Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeita suspender as obras já iniciadas pelo Exército por 6 votos a 3; Ministério Público alegava que governo não cumpriu determinações como a realização de audiências públicas
Por seis votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o agravo movido pelo Ministério Público Federal, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e por organizações ambientalistas e manteve a continuidade da transposição das águas do rio São Francisco. Os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Ellen Gracie acompanharam o voto do relator, ministro Carlos Alberto Menezes Direito, e mantiveram a decisão liminar do ministro aposentado Sepúlveda Pertence. Em dezembro de 2006, Pertence havia suspendido as liminares que paralisavam a obra.
Em Sobradinho (BA), a notícia foi recebida com revolta. “Por aqui houve muita indignação e desalento: saber que Justiça, que seria último refúgio, atua de forma subserviente ao Executivo e que um assunto dessa envergadura vá para a pauta só no último dia do ano”, analisa Adriano Martins, sociólogo e assessor de frei Luiz Cappio que nesta quarta-feira (19) entra em seu 23º dia de greve de fome.
O recurso assinado pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entendia que as recomendações feitas por Pertence não haviam sido cumpridas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quando a licença de instalação foi concedida, em março. Desse modo, requisitava “a imediata paralisação das obras de transposição do Rio São Francisco”.
Mas o relator Menezes Direito entendeu que o Ibama cumpriu, “quase que na sua totalidade”, todas as condicionantes impostas por Pertence em sua decisão liminar. “Das 31 condicionantes, apenas seis não foram cumpridas em sua integralidade”, diz texto publicado no site do STF.
Congresso Nacional
Já o ministro Carlos Ayres Britto votou a favor da suspensão da obra. Ele lembrou que, dentre as condicionantes não cumpridas pelo Ibama, está a realização de audiências públicas. Britto também entende que decisões de tal envergadura deveriam ser discutidas pelo Congresso Nacional.
Brito comparou a situação do rio com a de uma pessoa que tenta doar sangue sem estar em prefeita saúde. "Se formos aplicar o princípio da precaução, as obras teriam que ser paralisadas. Se uma pessoa está doente, não pode doar sangue”, afirmou Brito.
Mesma opinião tem o jurista Fábio Konder Comparato. “Qualquer modificação no escoamento dessas águas (do São Francisco) não pode ser decidida pelo presidente da República, mas sim pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente. Isso está escrito no artigo 48, inciso 5º da Constituição sobre a disposição de bens do domínio da União”, explica o jurista. Os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello também votaram pela paralisação da obra.
Pela manhã, os movimentos contrários à transposição do rio São Francisco já havia sofrido uma derrota do Supremo. Na ocasião, o ministro Menezes Direito derrubou a liminar que havia paralisado, no dia 10, as obras. Ele entendeu que o Supremo havia decidido concentrar todas as ações referentes ao projeto e, por isso, a matéria não seria da competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, que havia concedido a liminar.
Tristeza e indignação em Brasília
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a transposição do rio São Francisco foi recebida com indignação pelas cerca de 400 pessoas que acompanharam o julgamento do agravo no lado de fora do prédio. “A notícia chegou como uma bomba. A gente não imaginava que o Supremo fosse desrespeitar a Constituição desse jeito. Notamos que os ministros que votaram a favor da liminar não tinham conhecimento da causa. Nessa decisão não estão sendo levados em consideração os aspectos ambientais, nem a vida de dom (Luiz Flávio) Cappio, muito menos a vida do povo”, declarou Sidneide Silva de Oliveira, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores, Assentados, Acampados e Quilombolas.
“Essa decisão é muito triste porque a gente pensava que ia levar uma alegria para o nosso companheiro dom Cappio. Mas isso não vai abalar a nossa coragem. A gente tá firme, sempre”, desabafou a agricultora Custódia Alves Barbosa, de 56 anos e que chegou a Brasília na terça-feira (18) vinda do município de Morro Pará (BA). Agricultores, representantes de comunidades ribeirinhas, quilombolas e de movimentos sociais estavam desde segunda-feira (17) em um jejum solidário à vida de frei Luiz e do rio São Francisco, na praça dos Três Poderes, em Brasília.
Após a decisão, uma cópia da Constituição Federal foi queimada em frente à estátua da Justiça, como forma de denunciar o desrespeito à legislação brasileira sobre as questões ambientais violadas pela decisão do Supremo. Dos onze ministros, apenas nove compareceram. Destes, seis votaram a favor da transposição. “Os ministros fizeram vistas grossas aos artigos constitucionais e excluíram do processo onze associações da sociedade civil alegando que elas não teriam legitimidade”, ressaltou Pedro Diamantino, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR).
A atriz Letícia Sabatella, que acompanhou todo o julgamento, chorou com a decisão e criticou a postura do governo. “O governo não tem se mostrado democrático. As decisões têm vindo de cima para baixo", declarou. Já o ator Osmar Prado também lamentou o resultado do julgamento. “O governo Lula teve oportunidade de arejar o Supremo, mas não o fez. O resultado é esse”, disse.
No final da tarde, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) acompanhou os atores e representantes de movimentos sociais em uma visita ao presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Chinaglia afirmou que irá intensificar as negociações entre o governo e frei Luiz. Suplicy e o senador José Nery (PSOL-PA) criaram uma comissão externa no Senado para acompanhar as negociações.
Fonte: brasildefato.com.br