“Ai dos que absolvem o injusto a troco de suborno e negam fazer justiça ao justo” (Isaías 5, 23)
No dia 25 de maio, completou-se um mês em que quatro trabalhadores Roquevam Alves Silva, Odércio Monteiro Silva, Maria Edina Almeida Moreira e Esmael Rodrigues Siqueira, ligados ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), estão presos, em Belém (PA). Completaram-se, também, 25 dias de prisão de Osvaldo Soares Meira e Nilton Tavares de Araújo, militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Campina Grande (PB).
Diante do tratamento dispensado pelo judiciário aos pequenos deste país, sobretudo aos camponeses e camponesas, é que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vem hoje se manifestar.
Que crimes cometeram estes trabalhadores?
No dia 24 de abril, 400 pessoas participaram de uma ocupação do canteiro de obras das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí (PA). Era um protesto contra a execução do sindicalista Raimundo Nonato do Carmo, de 53 anos, ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Tucuruí, assassinado no dia 16 de abril, e uma reivindicação de direitos negados. Após 25 anos da construção da barragem de Tucuruí muitas famílias ainda não receberam qualquer indenização e moram em favelas próximas às obras, sem condições básicas de infra-estrutura, como energia elétrica.
A 26 de abril, às seis horas da manhã, 18 trabalhadores foram detidos pela Polícia Militar e levados à delegacia. Antes de serem conduzidos a Belém, foram obrigados a um “desfile” por toda a cidade de Tucuruí, exibidos como uma espécie de "troféu" da Polícia Militar. Contra eles se levantaram dez acusações entre as quais as de seqüestro; incitação ao crime; atentado contra segurança de serviço de utilidade pública; formação de quadrilha. Os presos, pescadores e camponeses que nunca se envolveram em qualquer tipo de ação criminosa, acabaram apresentando sintomas de depressão em virtude das humilhações sofridas e das péssimas condições da cadeia. No dia 15 de maio, 14 foram postos em liberdade. Permanecem ainda presos os quatro acima citados.
Na Paraíba, no dia 1º de maio, Dia do Trabalhador, 60 famílias montaram acampamento às margens da BR 230 próximo à Fazenda Cabeça de Boi, município de Pocinhos, já desapropriada pelo Presidente da República, em 04 de dezembro de 2008.
Naquela mesma noite um grupo de homens encapuzados, liderados pela “proprietária” Maria do Rosário Rocha, disparou contra as famílias, detendo e torturando em seguida, sete trabalhadores. Sobre eles foi jogada gasolina e foram ameaçados de serem incendiados vivos. O carro de um membro do movimento foi queimado. As sessões de tortura só pararam ao raiar do dia, quando os encapuzados se retiraram e chegaram policiais, que também intimidaram e ameaçaram os trabalhadores, que foram levados para o posto da Polícia Rodoviária Federal, e em seguida transferidos para o 2º Batalhão de Polícia em Campina Grande (PB). As acusações contra eles: incêndio, porte ilegal de arma de fogo e terem disparado arma. Foram acusados pelas agressões que sofreram. A Ouvidora Agrária do Estado constatou que os dois trabalhadores presos apresentavam sinais visíveis de espancamento e que o Sr. Nilton apresentava sinais de queimaduras.
Não é de se admirar os trabalhadores receberem este tratamento. Secularmente assim foram tratados. O que nos causa indignação é que se proclame igualdade de direitos e de tratamento, quando em menos de 48 horas se concedem dois hábeas corpus a um banqueiro acusado de crimes contra o patrimônio público e de tentativa de suborno, enquanto deixam dias sem fim trabalhadores presos sem qualquer julgamento; quando nenhum dos “seguranças” da Agropecuária Santa Bárbara e Maria Bonita, no sul do Pará, de propriedade de Daniel Dantas, responsáveis pelo ferimento de oito sem terra, no dia 18 de abril, e por outros três no dia 9 de maio, esteja preso; quando uma grande empresária c o n d e n a d a a 94,5 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha, contrabando e falsificação de documentos, tenha sido colocada em liberdade no dia seguinte à sua prisão por hábeas corpus, enquanto que aos trabalhadores acusados pelas agressões das quais são vítimas se protela indefinidamente a concessão dos benefícios da lei.
A prisão de políticos e empresários, em 2008, levantou um clamor geral por terem sido algemados. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rapidamente aprovaram medida que restringia o uso de algemas, por violar o princípio da presunção de inocência. Os presos de Tucuruí tiveram que “desfilar” pelas ruas da cidade como um troféu. Por acaso alguma voz se ergueu neste país para condenar tal ato?
O jurista Jacques Alfonsin analisa com clareza o tratamento dispensado aos trabalhadores pela justiça brasileira. “Há uma espécie de código ideológico, que tem poder superior a qualquer código de leis... Trata-se de uma cultura jurídica interpretativa dos fatos e das leis, que pré-julga, por uma síndrome medrosa e preconceituosa, todo o povo pobre ativo - como são as / os sem-terra que defendem seus direitos - fechado numa clausura de suspeita antecipada de que ele é, por sua própria condição social, perigoso e tendente a praticar crimes.”
Com Isaías, a CPT busca “ser fiel ao Deus dos pobres, à terra de Deus e aos pobres da terra” denunciando o tratamento desumano dispensado aos pobres do campo e exige que se faça justiça sem privilégios.
Goiânia, 27 de maio de 2009.
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