Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

\"\"ENTREVISTA

Defensor público, Wagner Giron de La Torre vem assumindo o seu papel em prol das populações do Vale do Paraíba (SP) que lutam contra a monocultura do eucalipto, que hoje já ocupa 20% do território de cidades como São Luiz do Paraitinga. Recentemente, ele ajudou a aprovar uma liminar que suspende corte e transporte dessa árvore exótica no interior deste município, pois isso poderia ocasionar o desabamento de vias públicas e até de marcos arquitetônicos da cidade.

Com a expansão das plantações de eucalipto na região, a defensoria pública, inclusive, já verificou que o êxodo rural tem aumentado muito. Segundo La Torre, “é amplamente observado pela sociedade e pesquisadores que rastreiam e monitoram a indústria da celulose que 90% da produção de celulose no Brasil para exportação é direcionada a embalagens que adornam o consumismo em massa”.

Em entrevista à IHU On-Line, que La Torre concedeu por telefone, ele falou sobre os impactos sociais, culturais e ambientais que a monocultura do eucalipto tem trazido para a região do Vale do Paraíba. Além disso, ele defendeu que o BNDES não deveria investir dinheiro público para investimentos como a compra da Aracruz celulose pela Votorantim. “Considero inconstitucional que o BNDES atue de forma incisiva em atividades marcadamente atentatórias aos interesses ambientais”, indicou.

Wagner Giron De La Torre é Defensor Público no Estado de São Paulo e Coordenador da Defensoria Regional de Taubaté.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são os principais impactos, em sua opinião, sociais do avanço da monocultura do eucalipto?

Wagner Giron de La Torre – Nós da Defensoria Pública de São Paulo na região do Vale do Paraíba, por meio de visitas locais de monocultura junto à população rural e campesina aqui da região, temos verificado que os principais impactos sócio-culturais do eucalipto têm se dado no secamento de recursos hídricos, no esgotamento de fontes de água, secamentos de cursos de rios, ribeirões e cachoeiras. Além disso, tem a contaminação do ecossistema, principalmente do solo e dos corpos hídricos, em função das toneladas de pesticidas, herbicidas à base de glifosato, utilizados no manejo do eucalipto, não só na época da semeadura das mudas clonadas, mas de seis em seis meses dentro das linhas eucaliptais para fazer a capina química. Tem ocorrido a morte de muitos peixes, equinos, bovinos e até de pessoas em função do glifosato. Tudo isso somado a grandes extensões de plantação de eucaliptos por milhões de hectares no Vale do Paraíba. São latifúndios recobertos de eucaliptos para a indústria de celulose. A defensoria pública tem constatado junto às populações rurais um enorme índice de êxodo rural, cerceamento das atividades culturais e tradicionais das populações, porque os latifúndios estão invadindo locais tidos como sagrados para os campesinos impedindo o desenvolvimento de atos devocionais, de feitura de rezas e orações. Os impactos são bastante amplos.

Qual a dimensão política em que o avanço da produção de eucalipto está inserido?

É amplamente observado pela sociedade e pesquisadores que rastreiam e monitoram a indústria da celulose que 90% da produção de celulose no Brasil para exportação é direcionada a embalagens que adornam o consumismo em massa. São caixas para aparelhos eletrônicos, embalagens para fast food – como os do Mcdonalds –, muito pouco disso é direcionado para investimento em livros, cadernos etc. Não há necessidade de tanta celulose.

Nessa luta contra o avanço da monocultura do eucalipto, como defensor público, como o senhor vê a atuação do Judiciário?

No que diz respeito às ações que ajuizei até agora, foram duas no último ano, consegui um resultado bastante positivo. Conseguimos provar não só os fortes impactos socioambientais como também suspender todo e qualquer projeto de cultivo de eucalipto no município de São Luiz do Paraitinga. Na semana passada, aprovei uma liminar suspendendo todo corte e transporte de eucalipto no interior de um distrito rural neste mesmo município para evitar o desabamento das vias públicas frágeis como os marcos históricos arquitetônicos do lugar.

Judicialmente, como o senhor vê a compra da Aracruz pela Votorantim?

Do ponto de vista dos movimentos sociais e como defensor público, vi isso com bastante espanto. Não a compra em si, mas o que me causa espanto é que essa compra foi subsidiada com dinheiro público vindo do BNDES, que deveria destinar esse dinheiro para atividades compatíveis com o equilíbrio ambiental.

O BNDES pode, realmente, estar ligado a esse tipo de transação?

Como cidadão, eu acho isso imoral. Por isso, rogo ao Ministério Público Federal que inicie esforços a fim de apurar essa ilegalidade. Considero inconstitucional que o BNDES atue de forma incisiva em atividades marcadamente atentatórias aos interesses ambientais.

O senhor pode nos falar um pouco sobre a questão que envolve a monocultura do eucalipto na cidade de São Luiz do Paraitinga (SP)?

Essa é uma cidade pequena aqui do Vale do Paraíba, até é tombada pelo patrimônio histórico estadual e nacional porque reúne um casaril colonial. Ela é formada por marcos da época do café. Essa cidade pequena, que prima muito por suas tradições culturais, é um reduto de resistência da cultura caipira, e já está tomada pelo avanço industrial da monocultura do eucalipto em mais de 20% do seu território. E o campesinato local já tem sofrido os impactos ambientais sem controle dessa monocultura.

E para o senhor, pessoalmente e profissionalmente, como é se posicionar contra a monocultura de eucalipto frente a essas grandes empresas que investem nessa área?

É minha função, minha obrigação. Eu exerço um cargo público, e minha principal função é fazer com que os direitos individuais e coletivos das comunidades pobres sejam respeitados, principalmente os direitos humanos. Ainda sinto uma dificuldade enorme profissionalmente, principalmente nas áreas de produção de provas técnicas, de feitura de perícias para melhor instruir essas demandas tão complexas de danos ambientais, porque estamos lutando contra danos causados por multinacionais. O estado de São Paulo não é capacitado com órgãos públicos capaz de propiciar às defensorias públicas e à sociedade civil um laboratório básico para detectar, por exemplo, a contaminação de um rio por glifosato. Isso é absurdo!

 

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