Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Fomos uma turma desafiadora. Muitos professores e alunos não nos queriam na Universidade”, contou o ex-cortador de cana e ex-catador de caranguejo Gilmar Felipe Vicente, 35 anos, que hoje vive no Assentamento 1º de Março, em Pitimbu, no Litoral Sul da Paraíba. Filho de analfabetos, o assentado relembrou suas conquistas desde a barraca de lona do acampamento, onde foi alfabetizado aos 15 anos, até a conclusão da pós-graduação Residência em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais realizada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no Rio de Janeiro, em parceria com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

 

As histórias de vida de Gilmar Vicente e de vários outros agricultores assentados que tiveram suas trajetórias transformadas pelo Pronera foram o ponto alto da Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa da Paraíba, na tarde da segunda-feira (13), para discutir e celebrar os 18 anos do Pronera, política pública executada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A sessão, realizada no Plenário Deputado José Mariz, foi proposta pelo deputado estadual Frei Anastácio e contou com a participação de representantes do Incra e de movimentos sociais do campo, alunos, professores e servidores das instituições de ensino parceiras do Programa, como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB). Também estiveram presentes representantes de órgãos e entidades ligados à educação do campo e à agricultura.

No início da sessão, ex-alunos do Pronera na Paraíba fizeram uma mística, usando cartazes e palavras de ordem, como “Educação do campo é direito, e não esmola” e “Educação do campo, direito nosso, dever do Estado”. João Muniz da Cruz Filho, também aluno egresso dos cursos do Pronera, leu uma poesia sobre a importância do programa na vida do homem do campo.

Após os depoimentos dos alunos e a apresentação do assegurador do Pronera no Incra/PB, José Gentil Fernandes, houve a entrega de certificados de honra ao mérito “Edificador do Pronera na Paraíba” para professores e coordenadores dos cursos promovidos pelo Programa em parceria com instituições públicas de ensino.

Para o professor da UFPB Jonas Duarte da Costa, membro da Comissão Pedagógica Nacional do Pronera e um dos coordenadores do curso de Licenciatura em História para Educadores da Reforma Agrária, promovido através do Programa, o Pronera “é a experiência educacional mais exitosa do Brasil nos últimos anos, devido à sua construção verdadeiramente democrática”. Por isto, segundo ele, o Pronera tem servido de referência para projetos educacionais na América Latina e na Europa.

“O Pronera derrubou as cercas das universidades. Antes, era preciso que o camponês saísse do campo e abandonasse sua vida e seu papel de camponês para estudar”, afirmou o professor.

O deputado estadual Frei Anastácio destacou a importância do Pronera na vida da população do campo mostrada através dos depoimentos dos ex-alunos. “São cortadores de cana e catadores de caranguejo que hoje possuem nível superior e pós-graduação. Pessoas que antes não tinham espaço na universidade e hoje estão formadas e pós-graduadas. Ainda tem aqueles que aprenderam a ler e escrever”, disse o deputado.

“O Pronera é realmente uma revolução na educação no campo. Historicamente, a população do campo esteve sempre às margens das oportunidades de acesso à cultura e educação. Estes povos, ao longo dos séculos, foram alijados de toda e qualquer formação, foram excluídos do processo de educação formal e abandonados pelo Estado”, afirmou Frei Anastácio.

A tarde comemorativa foi encerrada com músicas com a temática camponesa e com um lanche.

 

Do corte de cana à pós-graduação

Gilmar Vicente foi aluno da primeira turma do curso Normal Médio (Magistério), promovido pelo Pronera em parceria com o Colégio Agrícola Vidal de Negreiros (CAVN), do Campus da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no município de Bananeiras (PB). “Uma das marcas da nossa turma é a militância de todos que se formaram. Era preciso lutar pela educação do campo e pela garantia dos nossos direitos”, afirmou, acrescentando que o mérito dos alunos não se deveu apenas ao esforço individual, mas ao fortalecimento do “sujeito coletivo”.

Após concluir o Magistério, Gilmar Vicente se graduou em Licenciatura em Ciências Agrárias, curso também promovido pelo Pronera em parceria com o CAVN da UFPB. Em seguida, fez pós-graduação (Residência) em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais, promovida pelo Programa em parceria com a EPSJV/Fiocruz.

“Precisamos garantir que o Pronera continue, porque ele é uma conquista nossa”, concluiu.

 

Aprendi que sou cidadão”

Jorge Souza, 58 anos, do Assentamento Redenção, em Pilões, na região do Agreste paraibano, alfabetizou-se e fez os anos iniciais do Ensino Fundamental no próprio assentamento através das aulas do curso de Educação para Jovens e Adultos (EJA).

