Após mais de cinco meses de tramitação no Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no dia 20 de junho a lei que dispensa a assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) para contratos de até dois meses de trabalhadores rurais.
Por Christiane Peres*
Defendida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e apoiada pela principal entidade patronal do meio rural - a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) -, a nova lei não conta com a aprovação de diversas outras entidades que representam os trabalhadores rurais.
Editada pelo governo federal entre as festividades de final de ano e publicada em edição extra do Diário Oficial no dia 29 de dezembro, a Medida Provisória (MP) 410/2007 chegou na surdina e acabou incorporando também as novas regras para a aposentadoria rural. O processo de tramitação foi a toque de caixa para evitar que a matéria perdesse a validade. A MP 410/2007 passou pela Câmara Federal, foi para o Senado e voltou para ser finalmente aprovada no Plenário da Câmara no mesmo dia em que foi votada a Contribuição Social para a Saúde (CSS). "Esse debate complexo não deveria ser objeto de medida provisória. Fomos obrigados a esgotar as discussões por causa do curto prazo de tramitação", admite o senador Flávio Arns (PT-PR), que relatou a proposta.
Desde que foi editada, a MP 410 já foi utilizada por empregadores que quiseram burlar a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no Pará e no Tocantins. Diversas entidades como a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) se manifestaram contrárias à medida.
Mesmo diante dos fatos e dos pronunciamentos públicos, o senador Flávio Arns refuta o argumento de que a MP transformada em lei possa abrir ainda mais precedentes para a precarização das relações de trabalho. "Nos debates realizados no Senado, ficou demonstrado que a MP 410 não incentiva o trabalho escravo, pois há registros de casos em que os escravizados tinham carteira assinada. Mas também vale ressaltar que ela não foi feita para combater esse tipo de crime", declara o congressista. Para ele, a nova lei tem outros dois objetivos: criar uma alternativa para contratos de até dois meses e atender adequadamente o segurado especial da Previdência rural.
Entre as melhorias efetuadas no Senado, Flávio Arns destaca a definição mais clara dos direitos do trabalhador rural, que poderá executar outras funções por um período de até 120 dias durante a entressafra, sem prejuízo para a aposentadoria. Até 2010, a simples comprovação de trabalho no campo será suficiente para efeito da Previdência rural. De 2010 a 2015, será exigido que o beneficiário contribua com um terço do que receberá quando se aposentar. De 2015 a 2020, o sistema público cobrará pelo menos a metade desse montante.
A utilização do crédito agrícola para a construção de habitações também acabou entrando no texto final aprovado no Senado, que foi ratificado posteriormente na Câmara. O dispositivo, segundo o relator Flávio Arns, acaba beneficiando apenas os produtores mais estruturados. "Nossa intenção era deixar o crédito apenas para a produção e pleitear um plano especial para a habitação rural, que inclusive pudesse incluir os pequenos, mais fragilizados".
Publicada no Diário Oficial da União como lei em 23 de junho, a contratação sem carteira assinada poderá ser feita apenas por pessoas físicas. Uma alteração na MP ainda na primeira fase de tramitação na Câmara também adicionou a obrigatoriedade de acordo ou convenção coletiva para a validação do contrato. Notória representante da bancada ruralista, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) criticou a adição da regra sob a alegação de que não há necessidade de fazer convenção coletiva para profissões como "vaqueiro, cerqueiro, tratorista e operador de colheitadeira". "Foi um artifício usado pelo Ministério do Trabalho, contrapondo-se à origem da MP da Casa Civil. E conseguiu incluir esse texto terrível, que coloca a MP sem efeito, sem eficácia", disse a senadora, numa das reuniões em que a matéria foi colocada em pauta.
Essa mudança na MP original é vista como o único consenso entre as entidades que representam os trabalhadores. Apesar de divergirem sobre a eficácia do contrato temporário, todos concordam que a existência de acordos coletivos são garantias de respeito aos direitos dos trabalhadores. A secretária de Políticas Sociais da Contag, Alessandra Lunas, considera o requisito "uma forma de fazer um exercício de organização com esses trabalhadores".
Pela lei sancionada, o contrato temporário deve incluir o nome e a inscrição do trabalhador na Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), além dos dados básicos do serviço. Dessa forma, o empregador terá a dispensa da assinatura no livro ou ficha de registro de empregados e na carteira de trabalho. Na prática, todos esses procedimentos ainda necessitam de regulamentação e padronização da Previdência, o que deve acontecer em até 40 dias.
A secretária de Políticas Sociais da Contag explica que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deve expedir uma regulamentação normativa que vai dizer como cada procedimento deve ser formalizado. "Isso significa que os trabalhadores não podem utilizar dessa lei ainda porque os passos serão regulamentados e padronizados. E mais que isso: os contratos só valerão se houver acordo coletivo ou convenção", diz.
Na visão das federações da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT- SP) e dos movimentos sociais da Via Campesina, a lei é um retrocesso. "Ela abre precedente para precarização quando permite contratação por curta duração sem registro em carteira e sem responsabilidade por parte do contratante em garantir que o trabalhador esteja amparado nos regimes da CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas]. Isso vai facilitar a presença de trabalho escravo nesses locais", alerta a dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Rosângela Cordeiro.
Para Francisco Lucena, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf/Brasil), a lei é "inoportuna e desnecessária", pois foi sancionada no momento em que o emprego formal está em crescimento tanto na cidade, como no campo. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados no dia 19, apontaram a geração de mais de um milhão de empregos formais nos cinco primeiros meses do ano. O setor agrícola respondeu pelo acréscimo de 41.107 vagas no último mês.
"Se o emprego formal está crescendo, por que editar uma MP e aprovar uma lei que tem restrições quanto a direitos conquistados historicamente - que é o caso da assinatura em carteira - abrindo espaço para precarização e atuação dos maus empregadores do campo, que, inclusive, utilizam trabalho escravo e informal para acumular mais riqueza e negar os direitos constitucionais e trabalhistas que vigoram no momento? Além de inoportuna e desnecessária, essa lei traz prejuízos consideráveis aos trabalhadores assalariados e empregados rurais", contesta Francisco Lucena.
A Contag vê a aprovação uma vitória para os trabalhadores, principalmente por ser um "mecanismo alternativo" de formalização que poderá ser contabilizado para a aposentadoria rural. "Ainda estamos comemorando essa vitória. Para os trabalhadores em regime de curta duração, a principal mudança é que eles voltam para o Regime Geral da Previdência Social - que eles estavam fora desde 2006", comemora Alessandra.
A lei prevê ainda que a contratação de trabalhador rural que vier a superar dois meses com um mesmo empregador será convertida automaticamente em acordo de prazo indeterminado, como prevê a legislação atual da carteira assinada. Também está contemplada a equivalência entre os salários dos trabalhadores temporários e os dos permanentes, além dos direitos trabalhistas, inclusive o recolhimento das contratações previdenciárias.Fonte: Repórter Brasil - www.reporterbrasil.org.br