O total de conflitos no campo no Brasil em 2007 foi o mais baixo em um ano no governo Lula, mas a quantidade de trabalhadores explorados subiu 24,6%.
Relatório divulgado nesta terça-feira pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) registra 1.538 conflitos no ano passado, queda de 7% em relação aos 1.657 casos em 2006. Foi a segunda queda anual consecutiva, depois de seis anos seguidos de crescimento anual no número de conflitos (de 2000 a 2005). O número de mortes no campo também caiu: foram 28 no ano passado, o número mais baixo desde 2001.
15/04/2008 - 17h24
Por Claudia Andrade
Em Brasília
Para CPT, aumento do trabalho escravo é resultado de expansão do setor alcooleiro
BRASIL É EXEMPLO DE DESVANTAGEM
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O número de trabalhadores explorados subiu de 6.930, em 2006, para 8.635, no ano passado. O crescimento foi maior na Região Sudeste, onde o número passou de 279 para 705. A região concentra as maiores lavouras de cana no país.
Para o geógrafo Carlos Gonçalves (da Universidade Federal Fluminense), o avanço das plantações de cana-de-açúcar na região explica o fato. "A violência está no setor de ponta, é a cara do moderno. Por isso encontramos trabalho escravo em São Paulo, em Minas Gerais, no Sudeste", ressalta. "A violência está onde as oportunidades de negócio estão presentes".
CONFLITOS NO CAMPO (Fonte: CPT)
1995 554 41
1996 750 54
1997 736 30
1998 1100 47
1999 983 27
2000 660 21
2001 880 29
2002 925 43
2003 1690 73
2004 1801 39
2005 1881 38
2006 1657 39
2007 1538 28
Ano Total de conflitos Assassinatos
O relatório da Comissão Pastoral da Terra dá ênfase aos trabalhadores escravos do setor sucroalcooleiro, afirmando que 52% dos que foram libertados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho no ano passado, em todo o país, estavam em usinas (3.131 do total de 5.974). O setor também estaria entre os líderes nos casos de superexploração do trabalho e desrespeito às leis trabalhistas, segundo a CPT.
Lula x FHC
Em cinco anos de governo Lula (2003-2007), o número de conflitos no campo mais que dobrou em relação aos primeiros cinco anos do governo FHC (1995-1999): cresceu 107,8%, de 4.123 para 8.567 casos. Na comparação entre os dois períodos, no entanto, o número de mortes no campo subiu em proporção bem menor: 9,5% (de 199 para 217), segundo os dados da CPT.
Análise
O professor Carlos Gonçalves, da UFF, destaca que há uma queda nos conflitos nos últimos anos, e dá sua explicação para o aumento registrado especialmente em 2004 e 2005, quando o total de conflitos foi de 1.801 e 1.881, respectivamente (veja tabela).
"Foi só ter a expectativa de que ele (o presidente) pudesse vir a fazer alguma coisa pela reforma agrária e já tivemos recorde de violência. Sempre que a população avança, o poder privado mantém uma pressão forte de violência", afirma.
Segundo a CPT, a não execução da reforma agrária que era esperada acabou desestimulando os trabalhadores. Este fator explicaria a diminuição dos conflitos verificada no ano passado, da mesma forma que o programa Bolsa Família, do governo federal.
"Houve um arrefecimento da ação dos movimentos sociais no governo Lula pelo Bolsa Família e outras medidas assistencialistas. O pessoal colocou a esperança nele e acabou ficando na paralisia", observa Dom Tomás Balduíno, conselheiro permanente da CPT.
MST
Marina dos Santos, coordenadora nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), diz que "o povo esperava que o governo Lula ia, de fato, fazer uma reforma agrária no país, como era o compromisso do PT (Partido dos Trabalhadores). Mas, depois, começou a ficar claro que a prioridade era o agronegócio e não a agricultura familiar".
Apesar da queda no total de conflitos, aumentou o número de famílias que a CPT classifica como expulsas de terras pelo poder privado. O salto foi de 140% (1.809 para 4.340). "É o proprietário privado fazendo justiça com as próprias mãos e atropelando o poder público", critica o geógrafo Carlos Gonçalves.
No caso de famílias despejadas pelo poder público, o total caiu de 19.638 para 14.221. A única região do país em que houve aumento foi o Sudeste, que passou de 1.653 para 3.446. Com relação ao trabalho escravo, a região mais rica do país também aparece com números desfavoráveis no relatório da CPT, com 14 ocorrências no ano passado, contra oito em 2006, e 557 trabalhadores libertados, contra 227 no ano anterior.
Comunidades tradicionais
Se antes o MST era o protagonista dos conflitos no campo, agora ribeirinhos, pescadores, indígenas e remanescentes de quilombos, entre outras comunidades, também estão envolvidas na questão, destaca a CPT. "São populações que têm um histórico e uma cultura de luta pela terra e estão se tornando protagonistas, além do MST. Isso implica novas estratégias de resistência", destaca o geógrafo da UFF.
Marina dos Santos, do MST, acredita que o cenário atual "é muito mais complexo do que o de dez anos atrás". "Precisamos de um enfrentamento com as grandes empresas, pressionando os governos estaduais e federal pela distribuição de terra, para que os pobres possam entrar no sistema de produção, principalmente de alimento", diz.
"Mas as grandes corporações trazem muitos desafios, porque a luta agora não é só com latifúndio e proprietário de terra, mas com empresas que colocam o dinheiro da terra na bolsa de valores", completa.
Pará: exceção
Outro número que apresentou queda no último ano foi o de pessoas assassinadas em conflitos de terra. Em 2006, foram registradas 39 mortes, contra 28 em 2007. A grande contribuição veio do Estado do Pará, que passou de 24 mortes em 2006 para 5 no ano passado.
O professor Carlos Gonçalves acredita que o governo federal tem agido mais na região, por conta das pressões surgidas depois da morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, no início de 2005. "O início do governo do PT no Estado também pode ter contribuído para a queda", acrescenta. Ana Júlia Carepa substituiu Simão Jatene, do PSDB.
A Ouvidoria Agrária Nacional -parte do Ministério do Desenvolvimento Agrário- destaca sua atuação no Pará, citando ações de desarmamento e implantação de varas agrárias, promotorias, delegacias e polícias militares agrárias no Estado. Além disso, das cindo defensorias públicas agrárias criadas pela ouvidoria, quatro estão no Pará.
A reportagem do UOL também entrou em contato com a Abag (Associação Brasileira de Agribusiness), e com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), para falar da relação entre o avanço do agronegócio e os conflitos no campo. As assessorias de comunicação das entidades informaram que os diretores só se pronunciariam depois de analisarem os dados do relatório da Comissão Pastoral da Terra.
Fonte:uol