A advogada Conceição Lacerda, que defende diversos posseiros na região de Suape, denunciou, nesta quinta-feira, em visita ao Blog de Jamildo, um suposto esquema de simulação de processos judiciais na comarca do Cabo de Santo Agostinho para desvio de recursos públicos da empresa Suape, tendo como instrumento recorrente acordos de reintegração com posseiros de terras na área do complexo.
Em uma situação das mais inusitadas, a advogada cita o caso de quatro processos em que um único posseiro e sua esposa foram contemplados com a significativa quantia de R$ 2.152.000,00 (dois milhões cento e cinquenta e dois mil reais). Os processos foram autuados sob os números 0005737-78.2009.8.17.03701, 0006912-73.2010.8.17.0370, 0003507-92.2011.8.17.0370, e 0010029-38.2011.17.0370, todos na comarca do Cabo de Santo Agostinho.
“Nas petições iniciais de Suape nessas ações de reintegração de posse, as áreas não estão sequer identificadas, não há laudos periciais, não há intimação, não há identificação dos imóveis. Como saber de que benfeitorias estamos falando? É uma sangria só”, avalia a advogada.
O primeiro acordo foi homologado em 31 de agosto de 2009, no nome da mulher do agricultor, sem advogado na assistência, no valor de R$ 42 mil. Não há identificação do imóvel na petição.
No segundo acordo, já em 20 de dezembro de 2010, o valor do acordo soma R$ 170 mil. A petição cita o nome do mesmo agricultor, mas ele foi substituído no polo passivo pela mesma senhora que recebe os primeiros pagamentos.
No terceiro acordo, por 100 hectares, sequer devidamente localizados, o mesmo agricultor recebeu R$ 1,3 milhão, em acordo fechado no dia 09 de junho de 2011. Mais uma vez a senhora recebe o cheque milionário.
Em um quarto acordo, somente três meses depois, realizado em 26 de outubro de 2011, o mesmo produtor rural recebe ainda uma indenização de R$ 640 mil, por 26 hectares no Engenho Setúbal, mas a área específica não está identificada, de acordo com os autos do processo.
Em uma carta pública divulgada no dia 26 de fevereiro, no Recife, o Fórum Suape Sócio-Ambiental, fazendo referência reunião com posseiros em novembro do ano passado na OAB, reitera acusações de que Suape pratica abuso de poder econômico e fala em corrupção envolvendo a empresa e a existência de tráfico de influência no poder Judiciário de Pernambuco, segundo a instituição, usado para legitimar os atos supostamente ilícitos praticados pelos gestores da empresa Suape. No documento, reclamam ainda de omissão do Ministério Público de Pernambuco.
A polêmica envolvendo ações de reintegrações de posse ajuizadas pela empresa Suape é antiga e bastante complexa.
“Reconhecemos que o porto é um mal necessário. O que nos brigamos é para que haja o reconhecimento de que a escritura usada por Suape para repassar as terras dos posseiros para as empresas do complexo foi obtida de forma espúria. Todo o dinheiro que Suape recebeu tem que ir para os verdadeiros donos das terras, que é o Incra. Um dos problemas desta luta é que Suape não fez licitações para dar essas terras e não se conhece o valor”, afirma a advogada.
“O bem público é indisponível. Não se pode abrir mão dele. O porto de Suape contou, durante anos, com a cumplicidade do poder judiciário de Pernambuco, mas a Justiça Federal acabou de reconhecer que o Incra tem direito a ser discutido na causa. O TRF5 mandou o processo para a primeira instância e por distribuição o processo foi parar na 3ª Vara Federal julgar o caso. O juiz federal reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar o feito, em razão do interesse do Incra. Se o nosso bom direito for confirmado, na Justiça Federal, isto significa que as mais de mil e duzentas reintegrações de posse feitas no plano estadual são nulas”, diz.
“Eles (Suape) e o Incra local mentem descaradamente. Quando são questionados, afirmam que os decretos de desapropriação do Incra perderam a validade com um decreto de Geisel de 1978 (82.899). Só que também este decreto foi revogado em 15 de fevereiro de 1991. Além disto, há documentos internos de Suape, com timbre oficial, reconhecendo a propriedade do Incra”, diz.
A base de toda polêmica é um título de propriedade expedido pelo Incra em 22 de julho de 1980, assinado pelo presidente da entidade e o agricultor Manoel Alves da Silva, então presidente da cooperativa Tiriri. Com o ato oficial, o governo Federal repassava para os posseiros o título de propriedade em uma época que a pressão no campo era bastante elevada. O projeto era ajudado pela Sudene, que fez o levantamento da área e dos beneficiários. O documento do Incra previa que o domínio ou a posse dos imóveis seriam revertidos ao órgão, em caso de descumprimento do uso, previsto numa cláusula resolutiva. Em 24 de julho de 1980, curiosamente, já havia uma escritura pública assinada pela cooperativa Tiriri vendendo as terras dos agricultores para o porto de Suape, sem a interveniência do Incra. Na peça, o tabelionato do Cabo tem o cuidado de registrar que não foi apresentada certidões do Incra sobre a propriedade.
Pressão na OAB
Em novembro do ano passado, a OAB chegou a realizar uma audiência pública com os moradores das áreas de Suape, que foram justamente pedir apoio da OAB-PE para os casos de desapropriação suspeitos de irregularidade. No evento, um dos conselheiros da OAB, ; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, João Olímpio Mendonça, chegou a afirmar publicamente que estaria ocorrendo violações dos direitos humanos. Veja aqui.
Em 26 de fevereiro deste ano, quatro entidades, capitaneadas pelo Fórum Suape Sócio-Ambiental, Comissão Pastoral da Terra e MST, divulgaram uma carta aberta cobrando uma posição oficial do presidente da Ordem, Pedro Henrique Reynaldo Alves, depois da audiência pública.
“No caso da OAB, o problema de Pedro Henrique é que ele está agindo mais como procurador do Estado e menos como presidente da entidade, que tem como uma de suas missões defender os interesses difusos, defender o interesse público”, acredita.
O principal pleito do grupo de militantes é pedir que a OAB entre, em Brasília, com uma ação declaratória de nulidade, considerando que, apesar de passado tanto tempo desde os primeiros atos de desapropriação, o caso não prescreve.
Fonte: Blog do Jamildo