Com o tema “Territorialidade e Quilombos” a CPT reuniu no seu Encontro Nacional de Formação, realizado na cidade de Goiânia entre os dias 26 e 28 de outubro, cerca de 120 agentes e representantes quilombolas de vários estados.
“No chão é que se faz comunhão”, esse foi o lema do Encontro Nacional de Formação da Comissão Pastoral da Terra realizado no Centro Pastoral Dom Fernando, em Goiânia, de 26 a 28 de outubro. Cerca de 120 agentes da CPT e representantes de quilombos de vários estados, como Bahia, Minas Gerais, Pará, Goiás e outros, se reuniram para discutir questões como a importância do território para as comunidades tradicionais, políticas públicas e governamentais para o povo quilombola e para trocar experiências de luta, dificuldades e resistência.
O grupo foi assessorado pelas professoras Maria de Lourdes Siqueira (Universidade Federal da Bahia – UFBA) e Rosa Acevedo (Universidade Federal do Pará – UFPA), e pelo representante do quilombo Mangal Barro Vermelho (Bahia) e integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), João da Conceição Santos. Os agentes da CPT puderam entender um pouco mais da cultura e da identidade quilombola com as exposições. A professora Maria de Lourdes iniciou os trabalhos resgatando a luta do negro do Brasil, a formação dos quilombos e o peso deles na história brasileira, “o quilombo não é só uma localidade, ele faz parte da história desse país”. A professora Rosa completou essa idéia em sua fala, “o quilombo é uma forma de dizer ‘não’ à dominação (...) há uma força no termo ‘quilombo’, ele ganhou um peso político que significa resistência”.
Ao final do Encontro os participantes aprovaram Carta em Apoio às Comunidades Quilombolas. Leia-a na íntegra:
CARTA DA CPT EM APOIO ÀS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
Os meus adoradores trarão suas ofertas do outro lado dos rios da Etiópia (Sofonias, profeta africano, 3,10)
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), reunida no Encontro Nacional de Formação sobre o tema “Territorialidade e Quilombos”, sente-se interpelada pela resistência secular do movimento negro e pelo direito das inúmeras famílias de origem quilombola que moram e trabalham na terra, desde tempo imemorial ou que se reconhecem como tais, para superar impedimentos deixados por três séculos de escravidão negra rural.
A luta, legítima e constitucional, das comunidades quilombolas de todo Brasil para ter reconhecido, demarcado e titulado o seu próprio território, nos faz renovar nosso compromisso de fidelidade junto a todas e todos que lutam por terra, alimento e vida na paz.
Afirmamos que as comunidades tradicionais, entre elas as quilombolas, longe de ser “entraves ao crescimento do Brasil”, se constituem nos verdadeiros “heróis” que, com seu trabalho, fizeram nosso país, preservando a natureza e produzindo nossos alimentos, e não tiveram até agora reconhecidos todos os seus direitos.
O protagonismo corajoso e perseverante das comunidades quilombolas levou à elaboração de uma base legal que legitima seus direitos e à implementação de políticas públicas afirmativas que, mesmo insuficientes, são um passo indispensável para que lhes seja feita justiça.
É por isso que a CPT denuncia a campanha mentirosa e covarde que está sendo orquestrada, com o apoio de influentes meios de comunicação de massa, com o objetivo de atingir várias comunidades quilombolas, desqualificando sua identidade, sua luta e seu direito a ter o domínio de seu território.
A CPT se une às comunidades quilombolas para exigir o reconhecimento e a titulação de todos os territórios quilombolas do Brasil, onde elas possam viver, buscando o bem-estar de todos e todas, com sua capacidade de construir relações comunitárias com a terra, com a água e com toda a natureza; construir relações de fidelidade com os ancestrais e com as futuras gerações; construir relações holísticas de unidade e harmonia cósmica entre o orum (a terra) e o ayè (o céu), conforme a tradição yorubana.
Este reconhecimento vai enriquecer nossa nação brasileira:
▫ Por nos fazer assumir a raiz de nossa negritude como elemento essencial de nossa identidade, de nossa cultura e de nossa história de povo brasileiro;
▫ Por aprender uma maneira de viver e de nos relacionar com as pessoas e com a natureza e com Deus que nos ajuda a vencer a tentação de nos conformar a um modelo, sempre devastador, concentrador e violento, incapaz de ver a natureza como mãe generosa para todos, mas como recursos a serem explorados até à exaustão pelo mais poderosos.
▫ Por valorizar as diversidades como fonte da única e verdadeira riqueza que constrói uma sociedade democrática e uma humanidade fraterna e pacífica, e por fortalecer o diálogo inter-cultural não só como exercício de tolerância, mas como passo essencial na luta por vida e liberdade;
Com as comunidades quilombolas, nos comprometemos numa luta firme, teimosa e grávida de esperança:
▪ Contra toda a discriminação e a violência étnica, cultural e religiosa que, apesar de ilegal, continua presente em nossa sociedade e em várias igrejas ou movimentos eclesiais;
▪ Para que as políticas públicas para as comunidades quilombolas sejam decididas com a participação deliberativa das mesmas, de modo a evitar todo assistencialismo e para que os recursos orçados sejam suficientes e não contingenciados;
▪ Para que o INCRA, superando seu crônico imobilismo, se articule melhor com a Fundação Cultural Palmares e com a Secretaria do Patrimônio da União e, assim, se consiga mais agilidade e celeridade nos processos de identificação, demarcação e titulação dos territórios quilombolas.
O Deus da vida e da história vai nos sustentar neste caminho, vai nos dar forças para continuar nossas lutas e vai alimentar nossas esperanças na certeza de que Ele escuta o clamor do pobre e o salva de todos os apertos, pois Ele não sossega enquanto não fizer justiça a seu povo (Sl 34,7; Eclo 35,23).
Goiânia, 28 de outubro de 2007.
Os participantes do encontro nacional de formação da CPT
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Comissão Pastoral da Terra
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