Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

O Estado brasileiro negou responsabilidade no desaparecimento forçado do trabalhador rural Almir Muniz, durante julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, nesta sexta-feira (9), em San José, na Costa Rica.

Apesar de, em suas alegações finais, pedir desculpas aos familiares da vítima e reconhecer em parte violações de direitos relacionados ao caso, o Estado afirmou, de forma controversa, não reconhecer o desaparecimento forçado porque não houve investigação à época do crime, em 2002, no município de Itabaiana (PB).

"O que é lamentável e triste nessa questão é que o Estado reconhece que não investigou, mas ele diz que não pode reconhecer o caso do desaparecimento forçado porque não teve uma investigação que cabia a ele mesmo fazer", destaca Noaldo Meireles, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de João Pessoa.

Meireles ainda acrescenta que "há um princípio legal que estabelece que uma pessoa não pode se beneficiar de sua própria má conduta ou alegar seus próprios atos ilícitos como defesa em um processo judicial."

Almir Muniz desapareceu em 29 de junho de 2002, após trafegar com seu trator em uma estrada que levava à Fazenda Tanques, no município de Itabaiana (PB). Ele era uma liderança na luta pela terra e fazia parte de um grupo de famílias que reivindicava a criação de um assentamento na região.

Arquivado em 2009, o caso sequer foi levado a julgamento e o corpo do trabalhador nunca foi encontrado. O trator utilizado por Almir foi encontrado quase uma semana depois, no estado de Pernambuco, em meio a um canavial e coberto de lama, dando claros indícios de tentativa de ocultação de provas.

Antes do desaparecimento forçado da liderança, foram denunciadas por diversas vezes as violências sofridas pelas famílias das comunidades e as ameaças ao próprio Almir. Segundo relatos, havia agressões físicas e psicológicas por parte dos capangas da fazenda, que eram comandados pelo policial civil, Sérgio de Souza Azevedo.

O caso de Almir Muniz chegou à Corte de mobilização da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global e Dignitatis. As peticionárias defendem que o Brasil tome medidas efetivas no combate à violência no campo em todo o território nacional e repare de forma material e imaterial as famílias das vítimas.

A sentença da Corte não tem uma data específica para ser anunciada, mas a expectativa é de que seja proferida em meados do início de 2025. 

 

Caso Manoel Luiz

Na última quinta-feira (8), o Estado brasileiro admitiu que violou direitos e garantias na condução do processo penal relativo ao homicídio do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, durante julgamento também realizado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, na Costa Rica. 

Durante as alegações finais, representado pela Advocacia Geral da União (AGU), o Estado brasileiro pediu desculpas aos familiares da vítima. "O Estado brasileiro reconheceu a violação às garantias judiciais e à proteção judicial da vítima e seus familiares, visto que, embora o caso tenha ocorrido em 1997, o julgamento final dos dois acusados pelo assassinato somente se deu em novembro de 2013, tempo incompatível com uma duração razoável do processo", afirmou.

O depoimento de Manoel Adelino, filho de Manoel Luiz, expôs o sofrimento vivido pela família desde a data do crime, ocorrido em 19 de maio de 1997, no município de São Miguel de Taipu (PB). 

"Esse gesto de reconhecimento da responsabilidade e pedido de desculpas é importante para o mundo inteiro saber o quão o Estado brasileiro foi negligente desde a investigação até a tramitação judicial do caso de Manoel Luiz. Foram 16 anos de sofrimento para a família, que sequer teve um desfecho no qual o mandante e o executor do assassinato fossem devidamente identificados e punidos", pondera Tânia Maria de Souza, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de João Pessoa, na Paraíba.

"Agora, vamos aguardar a decisão da Corte, mas desde já esperamos que o Estado brasileiro tome providências no combate à violência no campo e implemente melhorias em toda a política de Reforma Agrária no país", afirma Tânia.

Em nota, a Justiça Global, a Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 e a Dignitatis, representantes das vítimas no caso, lamentam que a formalização do reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro "tenha ocorrido apenas diante de uma Corte Internacional, e que não tenha sido acompanhada de uma delimitação precisa sobre os efeitos e limites do reconhecimento".

O texto ainda acrescenta que "as organizações questionam a decisão do Estado brasileiro de reconhecer as violações apenas na audiência na Corte Interamericana, quando poderia tê-lo feito antes, impedindo que se abrisse um espaço de diálogo real com as vítimas e suas representantes quanto aos limites desse reconhecimento, bem como sobre as medidas de não repetição". Leia a nota, na íntegra.

 

 

Foto: Ruggeron Reis/Justiça Global

 

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