“Antes de ser alfabetizado, achava que não era nada. Hoje sei que mereço ser respeitado. Aprendi a ser cidadão”, contou Souza. “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”, disse, repetindo a frase da agricultora e líder sindical paraibana Margarida Maria Alves.

 

Sou realizado”

Sete dos nove irmãos de João Muniz da Cruz Filho, 35 anos, deixaram o município de Itabaiana, no Agreste paraibano, para trabalhar na construção civil em Brasília, nas décadas de 1980 e 1990. Este também seria seu destino caso seu pai, poeta repentista analfabeto, que se apresentava em feiras e festivais, não tivesse morrido e deixado com ele a responsabilidade de ajudar a mãe a criar outros dois irmãos. Além dos versos, o pai lhe deixou como herança a luta por melhores condições de vida no campo. “Quando meu pai faleceu comecei a representá-lo nos encontros e, a partir de 2004, com a consciência política que adquiri com o curso de Magistério, passei a escrever poesias, principalmente sobre a luta pela terra”, contou.

João Muniz Filho chegou a trabalhar nas “frentes de emergência” em 1993. “Tapava buraco nas estradas e retirava lama dos açudes”, lembrou. “Fome não passei, mas passei 'crise de comida'. Pedia a minha mãe para comer no café da manhã, acompanhando o café preto, o punhado de farinha que tinha para comer com o feijão do almoço”, contou, emocionado.

O lote no Assentamento Almiz Muniz, em Itabaiana, foi a primeira das conquistas que mudaram a vida da família. Em 2008, João Muniz Filho recebeu o diploma do curso técnico em Magistério; em 2011 o do curso superior em Pedagogia do Campo – ambos promovidos pelo Pronera em parceria com a UFPB. Agora comemora a mais recente vitória, a obtenção, em 2015, do diploma de pós-graduação (Residência Agrária) em Processos Históricos e Inovações Tecnológicas no Semiárido – curso promovido pelo Pronera através de parceria com o Instituto Nacional do Semiárido (Insa) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Sou um nordestino realizado porque não precisei sair daqui como meus irmãos. Sou uma pessoa com nível superior e pós-graduação, e com ideologia de camponês”, declarou. “É quebra de paradigma camponês agricultor, ocupando o mesmo espaço do filhinho do doutor”, concluiu com sua poesia.

 

Metodologia específica

O Programa tem como abordagem teórico-metodológica a Pedagogia da Alternância – uma metodologia de ensino voltada à realidade do campo, visando o desenvolvimento dos assentamentos e do espaço rural e agrário com qualidade de vida e inclusão social.

A gestão do Pronera é participativa. Vários agentes e sujeitos sociais assumem responsabilidades na construção, acompanhamento e avaliação coletiva da política pública e dos projetos socioeducativos, como o Incra; os movimentos sociais e sindicais do campo; as instituições de ensino públicas e privadas sem fins lucrativos; Prefeituras e Secretarias Municipais de Educação, Saúde e Agricultura; Governos Estaduais e Secretarias Estaduais de Educação, Saúde e Agricultura; Ministério da Educação; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o CNPq.

Forma de ingresso

O ingresso nos cursos do Pronera acontece por meio de processo seletivo diferenciado destinado apenas a assentados da reforma agrária e do Programa Nacional de Crédito Fundiário e seus dependentes. Também podem participar agricultores acampados, quilombolas, famílias de comunidades extrativistas e professores e educadores com atuação em áreas da reforma agrária.

Para os cursos superiores, o público que pode participar da seleção é o mesmo, mas a seleção utiliza atualmente as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

O Pronera na Paraíba

O Pronera foi criado em 1998 para atender às reivindicações dos movimentos sociais, que alertavam para o alto índice de analfabetismo e os baixos níveis de escolarização entre os beneficiários da reforma agrária. O Programa tem a missão de ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais beneficiários da reforma agrária e do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), acampados e quilombolas, atuando como instrumento de democratização do conhecimento no campo.

Na Paraíba, o Programa teve início em 1999 e já formou 3.582 alunos em 24 cursos. Outros quatro cursos estão em execução, beneficiando 108 alunos, sendo dois cursos de Residência Jovem (60), uma turma de graduação em Licenciatura em História (35) e uma turma de graduação em Licenciatura em Pedagogia (13).

Foram oferecidos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA), nas modalidades de alfabetização e escolarização dos anos iniciais; cursos técnicos profissionalizantes nas áreas de Agropecuária, Zootecnia, Agroindústria e Enfermagem; cursos normais de nível médio (Magistério); cursos de graduação - Licenciatura em História, Ciências Agrárias e Pedagogia; e cursos de pós-graduação em residência agrária.

 

Assessoria 

Fonte: Paraiba.com, 14/06/16

 

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