Comissão Pastoral da Terra Nordeste II


O teólogo eescritor Frei Betto adverte como latifundiários estão fazendo desaparecer os líderes dos trabalhadores rurais do Brasil: “A impunidade é total.”
Frei Betto se refere com preocupação ao recrudescimento da violência contra trabalhadores rurais e defensores da Amazônia: seis ambientalistas que denunciaram a ação de madeireiros foram assassinados nas últimas três semanas em zonas onde a impunidade protege os que desmatam.
Mais de mil ativistas ambientais estão diretamente ameaçados de morte. O estado do Pará é o que registra maior quantidade de assassinatos. As autoridades não iniciaram investigações e sabe-se que não o farão.

Ouça aqui a entrevista concedida por Frei Betto ao jornalista Pablo Gámez
{mp3}es_frei_betto_20110616_44_1kHz{/mp3}

“O poder dos latifundiários e sua influência é muito forte”, diz Frei Betto em entrevista à Radio Nederland. “A presidente tem que encontrar uma forma de frear isso.”

Ambientalistas e agricultores estão em conflito frontal no país após a aprovação em maio das reformas impulsionadas pelo setor agropecuário, que flexibilizam o Código Florestal, que obriga os proprietários rurais a proteger uma porcentagem de floresta em suas terras que chega a 80% na Amazônia.

Os ambientalistas e o governo de Dilma tentam reverter no Senado – que deve votar a iniciativa dentro de alguns meses – os pontos da reforma que podem incentivar o desmatamento.

A presidente Dilma Roussef disse, após da aprovação do projeto de lei pela Câmara dos Deputados, que “o desmatamento não pode ser anistiado” e ameaçou vetá-lo. “Eu tenho a prerrogativa do veto. Se eu julgar que qualquer coisa prejudique o país, eu vetarei”, afirmou.

Podemos ver estas mortes de líderes rurais como assassinatos encomendados?
Sim. São assassinatos programados. Dizemos que são assassinatos de ‘matar para desmatar’. No sentido de latifundiários, empresas de agronegócios, exploradores de madeira que estão abusando e penetrando indistintamente na Amazônia, e eles provocam estes assassinatos quando encontram alguma resistência de parte de pequenos agricultores, posseiros, famílias que já habitavam a Amazônia há muitos anos e estão sendo prejudicadas por este processo violento de degradação ambiental, mas também de ameaça ao ser humano.

A Comissão Pastoral da Terra diz que há mais de mil pessoas marcadas para morrer, sobretudo na região amazônica, e lamentavelmente o governo não tem tomado as providências devidas, principalmente o governo do estado do Pará, onde ocorre o maior índice de violência rural e de assassinatos.

E não há avanço nas investigações no Pará, apesar de ser o estado onde o maior número de assassinatos estão sendo cometidos?
Por exemplo, nós temos hoje a identificação de 98 mandantes de crimes cometidos para impedir que haja justiça fundiária, impedir que haja pequenas propriedades e facilitar a derrubada de madeira, facilitar a exploração de minérios, facilitar a criação de pastos para o gado, a derrubada de árvores, de floresta para que se abra espaço para o pasto, e quando eles encontram os pequenos agricultores, eles praticam assassinatos ou ameaças de morte.

Hoje estão identificados 98 mandantes - que são aqueles que promovem o assassinato, e tem os pistoleiros, que são os que executam. Em geral, os pistoleiros são obrigados, para receber o dinheiro pelo serviço, a trazer uma orelha da vítima. E de 98 mandantes identificados, apenas um se encontra preso – justamente o mandante do assassinato, há dois anos, da religiosa norte-americana Dorothy Stang, que havia muitos anos trabalhava na área rural do Brasil, em defesa dos pequenos proprietários rurais e dos sem terra.

