O dia de hoje foi um dia sublime, porque nós vivemos aqui uma experiência mística. Não foi recordar a história, foi fazer uma experiência mística de contemplar a presença de Deus nessas histórias. Essas memórias são preciosíssimas porque falam do passo que demos na nossa fé. Contamos, por exemplo, que nas situações que tivemos que enfrentar, nem a morte nos desmobilizou.
Quantos companheiros e companheiras morreram, mas nem por isso o medo nos avassalou. As angústias e agruras do presente não apagaram a nossa esperança de futuro e não fizeram secar a nossa alegria, a nossa fraternidade, a perseverança, o zelo de uns pelos outros, o gesto de amor que nos chegam na hora certa, os verdadeiros milagres.
Não anularam a nossa coragem.
Gostávamos de Deus, como tantos povos gostam de Deus, mas quem sabe ainda não o conhecíamos bem, porque só o conhecemos quando nos tornamos semelhante a Ele. O conhecimento é por identificação. Não basta gostar de Deus, é preciso se tornar semelhante a Ele. Nosso Deus já não é só o Deus da reza, que nos aguarda no céu depois da morte, já não é o Deus que nos mantém no sofrimento para que a gente imite Jesus em seu destino. Lembro que Dom Helder falava da sua tristeza quando o povo dizia: ‘é muito sofrimento, Dom Helder, mas Jesus sofreu muito mais e temos que cumprir esse destino’. Isso nada tem a ver com a fé Cristã.
O nosso Deus é o Deus de Jesus, porque quando nos tornamos mais semelhantes a Ele, começamos a descobrir que Deus nos aparece em Jesus, um preso político, condenado a morte por rebeldia ao Império e ao Templo, ao Estado e à religião.
Vamos descobrir que Deus está entre nós, está conosco e está em nós. Sua revelação brilha quando percebemos que somos pessoas livres, e ai confiamos na vida em comunidade, em grupo, em movimento organizado, porque Deus só se releva na experiência do “Nós”.
Deus se revela quando temos a posse de nós mesmos e de nós mesmas, e isto só acontece quando não nos prendemos a nós e passamos a ser para além de nós, no amor, na coragem pelos outros e pelas outras, no horizonte que se abre sempre mais ao futuro.
Por isso, esse Deus foi o que nós contemplamos nessas histórias de vida, que são profundamente bíblicas. Lembrem-se do Êxodo, de Juízes, da resistência profética de Amós, Oséias, Isaias, gente que falou em nome dos camponeses da terra, de Rute, das mulheres da Bíblia, dos Salmos. Estamos continuando as histórias da Bíblia e percebendo como esse Deus que nós estamos redescobrindo é muito antigo.
Minhas irmãs e meus irmãos, esse foi um dia sublime, um dia de profunda contemplação do mistério de Deus, porque o que temos vivido na CPT tem sido perceber como Deus vai intervindo através de nós no mundo.
Quantas derrotas também temos experimentado, mas a esperança não cessa. Não podemos esquecer nunca que Jesus morreu sozinho e aqui estamos tantos e tantas. Não podemos perder a esperança. Somos mais na medida em que cremos mais nesse Deus que nos reúne para que sejamos uma corrente inquebrável de amor, de coragem e de luta.
Amém!
* Sebastião Armando Gameleira Soares, Bispo Emérito da Igreja Anglicana. Em 1988, participou da Assembleia Constitutiva da CPT Nordeste 2 como assessor.