Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Fazendeiros e investidores estrangeiros têm comprado 12 km² de terras por dia no Brasil, o equivalente a seis vezes a área de Mônaco ou sete parques Ibirapuera. de 2007 a maio deste ano. Nesse período, estrangeiros adquiriram pelo menos 1.523 imóveis rurais no país, em uma área que soma 2.269,2 km². A cada hora, fazendeiros e investidores estrangeiros têm comprado ao menos 0,5 km2 de terras brasileiras. Isso significa que, ao final de um dia, 12 km2 estarão legalmente em mãos de pessoas físicas ou jurídicas de outras nacionalidades.
Isso equivale a uma área semelhante a seis vezes o território de Mônaco (com área de 1,95 km2) ou a 7,5 vezes a extensão do parque Ibirapuera (área de 1.584 km2).
O ritmo da chamada "estrangeirização" de terras foi medido pela Folha a partir de dados do SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural) num intervalo de seis meses, entre novembro de 2007 e maio de 2008. Nesse período, estrangeiros adquiriram pelo menos 1.523 imóveis rurais no país, numa área somada de 2.269,2 km2. No mesmo intervalo, eles se desfizeram de ao menos 151 imóveis rurais, que totalizam 216 km2.
Entre compras e vendas, o saldo é de 1.372 imóveis a mais na mão de estrangeiros -2.053,2 km2.
De acordo com o documento do SNCR obtido pela reportagem, o total de áreas em nome de estrangeiros no país passou, no intervalo, de 38,3 mil km2 para 40,3 mil km2, um ritmo puxado pela soja, mas também motivado pela pecuária, pelos incentivos oficiais à produção de etanol e biodiesel e pelo avanço do preço da terra.
O levantamento leva em conta apenas aqueles que, ao registrar a terra, declararam-se estrangeiros. Ou seja, não inclui as empresas nacionais de capital estrangeiro e muito menos aqueles que se utilizam de "laranjas" brasileiros para passar despercebidos pelos cartórios.
Não é possível confrontar o atual ritmo com períodos anteriores. Isso porque as áreas adquiridas até então aparecem somadas no cadastro, sem a data das negociações.
Como comparação, o atual avanço de estrangeiros no país supera o ritmo do governo federal na desapropriação de áreas para a reforma agrária.
Nesses seis meses, enquanto fazendeiros, empresas ou grupos estrangeiros compraram ao menos 2.269 km2 no país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário) assinaram decretos de desapropriação de terras que somam 1.760 km2, uma diferença de 22%.
Com a comparação desfavorável, os sem-terra reclamam. "Daqui a pouco, vamos voltar ao estado de colônia", afirma Marina dos Santos, da direção do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Procurados por meio de suas assessorias, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra não quiseram comentar os dados. O SNCR é vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Legislação
A investida ocorre no momento em que o governo busca mecanismos legais para frear a entrada de estrangeiros em terras do país. Hoje a aquisição de terras é permitida a pessoas físicas de outra nacionalidade residentes no país e a pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a atuar no Brasil.
Um parecer da AGU (Advocacia Geral da União) permite ainda que empresas brasileiras controladas por capital estrangeiro comprem imóveis rurais.
Entre novembro de 2007 e maio de 2008, Mato Grosso liderou em volume de novas áreas sob o controle de estrangeiros -de 7.547,1 km2 para 8.074,5 km2. Atrás de MT aparecem MS, SP, BA e MG.
Em relação ao número de imóveis comprados por estrangeiros nesse intervalo, São Paulo lidera, com ao menos 888 novas áreas, seguido de RJ (162), BA (131) e MG (72).
Entre as regiões, o Centro-Oeste registrou o maior avanço, seguido de Sudeste, Nordeste e Sul. Já no Norte houve um efeito contrário: o total de áreas em nome de estrangeiros diminuiu em 127 km2.
Para Cesário Ramalho da Silva, presidente da SRB (Sociedade Rural Brasileira), o foco dos "produtores" estrangeiros é a soja. Já os "investidores" buscam especialmente usinas do setor sucroalcooleiro.
Diretor-técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Antonio de Pádua Rodrigues afirma que os estrangeiros compram apenas a área da usina. Já o terreno para o plantio da cana é arrendado de um proprietário brasileiro. "Geralmente o investimento [dos estrangeiros] não é em terra valorizada, não é em terra produtiva. Ninguém [de outro país] vai comprar terra para continuar fornecendo cana para usina", afirma Rodrigues.

Folha de S. Paulo, 07/07/08

 

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