A CPT Bahia participa na Conferência através do coordenador do Projeto São Francisco, Ruben Siqueira. Relegada durante séculos aos escalões inferiores da política e da economia nacional, a pesca artesanal se configura hoje como uma categoria sócio-profissional de extrema importância para o desenvolvimento do Brasil, contemplando parâmetros econômicos, sociais e ambientais. Para se ter uma ideia, desde os anos 70, os pescadores artesanais discutem e defendem um desenvolvimento sustentável que, acima de tudo, respeite a conservação dos estoques pesqueiros e dos ecossistemas, além de garantir a permanência e manutenção dos pescadores e suas famílias em comunidades pesqueiras, onde possam perpetuar sua atividade secular transmitida de geração em geração.
Entretanto, as diretrizes políticas e econômicas para o setor pesqueiro brasileiro, estruturadas numa visão desenvolvimentista que visa apenas a expansão econômica, não têm levado em consideração essas demandas e, hoje, são alvo de severas críticas por parte dos pescadores artesanais. Para eles, o fomento da pesca continental e marítima que privilegia o agronegócio da pesca oceânica e da aqüicultura, provoca sobre exploração dos estoques e preocupantes danos ambientais, respectivamente. Além disso, perpetua um modelo de gestão pesqueira inadequado que desconsidera as reais necessidades dos pescadores artesanais brasileiros.
A criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesqua (SEAP), em 2003, que este ano ganhou status de ministério, trouxe aos pescadores otimismo e esperança. Eles vislumbraram uma oportunidade de finalmente fazer ouvir sua voz, uma vez que, além de pregar uma política pesqueira nacional norteada pelo princípio da produção sustentável de pescado, o novo órgão tinha como eixo central o apoio à pesca artesanal. Seu objetivo era enfrentar a desigualdade social, assumindo a missão de promover o desenvolvimento sustentável.
Seis anos se passaram e duas Conferências Nacionais de Aqüicultura e Pesca foram realizadas pela SEAP, uma em 2003 e a segunda em 2006 e, apesar dessas iniciativas e do amplo debate gerado por elas, poucos foram os avanços constatados pelos pescadores na prática. A ampla participação deles nos eventos regionais e nacionais trouxe parcos resultados e a repercussão na vida desses trabalhadores foi quase inexpressiva.
Por isso, não é de se estranhar que a notícia da transformação da SEAP em Ministério de Pesca e Aqüicultura (MPA) seja recebida com tanto ceticismo pela categoria. O sentimento que hoje prevalece entre os pescadores é de descrença e a expectativa é que, mais uma vez, esse órgão não atenda suas reais necessidades e demandas. "Não vimos uma vírgula daquilo que foi discutido e solicitado ao governo nos encontros estaduais e nacionais", declararam recentemente pescadores alagoanos durante encontro com agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP-NE).
Depois de muito debate, negociação e esforço, o que resta a esse povo do mar, dos rios e das lagoas é um sentimento de frustração. Além de continuar enfrentando problemas relacionados à fome e desnutrição, ao analfabetismo, à distribuição e comercialização do pescado e à contínua degradação ambiental - fator preponderante para a escassez de recursos pesqueiros -, quem vive da pesca artesanal sente-se lesado e totalmente excluído das políticas públicas para o setor da pesca.
Essas dificuldades não conseguiram minar a luta dos pescadores artesanais por direitos e por um desenvolvimento sustentável do país. Ao contrário, trouxe novo fôlego ao movimento que traça agora suas próprias estratégias e promove um amplo debate na I Conferência Nacional da Pesca Artesanal, realizada entre 28 e 30 deste mês, em Brasília. O evento, paralelo a 3ª Conferência Nacional de Aqüicultura e Pesca, organizada pelo MPA no final do mês, marca a necessidade emergencial dos pescadores por políticas públicas adequadas à sua realidade.
Trata-se de uma estratégia para construir e apresentar propostas mais coerentes de investimento e garantia dos direitos sociais; identidade e território; direitos específicos das pescadoras; sustentabilidade ambiental; ordenamento da pesca, além de desenvolvimento do setor pesqueiro artesanal e sua legislação.
A I Conferência Nacional da Pesca Artesanal é um marco histórico para a categoria e uma amostra da descrença na 3ª Conferência de aqüicultura e Pesca. Representantes dos movimentos dos pescadores artesanais afirmam que durante as conferências estaduais preparatórias foi apresentado um documento base que desconsidera completamente as reivindicações da categoria. Além disso, a definição da divisão de vagas para escolha dos delegados e a metodologia de construção segue a mesma lógica das conferências anteriores, nas quais o discurso sobre debate democrático teria servido apenas para validar os altos investimentos na pesca industrial e na aquicultura, nos últimos anos.
Pescadores e pescadoras dos estados do Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Roraima e mais o Distrito Federal participarão de debates, tendas temáticas e grandes plenárias para consolidação do documento base de propostas. Além de dois importantes momentos: o ato simbólico de entrada na Via Campesina e um ato público na capital federal. A principal reivindicação da Conferência é que, após o seu término, o presidente Lula receba uma comissão que apresentará as propostas discutidas e construídas pelos pescadores artesanais para o setor.
(Fonte: Assessoria de Comunicação da I Conferência Nacional da Pesca Artesanal)
Acompanhe a Conferência através do Blog http://www.conferencianacionaldospescadores.blogspot.com.