco.
As famílias enfatizaram que os conflitos no campo em Pernambuco exigem uma resposta à altura, com medidas enérgicas e eficazes. Um exemplo da gravidade do problema é a situação da Zona da Mata, onde os conflitos agrários atingiram um nível tão alarmante que um dos municípios da região, Jaqueira, é o sétimo do país com o maior registro de conflitos nos últimos dez anos, segundo levantamento da Pastoral. No local, os conflitos envolvem terras controladas pela Usina Frei Caneca, desativada em 1997 e devedora de débitos milionários ao Estado e à União. Ali, o Estado brasileiro não conseguiu desapropriar “um palmo de terra”, como destacou Plácido Junior, agente pastoral da CPT.
"Se o campo não planta, a cidade não janta. Agora, a que custo os camponeses e camponesas estão produzindo alimentos? Apesar desse cenário, temos muita esperança porque essas comunidades não estão se rendendo à violência do latifúndio, não estão se rendendo à ineficiência do Estado. Elas continuam produzindo alimentos para a mesa do povo de Pernambuco, e isso nos dá coragem e nos anima", concluiu Plácido Junior.