Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Constatação da existência de trabalho degradante na área de produção de cana-de-açúcar da Companhia Industrial do Nordeste Brasileiro – Massa Falida, antiga Usina Catende. Esse foi o motivo que levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar, na quarta-feira (18/03), ação civil pública contra a empresa que promove a degradação das condições de trabalho, o que vai de encontro a um dos princípios fundamentais da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana. O MPT pediu a condenação da Massa Falida ao pagamento de R$ 10 milhões, a título de reparação pelos danos causados aos direitos difusos e coletivos dos empregados.
Portal do MPT - PE
19/03/2009   13:33

 A Massa Falida, localizada na zona rural do Município de Catende, em Pernambuco, gerida por uma cooperativa de trabalhadores, foi uma das dez usinas do Estado inspecionadas pela força-tarefa do MPT, no início deste mês. A fiscalização faz parte do Programa Nacional de combate às Irregularidades Trabalhistas no Setor Sucroalcooleiro que, este ano, teve como foco as usinas dos estados de Pernambuco e do Rio Grande do Norte. A operação buscou dar cumprimento e efetividade às normas de segurança, medicina e higiene do trabalho, estabelecidas pela Norma Regulamentadora NR-31, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

De acordo com o procurador do Trabalho Alessandro Santos de Miranda, coordenador da operação em Pernambuco, vários foram os motivos que levaram ao ajuizamento dessa ação civil pública: o MPT flagrou diversas irregularidades e, além disso, muitos trabalhadores denunciaram o não pagamento de salário e o total descaso com o meio ambiente do trabalho. “Os trabalhadores cortavam a cana concomitantemente com a queima, totalmente expostos a fumaça. Nossa equipe (procuradores, peritos e agentes da Polícia Federal) vivenciou essa realidade durante a inspeção realizada nos canaviais”, confirmou.

Sem salários

Além das irregulares na frente de corte da cana, a operação também flagrou a entrega de cestas básicas aos trabalhadores mediante a assinatura de recibos de “adiantamento de ordenados e salários”. De acordo com denúncias dos próprios trabalhadores, a empresa não pagou os salários do último mês de fevereiro, mas forneceu duas cestas básicas no valor de R$ 105,35, cada. A soma das duas cestas dá menos da metade de um salário mínimo.

“Essa prática caracteriza retumbante fraude contra a ordem jurídica trabalhista, alijando o trabalhador de um direito mínimo que é a percepção dos salários que deveria receber em função do seu labor, rompendo com princípios fundamentais da relação de emprego como o princípio da alteridade, além de impor uma condição indigna para o seu próprio empregado”, declarou Miranda .
O procurador declara também que a conduta adotada pela empresa, revelada na peça da ACP, causou - e causa - lesão aos interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores. “Mediante fraude e sonegação de direitos mínimos, propicia a negação dos direitos trabalhistas aos atuais trabalhadores flagrados em condições de risco durante as inspeções realizadas, bem como a toda a categoria de trabalhadores que, no futuro, possam vir a laborar nas suas fazendas”.

Os pedidos

Na ação, o MPT pede que a Justiça ordene, no prazo de 72 horas contado da intimação da liminar concedida, o pagamento dos salários atrasados de todos os empregados atingidos pela conduta ilegal da empresa, referentes aos meses de março, maio e junho de 2008, e de janeiro e fevereiro de 2009. Além de realizar os pagamentos dos salários seguintes, na forma legal, até o quinto dia útil subseqüente ao vencido, facultado o adiantamento conforme convencionado em norma coletiva.

Quanto à remuneração, a ACP requer que a empresa se abstenha de colher assinatura dos seus empregados em recibos de salários sem a devida entrega da quantia em dinheiro declarada. Quando a remuneração for estipulada por produção, terá ser respeitado, em qualquer hipótese, no mínimo, o piso da categoria profissional, estabelecendo limites compatíveis com a jornada de trabalho legal e a dignidade humana. “Dessa forma, pretendemos impedir a fadiga e prevenir a morte dos trabalhadores, de acordo com avaliações de riscos para a segurança e saúde no ambiente de trabalho”, completou Miranda.

Os instrumentos de medição e de peso devem ser certificados pelo instituto de pesos e medidas competente, de modo a aferir com fidelidade a produção dos trabalhadores. Dessa forma, será possível o controle e a fiscalização, pelos próprios cortadores, das produções individuais.

Medidas preventivas

Entre as medidas preventivas, o MPT pede que a empresa adote normas de segurança, de conforto e higiene, de prevenção à fadiga e a observância dos direitos trabalhistas. A Massa Falida terá de utilizar máquinas e equipamentos motorizados com todos os itens de segurança necessários e só contratar profissional habilitado para operar os referidos transportes.

