Uma Igreja profundamente conectada com o sonho de justiça dos/as empobrecidos/as da Terra. Desse jeito propôs ser a Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 quando nasceu, em 1988. Hoje, 30 anos depois, fazer a memória da luta pela terra nos últimos 30 anos e reafirmar suas motivações são tarefas primordiais para seguir adiante, enfrentando o desafio de construir novas estratégias para uma sociedade de justiça. Esse foi o tema da mesa de abertura do Encontro-Celebração dos 30 anos da Pastoral, que ocorreu na manhã desse sábado, dia 11/08, no Seminário Arquidiocesano da Paraíba (SAPIC), em João Pessoa/PB.
Padre Hermínio Canova, um dos fundadores da CPT Nordeste 2, relembrou que antes de 1988 atuava-se enquanto Pastoral Rural no Nordeste, que acompanhava fortemente, à época, a luta pela terra de posseiros ameaçados de expulsão, famílias despejadas por barragens e a formação de sindicatos combativos, por exemplo. Em 1988, em meio a uma crise interna da Igreja, “a Assembleia da Pastoral Rural tomou a decisão de se constituir como mais um regional da Comissão Pastoral da Terra Nacional”, destacou. Hermínio destaca o contexto da época: “nos deparamos com o fim da Ditadura Militar. No campo, o cenário era de muitos conflitos e violência contra os camponeses e camponesas, com a presença da União Democrática Ruralista (UDR) que provocou muitos assassinatos de trabalhadores.”
Com a transição da Pastoral Rural para a Comissão Pastoral da Terra, algumas coisas permaneceram as mesmas, mas outras mudaram. “Como CPT, acrescentamos novas prioridades, novas metodologias e novos esforços teóricos e práticos. O arcabouço subjacente à CPT foi a teologia da libertação, essa foi a nossa grande motivação”, que, conforme o Padre, é a articulação de dois olhares: o olhar da fé, da tradição bíblica e de Jesus, e o olhar da realidade, da injustiça e das desigualdades. “Sentíamos que éramos uma Igreja da libertação”, complementou. A dimensão da terra enquanto território e o protagonismo das comunidades também foram outras características incorporadas à CPT em sua busca por novas táticas e estratégias para contribuir com a construção, teórica e prática, de uma nova sociedade.
“Fazer esse resgate da história é, de fato, um alento e um fermento para buscarmos forças para lutar contra este momento atual, terrível e nefasto da história brasileira”, ressaltou o professor de geografia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que contribuiu com o debate, Marco Mitidiero. Seguindo as reflexões sobre o surgimento da CPT e sua dimensão teológica, Marco Mitidiero ressaltou que a teologia da libertação foi a base para a organização religiosa e política de diversos movimentos e organizações sociais que surgiram a partir da década de 1960 no Brasil.
“Com a teologia da libertação cai por terra a verdade de que a pobreza é uma virtude aos olhos de Deus. Na interpretação da teologia da libertação, a pobreza passa a ser vista como resultado da injustiça social. E para mudar a pobreza, então, não basta rezar, e sim fazer a luta concreta para superá-la. Saímos da ideia da salvação individual para o sentido da luta coletiva”, destacou o professor Mitidiero. A CPT no Nordeste nasceu “para dar carne ao verbo da teologia da libertação”, afirmou Mitidiero.
A advogada Iranice Muniz, integrante da assessoria jurídica da CPT na Paraíba por vários anos, também participou da mesa de abertura e relembrou histórias de conflitos, lutas e resistências, essas últimas protagonizadas por diversas comunidades camponesas do estado da Paraíba. Em sua fala, a advogada relatou processos jurídicos, além de casos e situações envolvendo o poder judiciário que, ao longo dos 30 anos, se posicionou de modo parcial, ao lado das elites latifundiárias do Nordeste.
Ainda sobre a fundação da CPT e a defesa de uma Igreja comprometida com a superação das injustiças sociais, essencialmente as vivenciadas pelos povos camponeses, Alder Júlio, sociólogo e educador popular que atua há vários anos contribuindo com a formação da Pastoral, ressaltou que “a CPT tem nome de profecia, uma profecia longamente exercida”. Ainda para Alder Júlio, momentos difíceis como o que o país vive atualmente “nos convoca e nos provoca profundamente a mantermos o compromisso profético, pela memória rebelde, que devemos continuar vivenciando, e pela esperança que temos que manter viva a partir de nossas práticas”. Segundo o educador, “hoje, mais do que nunca, nossa profecia deve ser exercida não somente para fora, para os desafios da sociedade, mas também internamente, sem a qual não vamos muito longe. A profecia requer de mim que eu esteja atento ao que acontece de bom, para agradecer, e de ruim, para tomar consciência e transformar”, afirmou.
“A teologia da libertação fez a Igreja se aproximar do povo. Conhecer o dia a dia, as dificuldades e a realidade concreta do povo é um elemento forte de conversão da gente, mas não para fazer coisas para o povo, e sim para tentar construir caminhos de superação das injustiças e desigualdades sociais com o povo”, destacou o ex-agente pastoral da CPT na Paraíba, Genaro Ieno. “É importante relembrar disso porque hoje estamos vivendo um momento muito crítico no país e sentimos dificuldades de ver para onde caminhar. Essa aproximação com a vida concreta do povo brasileiro, com a situação em que vivem, talvez seja novamente o fator de conversão, na perspectiva de encontrarmos novas alternativas para superar a realidade que estamos vivendo”, destacou.
O debate sobre o nascimento da CPT e a história da luta pela terra nos últimos 30 seguiu pela parte da tarde, desta vez, na voz dos camponeses e camponesas. Acompanhe os depoimentos, além de outros conteúdos, pelo site www.cptne2.org.br. O Encontro-Celebração que comemora os 30 anos da CPT NE 2 continua até a segunda-feira, dia 13 de agosto, em João Pessoa, na Paraíba.
Equipe de Comunicação da CPT NE 2