Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

De acordo com a publicação "Conflitos no Campo Brasil 2023", da Comissão Pastoral da Terra (CPT), os conflitos no campo em Pernambuco afetaram 18.301 pessoas, incluindo camponeses(as), pescadores(as), trabalhadores(as) rurais, sem-terra, indígenas, quilombolas e pequenos(as) proprietários(as). Isso significa que, em média, 50 pessoas por dia foram impactadas por conflitos agrários no estado ao longo de 2023. Segundo o levantamento, essas pessoas estiveram envolvidas em 59 ocorrências de conflitos, sendo 55 relacionados à terra, 3 a conflitos trabalhistas e 1 à água. 

Geografia dos conflitos no campo - A Zona da Mata de Pernambuco e a Região Metropolitana do Recife foram, por mais um ano, as localidades que mais registraram ocorrências de conflitos no campo no estado de Pernambuco. Juntas, elas concentraram 40 registros, o que representa aproximadamente 67,8% do total de ocorrências. No Sertão, foram registrados 10 ocorrências, correspondendo a 16,95%, enquanto o Agreste contabilizou 9 registros, o que equivale a 15,25% do total.

A categoria social mais envolvida em conflitos agrários no estado são as famílias posseiras. Essa categoria esteve presente em 27 dos 59 casos registrados, o que equivale a 45,76% do total, enquanto 23 registros (38,98%) foram relacionados às famílias sem-terra. Pequenos proprietários, pescadores, e indígenas estiveram envolvidos em duas ocorrências cada, totalizando 10,17%; e trabalhadores rurais, com três ocorrências, o que representa 5,08% do total.

A maior parte dos conflitos fundiários na Zona da Mata e Região Metropolitana do Recife esteve diretamente ligada à decadência das usinas do setor sucroalcooleiro e à ausência de uma intervenção estatal eficaz para a reestruturação fundiária da região. Grandes extensões de terras na área vêm sendo arrendadas, vendidas ou adquiridas por meio de leilões judiciais fraudulentos por empresas do ramo imobiliário e pecuário. Esses empreendimentos vêm sendo frequentemente denunciados por esbulho de posse, ameaças, perseguições, destruição de lavouras e outros tipos de violência contra comunidades posseiras locais. Os conflitos agrários na Zona da Mata atingiram um nível tão alarmante que um dos municípios da região, Jaqueira, é o sétimo do país com o maior registro de conflitos nos últimos dez anos, segundo levantamento da Pastoral.

Já no Agreste de Pernambuco, além de conflitos com grandes fazendeiros, a instalação de usinas eólicas, sobretudo no município de Caetés, levanta preocupações crescentes, com tendência de aumento das violações de direitos na localidade. Casos como esses apresentam novas roupagens, conforme aponta a CPT, uma vez que as famílias não estão sendo necessariamente removidas de suas terras por meio de violência direta, mas enfrentam imensas dificuldades para permanecer em seus territórios em razão dos danos causados pela presença das empresas. No Sertão, entre os conflitos registrados, destacam-se aqueles que envolvem terras improdutivas de latifundiários e famílias sem-terra.

As múltiplas faces da violência no campo - As ocorrências de conflitos no campo registradas em Pernambuco no ano de 2023 são analisadas em detalhes pela CPT. Ao destrinchar os dados, a CPT revela o cenário da violência contra a ocupação e a posse, e da violência contra a pessoa. Com relação à violência contra a pessoa, foram registradas duas ameaças de morte -  ocorridas no conflito fundiário que afeta a comunidade posseira do Engenho Barro Branco, em Jaqueira -  e um assassinato: o do trabalhador rural sem-terra Josimar da Silva Pereira, na cidade de Vitória de Santo Antão (PE). Com relação à violência contra a ocupação e a posse, o levantamento apontou que, nesse ano, 844 famílias camponesas enfrentaram ameaças de despejo e remoção forçada, enquanto 81 famílias foram efetivamente despejadas de suas terras. Além disso, 80 famílias tiveram suas casas destruídas; 681 famílias foram vítimas de atos de pistolagem; e 1.260 famílias enfrentam a invasão de seus territórios. Todos esses números de violência contra a ocupação e a posse tiveram um aumento em comparação com 2022, conforme demonstrado na tabela abaixo:



Avaliação dos números - Em 2023, Pernambuco registrou uma leve queda nas ocorrências de conflitos no campo (59) em comparação às 65 do ano anterior. Contudo, essa redução não significa que o Estado esteja no caminho para combater a violência no campo. Ao contrário, as comunidades que enfrentaram conflitos nos últimos anos ainda lutam pela efetivação da Reforma Agrária, da demarcação de seus territórios e do reconhecimento de suas propriedades. 

De acordo com a CPT, a diminuição nas ocorrências de conflitos pode ser atribuída à ampla repercussão, tanto nacional quanto internacional, da violência no campo que vinha crescendo no estado desde 2017, e especialmente durante a pandemia. A mobilização das comunidades afetadas, que se opuseram à ação desmedida de empresas e latifundiários, a pressão sobre as autoridades governamentais e as denúncias das violências sofridas foram fundamentais para conter a escalada das agressões. A Comissão Estadual de Acompanhamento aos Conflitos Agrários (CEACA), criada em 2022, é fruto deste processo mobilizatório e de denúncia. 

Além disso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ao passo que se mostrou inativo em relação à desapropriação de imóveis para fins de Reforma Agrária, optou por adotar uma estratégia conciliatória, buscando a pactuação e negociação com latifundiários e empresários. Essa medida pode ter adiado alguns episódios pontuais de violência no campo, mas, alerta a CPT, coloca as comunidades camponesas do estado numa posição de extrema vulnerabilidade, sujeitas à arbitrariedade e brutalidade do latifúndio no campo e à iminência de novos casos de violência no campo. 

 

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