Em um relatório perante o plenário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, reunido em Genebra, Schutter lembrou que já antes da alta de preços dos produtos básicos, 854 milhões de pessoas enfrentavam a fome no mundo e acrescentou que este número deve ter aumentado em 50 milhões por causa da crise.
Além disso, o recente encarecimento dos alimentos colocou 100 milhões de pessoas na pobreza extrema, segundo as conclusões de seu estudo.
"O pico de preços ficou para trás e, em geral, se observa uma diminuição significativa, de cerca de 20%, desde o início de julho em comparação aos tetos alcançados em maio", explicou Schutter.
No entanto, ele deixou claro que os preços não cairão para os níveis anteriores à crise e que, pelo contrário, "a perspectiva é que se mantenham comparativamente altos" porque os "fatores estruturais da crise se mantêm".
Esses fatores, segundo Schutter, são demandas em expansão por causa do crescimento demográfico, a mudança de hábitos alimentícios, a produção de biocombustível a partir de cultivos essenciais para a alimentação e o impacto da mudança climática.
Ainda mais, previu que caso não sejam aplicadas soluções duráveis para este tipo de crise se repetirá a "cada cinco ou dez anos".
Desta forma, Schutter ressaltou que a crise dos alimentos lançou à luz graves problemas para os quais não se dava a atenção devida e que vão muito além de um desequilíbrio entre oferta e procura, e que, a seu entender, não serão resolvidos com um simples aumento da produção agrícola.
"Produzir mais comida não aliviará a fome daqueles que não têm poder aquisitivo para comprar os alimentos que estão disponíveis", esclareceu.
Schutter explicou o papel exercido nesta situação pelo consumo excessivo e pelo desperdício dos países ricos e dos setores mais poderosos.
"Para produzir uma caloria de carne bovina são necessárias nove calorias de cereais, já para uma caloria de leite se requerem cinco de cereais. Isto é consumo excessivo? Duvido, tudo depende de quanto se consome e alguns países consomem muita carne per capita", declarou.
Schutter também citou um estudo que indica que entre "40% e 50% dos alimentos nos EUA não são consumidos ou são desperdiçados".
O relator frisou que a prioridade deve ser "manter a pressão sobre os governos" perante o perigo de eles "esquecerem as promessas que fizeram" em plena crise dos alimentos, agora que a sensação de gravidade passou.
"Não se deve permitir que os Estados permaneçam passivos enquanto seu povo passa fome", afirmou.
Nesse sentido, Schutter advertiu sobre o perigo de que os investimentos para aumentar a produção agrícola e evitar novas crises se dirijam para grandes explorações, ao invés de reforçarem os pequenos agricultores que, junto com suas famílias, somam 1,5 bilhão de pessoas no mundo.
Schutter reiterou que não se devem favorecer os grandes produtores agrícolas em detrimento dos pequenos.
Sobre o papel dos biocombustíveis na crise, Schutter reconheceu que são responsáveis em parte pelo aumento dos preços dos alimentos, mas considerou que paralisar sua produção --como reivindicava seu antecessor, Jean Ziegler-- não seria a resposta adequada.
"Cada tipo de produção de biocombustível deve ser objeto de um exame específico", disse após se mostrar mais favorável à utilização para este fim da cana-de-açúcar (como faz o Brasil) frente ao milho (Estados Unidos) e o óleo de palma (Indonésia e Malásia).
Fonte: Folha Online