Aproximadamente 150 famílias que moram às margens da linha férrea no distrito de Freixeiras, município de Escada/PE, realizaram uma manifestação hoje pela manhã contra as obras da Transnordestina. As famílias bloquearam por cerca de três horas a BR 101, na altura do trevo que dá acesso aos municípios de Primavera e Amaraji.
Fotos: Plácido Júnior\ CPT
Portando cartazes e faixas com dizeres “Transnordestina vai deixar 100 famílias Sem Teto” e “Queremos nossas casas e queremos justiça”, as famílias denunciaram que serão expulsas do local onde vivem para dar lugar à obra da Transnordestina e que em nenhum momento foram ouvidas e não tiveram garantia de nenhum direito. “Não temos para onde ir”, afirma uma das moradoras da Linha, como é conhecido o local. De acordo com a moradora que preferiu não se identificar, “até agora a única garantia que tivemos é a da demolição, a da destruição de nossas casas. Não vamos sair daqui sem ter um lugar para morar. Se não garantirem nossos direitos vamos enfrentar o que for preciso e eles não destruirão nenhuma casa", afirma.
A empresa Transnordestina Logística S/A, responsável pela obra, moveu uma ação de reintegração de posse contra as famílias que vivem no local. O juíz federal da 6ª vara, Dr. Helio Silvio Ourem Campos, concedeu liminar à Empresa no início deste mês, determinando a reintegração de posse e autorizando a demolição das casas, dando um prazo de até o fim de setembro para que as famílias saissem da área.
"Aqui tem pessoas que moram há 40 anos, 25 anos 10 anos e vão sair sem direito a nada. Que desenvolvimento é esse que eles falam?" questionou uma das moradoras do local sobre o discurso da Empresa e do Governo que diz que a Transnordestina é para desenvolver o Estado, ignorando as famílias que vivem no local onde a obra passará por cima. Para Marluce Melo, da Comissão Pastoral da Terra, “não é só o direito à moradia que está sendo tirado destas famílias. Está em jogo também a vida que estas famílias construiram em comunidade e que agora vai deixar de existir”.
O protesto se encerrou por volta das 11h e teve como principal objetivo chamar a atenção do poder público e da sociedade sobre o que está acontecendo com aquelas famílias. De acordo com os moradores, outras mobilizações deverão ser realizadas até que medidas sejam tomadas no sentido de garantir os direitos de todas as famílias que vivem às margens da linhã ferrea em Freixeiras.
Transnordestina – A Transnordestina, ferrovia de 1.728 quilômetros, vai ligar os portos de Suape (PE) e Pecém (CE) ao município de Eliseu Martins (PI). O megaprojeto, que cortará todo o Estado de Pernambuco de leste à oeste, está orçado em aproximadamente R$ 5,4 bilhões, sendo o Ministério da Integração Nacional responsável pelo financiamento de cerca de 70% da obra. A Ferrovia servirá para potencializar o avanço dos transportes de minérios, produtos do agronegócio e outras matérias-primas para exportação. Por onde passa, a Transnordestina tem comprovado que é uma obra de grandes proporções: tem deixado os rastros de destruição ambiental, famílias despejadas e comunidades inteiras destruídas em nome do “progresso”. As 150 famílias que vivem na linha Ferrea de Freixeiras somam-se a outras centenas de comunidades que já foram ou que serão atingidas pela obra e que são ignoradas pelo Governo e pelo Ministério da Integração Nacional.
Foto: Plácido Junior\CPT
Uma história de Expulsão em nome do "desenvolvimento"
As cerca de 70 famílias que habitam atualmente nas margens da linha férrea no bairro de Frexeiras possuem uma história de expulsões de suas terras e casas em nome do chamado “desenvolvimento". Como contam os moradores e as moradoras do local, "a gente morava nos engenhos da Região: Frexeira Velho, Contendas, Recreio, Refresco, Barão, Limeira, Pilões, Maravilha e Bosque. Na época, fomos expulsos dos sítios em que morávamos para as Usinas plantarem mais cana", explica a moradora que preferiu não se identificar.
O período a que se refere a moradora é o do Pro-Álcool, em 1975: Programa do Governo Federal, que fez com que as Usinas produzissem além de açúcar, o álcool combustível, motivado pela crise do petróleo na época. "Destruíram nossas casas, derrubaram nossos sítios. Fomos expulsos sem direito a nada. Na época eles falavam que tinham que produzir álcool para os carros e que isso era o desenvolvimento", ressalta outra moradora. Segundo a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de PE, a Fetape, neste período do Pro-Álcool em Pernambuco, mais de 40 mil sítios foram destruídos para garantir o avanço da cana de açúcar no Estado.
Expulsas sem nenhum direito garantido, as famílias foram para as chamadas "pontas de rua", para as periferias das cidades. "Algumas foram para as casas de parentes, outras foram pagar aluguel, outras ocuparam aqui, à beira da linha do trem", fala um dos moradores. Ele lembra da época em que o trem funcionava: “Para quem queria ir para as cidades de Cabo de Santo Agostinho ou Recife era só pegar o trem”. Mas, há cerca de 20 anos o trem não funciona mais para trafegar pessoas. “Só passa dois trens aqui, um para carregar açúcar e álcool e outro para fazer a manutenção dos trilhos", explica o trabalhador. Com o projeto da Transnordestina em curso, as linha férreas estão sendo reativadas. De fato, o projeto da Ferrovia não prevê o transporte de passageiros/as, apenas de produtos para os Portos. “Eles vão expulsar a gente daqui para o trem funcionar para carregar açúcar, álcool, minérios, soja. Que desenvolvimento é esse que não inclui a gente? Ao contrário, exclui e expulsa as famílias que vivem aqui sem direito a nada." ressalta.
De acordo com as famílias impactadas pela Transnordestina, a empresa Transnordestina Logística havia pedido para entrar em suas casas para medir e cadastrar as famílias com a promessa de indenizá-las caso tivessem que sair do local. No entanto, não foi isso o que aconteceu. "Ela (a empresa) veio aqui, mediu tudo e pegou nossos dados, sabe o que aconteceu? Entrou com um processo contra a gente para expulsar a gente daqui sem direito a nada!" comenta a moradora.
No início do mês de setembro, as famílias participaram de uma audiência na Comarca de Escada. Na ocasião, o Juiz informou que as famílias teriam 30 dias para saírem de suas casas. "Se eles fizerem isso, onde vamos morar? Eles não veem que aqui moram crianças, mulheres, homens, idosos, deficientes? Aqui moram seres humanos!", desabafou uma das moradoras.
Outras informações:
Comissão Pastoral da Terra
Plácido Júnior: (81) 9774.5520
Renata Albuquerque: (81) 9663.2716