Além dessas ações, a empresa terá de se adequar às normas regulamentadoras do MTe para garantir um meio ambiente de trabalho seguro, fornecendo equipamento de proteção individual (EPI) e ferramentas em condições de uso. Também deverá disponibilizar área de vivência que possua iluminação e ventilação adequadas e em perfeitas condições de higiene.

Nas frentes de trabalho, devem ser disponibilizadas instalações sanitárias fixas ou móveis, compostas de vasos sanitários, lavatórios, cestos de lixo e papel higiênico na proporção de um conjunto para cada grupo de quarenta, abrigos para refeições com mesas e cadeiras, fornecer recipiente para conservar as refeições em condições higiênicas e água potável e fresca em quantidade suficiente nos locais de trabalho.

Por que o programa nacional

A criação do programa nacional destinado à apuração das irregularidades trabalhistas no setor sucroalcooleiro foi uma decisão do procurador-geral do Trabalho, Otávio Brito Lopes, motivada por graves denúncias feitas ao MPT em todas as suas regionais nos estados. As ações do programa são permanentes e em breve estarão em outros estados.

O programa teve início em 2008, em Alagoas, quando foram fiscalizadas 15 usinas e resultou em um acordo judicial com todas as empresas do setor para melhoria das condições de trabalho. Acordo nos mesmos moldes também foi proposto ontem (18/03) ao sindicato do usineiros de Pernambuco para que a situação no estado seja regularizada.

Para Miranda, outro fator que motivou a criação do programa foi o registro de várias mortes de trabalhadores ocorridas no corte da cana-de-açúcar, com verificação em todas as regiões do país. “Voltamos mais uma vez nossa atenção a esses cidadãos brasileiros, desprovidos de tudo, principalmente de qualquer assistência jurídica ou social. Torcemos para que o setor sucroalcooleiro se desenvolva, gere divisas, mas o produto resultante deve ser socialmente responsável”, declarou.

Outro ponto a ser destacado foi o número crescente de denúncias encaminhadas à Procuradoria Regional do Trabalho da 6ª Região (PRT-6/PE), no período da entressafra, devido ao não cumprimento das obrigações trabalhistas com relação aos safristas. São reclamações sobre fraudes nas relações de emprego (não-pagamento do salário mínimo vigente, da gratificação natalina, das horas extras e do adicional noturno, periculosidade ou insalubridade, das verbas rescisórias, não recolhimento do FGTS, etc.), além dos graves problemas envolvendo o meio ambiente de trabalho. “Recebendo salários por produção, os cortadores de cana são obrigados a trabalhar acima dos limites que o corpo humano suporta, com jornadas de trabalho extenuantes”.

Massa Falida: além das irregularidades trabalhistas

O MPT constatou que a Massa Falida, gerida pela Cooperativa Harmonia, cujo presidente é Elenildo Correia Pena, paga seus trabalhadores da área industrial e do corte da cana com cestas básicas. Essa constatação foi confirmada com as declarações do síndico da usina, Marivaldo Silva de Andrade, que confirmou a fraude contra os empregados.

Na peça da ação civil pública, o procurador Alessandro Miranda, destaca que além dos salários em atraso referentes aos meses de março, maio e junho de 2008, janeiro e fevereiro de 2009, a empresa também vem retendo a produção de açúcar estocado e que poderia ser vendido para o fim de quitação dos salários. Segundo ele, a justificativa dada pela cooperativa é a quitação dos financiamentos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).

“Os créditos do Pronaf são repassados pelo INCRA, operados pelo Banco do Brasil e direcionados aos trabalhadores para a produção individual e para a produção coletiva nas terras desapropriadas, que, por sua vez, após depósito ultimado em conta do referido banco, cabe à Cooperativa Harmonia efetuar os saques e ‘direcionar’ os recursos”, confirmou Miranda.

Fraude

Pelas investigações, constatou-se que a empresa “frauda recibos de salários, ludibriando trabalhadores que são obrigados a assinar dois recibos, totalizando R$ 210,70 no mês de fevereiro de 2009, quando, na verdade, receberam duas cestas básicas. Em seguida, sonega explicitamente os salários dos empregados, pois, embora possua 55 mil sacos de açúcar, cada um com 50 quilos, é taxativo ao afirmar que não pode ser vendido para fins de quitação. Por fim, resta confessada uma relação espúria entre a empresa ré e a Cooperativa Harmonia, uma vez que, de forma ilegal e ilegítima, a ré é real recebedora direta dos recursos oriundos do PRONAF”.
Miranda ressalta ainda que os trabalhadores rurais “têm os seus registros de empregados mantidos com a Massa Falida, mas, na verdade, os recursos que movimentam o empreendimento são oriundos dos próprios trabalhadores, também ‘cooperados’, cabendo à Cooperativa Harmonia o papel de mero ‘sacador’ e ‘repassador’ dos recursos, que são dos trabalhadores e provenientes do Pronaf”.

 

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