Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

No último domingo (24.05) o impresso alagoano O Jornal publicou uma reportagem especial intitulada Movimento dos sem-terra não aceitam inclusão no Bolsa Família, produzida pelo repórter Alexandre Henrique Lino. Foram ouvidas lideranças do campo que lutam pela reforma agrária no país, para obter a opinião das organizações sobre o interesse do Governo Federal em incluí-los no Programa Bolsa Família.

O Ministério do Desenvolvimento Social em parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário querem até o final deste ano, identificar e cadastrar todos os acampados no Programa, para que troquem o recebimento de cestas básicas pelos cartões do benefício – onde passarão a receber uma quantia mensal para as atividades.

De acordo com Gilberto Coutinho, superintendente estadual do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a proposta é um aprimoramento das políticas públicas e a mudança inspira cidadania aos acampados. Também ressaltou que essa iniciativa será melhor em relação à entrega de cestas básicas, devido aos atrasos na licitação de alimentos e com o Bolsa Família fica mais fácil para o governo federal fiscalizar a concessão do dinheiro.

Para as lideranças, a nova proposta irá desmobilizar suas bases e deixarão atreladas ao cartão fornecido pelo governo. Além disso, afirmam que a valorização dessas políticas compensatórias só irá desviar os trabalhadores rurais do principal objetivo que a luta pela reforma agrária.

De acordo com o coordenador estadual do MST, José Roberto, “essa proposta de trocar seis por meia dúzia não convence ninguém, até porque uma proposta séria deveria mostrar os caminhos para a reforma agrária e não com políticas compensatórias”, analisou. Para ele, “o governo deveria ter vergonha e vontade política, pois ao apresentar este cartão não muda nada”. “A tensão no campo não vai diminuir, muito pelo contrário, vai mudar de endereço”, antecipou.

Além do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Alagoas, a Comissão Pastoral da Terra também foi procurada para manifestar sua declaração sobre a temática, por meio de uma entrevista realizada com Carlos Lima, coordenador estadual da CPT-AL.

 

LÍDER DA CPT DEFENDE MUDANÇAS ESTRUTURANTES

O coordenador estadual da Comissão Pastoral da Terra, Carlos Lima, é uma das lideranças que se insurgiram contra a proposta de mudança. No entanto, ele passa pouco tempo criticando o programa Bolsa Família ou defendendo a concessão de cestas básicas e prefere ir ao que considera como a raiz do problema: a falta de atitude do governo federal para realizar a reforma agrária. Nesta entrevista, o coordenador explica que, mesmo com a alta popularidade, o governo Lula continua seguindo a cartilha do antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

  

Qual a posição da CPT sobre a troca proposta pelo governo?

Não temos uma posição oficial da CPT até porque a nossa preocupação nunca foi com cestas básicas. A nossa luta é pela efetivação da Reforma Agrária, pela democratização do uso da terra e pela garantia de existência das famílias camponesas. As cestas básicas ou bolsa família são medidas compensatórias de um governo que, mesmo tendo a maior popularidade da história, não teve coragem de modificar a estrutura agrária brasileira, que é a segunda em concentração de terra no mundo.


O cadastro dos trabalhadores é ruim?

Ruim? Ruim é não fazer a reforma agrária e buscar artifícios para camuflar os conflitos agrários no país. Nós da CPT acreditamos que a medida do governo é para esconder o conflito e ter um controle mais rígido sobre os camponeses sem terra e usar esse cadastro para futuras ameaças do tipo “se ocupar prédio público vai perder o bolsa família”. Parece até o governo FHC que criou um arcabouço jurídico para criminalizar os movimentos sociais do campo, o qual o PT criticou veementemente na ocasião.

O movimento não é contrário por temer perder a força política em cima dos acampados?

O movimento camponês é forte e resistente. Conseguiu sobreviver e se reorganizar durante a ditadura militar, suportamos os ataques de tentativa de criminalização do governo FHC apoiado pela grande mídia e saberá se proteger do “fogo amigo” do governo Lula. A nossa luta é histórica e necessária, a nossa força política pode ter oscilações, mas será sempre uma força política representantiva.


Ao invés de um cartão o que então poderia ser feito?

O que o governo teria que fazer era implantar mudanças estruturantes, realizar a reforma agrária com condições de manter as famílias assentadas no campo. Deveria se esforçar para aprovar o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do trabalho escravo, diz que as terras aonde houver trabalho escravo devem ser confiscadas pelo governo e repassadas para reforma agrária, também é preciso rever os índices de produtividade da terra que é da época do governo militar, e adotar uma medida jurídica para limitar o tamanho da propriedade da terra, a exemplo de vários países europeus e até, recentemente, a Bolívia limitou a propriedade da terra. Medidas como essas seriam bem vindas, mas esse governo não tem coragem de romper com a “Casa Grande”.


Existe algum protesto para criticar essa mudança?

A CPT não vai realizar uma reunião extraordinária para opinar a respeito de mais uma política compensatória do governo Lula. A nossa luta será a mesma que é investir em uma Reforma Agrária ampla e massiva.


Qual sua avaliação sobre o governo Lula e a reforma agrária?

O governo Lula continua seguindo a cartilha de Fernando Henrique Cardoso, maquiando os números e dizendo que realiza a maior Reforma Agrária da história. Na verdade, o que o governo continuou foi regularizando terra na Amazônia e apaziguando conflito, enquanto isso, a estrutura agrária no Brasil continua intacta. O governo Lula agrada os mais ricos de todos, mantém os juros e coloca os recursos públicos a serviço dos bancos, do agronegócio e das transnacionais. E aos mais pobres de todos oferece por exemplo o programa da Bolsa Família, que só propõe migalhas ao invés de dignidade,  subjugando as novas gerações.

 


Assessoria de Comunicação da CPT-AL, com informações do O Jornal (Ano XV / Edição n°248 / Caderno de Política / Páginas A3 e A4)


 

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