O sr. disse claramente que os assassinatos não são investigados e que há uma lista de mais de mil pessoas ameaçadas. O governo de Dilma Roussef pode enfrentar o poder dos latifundiários e madeireiros para acabar com estes assassinatos?
O grande teste para o governo Dilma se coloca com a aprovação ou não da atual proposta do novo Código Florestal. O novo projeto do Código Florestal já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas falta ser aprovado pelo Senado e em seguida ele tem que passar pela aprovação da presidente Dilma.

Não sabemos como será o comportamento do Senado, mas tudo indica que a presidente Dilma não vai aprovar tal como a Câmara dos Deputados encaminhou para o Senado. Ela possivelmente vai vetar alguns artigos que favorecem o desmatamento e ao mesmo tempo anistiam empresas de agronegócios e latifundiários que cometeram crimes ambientais até 2008.

São cerca de oito bilhões de reais, mais ou menos, o volume de multas que seriam anistiadas. Esta é a proposta da Câmara dos Deputados. Mas a presidente Dilma tende a não aprovar esta anistia e tende também a reforçar a punição ao desmatamento da Amazônia. Principalmente porque o Brasil será sede no próximo ano de uma importante conferência mundial ambiental e a presidente não quer ficar mal na foto. O prestígio do Brasil é muito importante nesta circunstância.

Mas mais importante que o Código Florestal é que o Congresso Nacional e que o Brasil finalmente aprove a reforma agrária, que há tantas décadas é postergada.
É, este é o ponto principal. Brasil e Argentina são os dois únicos países das três Américas que nunca fizeram reforma agrária. A diferença é que o Brasil tem 800 milhões de hectares produtivos – 600 milhões são potencialmente produtivos, e 200 milhões é a área da Amazônia, onde há um grande potencial econômico extrativo, tanto dos rios, quanto do subsolo – minério -, quanto da floresta, através de um planejamento sustentável de preservação e de crescimento da própria floresta.

No caso do Brasil, o fato de 50% das nossas terras estarem em mãos de apenas de 1% dos proprietários rurais, já revela bem o tamanho do latifúndio que existe em nosso país. Existem fazendas no nosso país que têm territórios maiores do que Bélgica, do que Luxemburgo, e muitas terras inexploradas são terras de negócios, porque é mais rentável investir na compra de terras do que colocar o dinheiro no banco ou no mercado financeiro.

A reforma agrária é a reforma número um que o Brasil necessita. Enquanto isso não acontecer, o índice de violência continuará muito alto, a migração para as cidades, o aumento das favelas. E por mais que o governo adote políticas sociais, que são importantes e têm sido melhoradas desde o governo Lula, mas não vai erradicar a miséria enquanto não houver a reforma agrária. Esta é a minha opinião.

Que papel estão jogando os grandes meios de comunicação no Brasil? Estão dando espaço para debater sobre a necessidade desta reforma agrária e sobre os aspectos críticos do Código Florestal?
Quanto ao Código, sim, os meios de comunicação têm dado espaço, têm colocado opiniões críticas. Mas quanto à reforma agrária, não. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que congrega cinco milhões de famílias expulsas do campo, é satanizado pelos nossos grandes meios e comunicação do país, quando é um dos movimentos mais expressivos que existe no Brasil, o que mais defende a justiça fundiária, a reforma agrária, e infelizmente ele não tem espaço nos grandes meios.

O próprio governo de Lula ignorou o tema da reforma agrária, e o governo Dilma até agora não se manifestou a respeito. É lamentável, porque a pressão dos latifundiários e empresas do agronegócio no Congresso Nacional é muito alta. A bancada ruralista não admite nenhuma discussão sobre a reforma agrária no Brasil.

fonte : http://www.rnw.nl/portugues/article/frei-betto-“a-impunidade-é-total”

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Rua Esperanto, 490, Ilha do Leite, CEP: 50070-390 – RECIFE – PE

Fone: (81) 3231-4445 E-mail: cpt@cptne2.org.br