Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

“A CPT é fruto de todo um processo, que foi amadurecendo aos poucos e que foi se consolidando”, lembra Antônio Canuto, membro fundador da entidade. A CPT completa, neste ano, 40 anos. Saiba mais sobre o início da Pastoral, as resoluções do Encontro de Goiânia, e veja também alguns depoimentos de pessoas que têm suas histórias ligadas com a da CPT: 

 

Por Antônio Canuto

 

A CPT completa, neste ano de 2015, 40 anos. Ela não nasceu pronta e acabada. É fruto de todo um processo, que foi amadurecendo aos poucos e que foi se consolidando.

Em 1971, no dia de sua ordenação episcopal como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, Dom Pedro Casaldáliga lançou a Carta Pastoral “UMA IGREJA DA AMAZÔNIA EM CONFLITO COM O LATIFÚNDIO E A MARGINALIZAÇÃO SOCIAL”. Carta essa que denunciava a realidade dos indígenas, posseiros e peões numa porção da Amazônia, novo palco da expansão colonial do Brasil.

 

Este grito profético de Dom Pedro encontrou ressonância na igreja e na sociedade. Estava-se em plena ditadura militar. Ao mesmo tempo, um grupo informal de bispos começou a se reunir, provocado pela necessidade de criar laços de solidariedade entre as igrejas em tempos de repressão. Desta articulação foram produzidos três documentos que mostravam a realidade do povo, sentida e compartilhada pela igreja. Os documentos: Ouvi os Clamores do meu Povo; Marginalização de um Povo – Grito das Igrejas eY-Juca-Pirama – o Índio, aquele que deve morrer, desnudavama situação em que viviam os trabalhadores no Nordeste, no Centro-Oeste e a espoliação dos povos indígenas.

 

Ao mesmo tempo, alguns destes bispos, como lembra Ivo Poletto, “provocaram a CNBB a patrocinar um Encontro de bispos e Prelados da Amazônia”, para refletir sobre a realidade desta imensa região. Estes bispos, porém, não agiram sozinhos, “agiram motivados, às vezes provocados, e até empurrados por outros agentes de pastoral que também foram provocados pelos gritos, silenciosos, abafados, mas profundos e doloridos, do próprio povo”.

 

Entre 19 e 22 de junho de 1975, em Goiânia (GO), oficialmente convocado pela Comissão Brasileira de Justiça e Paz, realizou-se o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, do qual participaram 67 pessoas, de 27 dioceses ou prelazias.

Depois da apresentação da realidade vivida pelos trabalhadores na Amazônia Legal e de alguns momentos tensos de debate, uma das decisões tomadas foi a de criar uma “Comissão de Terras”, ligada à linha Missionária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esta comissão, a exemplo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), criado três anos antes, teria como objetivo “interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em favor dos homens sem terra e dos trabalhadores rurais, e estabelecer ligação com outros organismos afins”.

 

A esta Comissão foram apontadas algumas tarefas concretas:

- Traduzir em linguagem popular o Estatuto da Terra e a Legislação Trabalhista Rural para que o trabalhador tivesse consciência dos direitos que a lei lhes garantia.

- Promover campanha em favor dos direitos dos sem terra.

As dioceses e prelazias foram incitadas a assumir este trabalho criando equipes que se dedicassem a conhecer em profundidade a problemática da terra, e a promover campanhas de conscientização dos trabalhadores, além de organizar assessoria jurídica adequada.

Dom Moacyr Grechi, bispo responsável pela linha missionária da CNBB, que em nome da Presidência da CNBB participara do encontro, encaminhou à mesma Presidência e ao Conselho Episcopal de Pastoral (CEP) as resoluções da reunião de Goiânia, que foram aprovadas em reunião de 26 de agosto.

Dom Aloísio Lorscheider, presidente da CNBB, comunicou a Dom Moacyr:

“venho manifestar-lhe o nosso encorajamento, dentro de uma linha de simplicidade, para que vá se concretizando com segurança e tranquilidade o que os bispos decidiram”.

 

Para dar forma a esta Comissão de Terras, um grupo, indicado no encontro de junho, se reuniu de 20 a 22 de outubro. Coube a ele definir o nome desta comissão. Depois de muitas idas e vindas, chegou-se à conclusão de que, por se tratar de uma ação ligada à Igreja, era importante ressaltar seu aspecto pastoral. Assim passou a se denominar Comissão Pastoral da Terra.

 

Em carta enviada aos bispos, em 20 de novembro, Dom Moacyr comunicava a criação da Comissão Pastoral da Terra e a escolha do Padre Ivo Poletto para secretário executivo. Comunicava também que o grupo presente na reunião de outubro constituía a Comissão formada de presbíteros e leigos, “amparados por outros representantes regionais”.

A urgência da realidade provocou a urgência das respostas. Já em dezembro era publicado o primeiro número do Boletim da Comissão Pastoral da Terra, fazendo circular as informações sobre os primeiros passos dados, e sobre ações das igrejas e alguns conflitos que afetavam o povo do campo.

 

"A CPT é uma sementeira que forma lideranças"

Nestes 40 anos de CPT são inúmeras histórias... Veja alguns depoimentos de pessoas que conhecem a CPT desde o seu início ou a encontram nessa longa caminhada

“Ao celebrar os 40 anos da CPT, nós comemoramos juntos esse acontecimento pelo que representa a Comissão Pastoral da Terra para a vida e a existência do MST. Nós nos consideramos filhos da CPT, e como bons filhos, nós seguimos a nossa luta, seguimos lutando pela causa mais justa desse planeta que é a democratização do acesso à terra e o cuidado com a terra. Nós seremos eternamente gratos à CPT por ter estado ao nosso lado, assim como uma mãe que cuida de seu filho, em especial nos momentos mais difíceis das nossas lutas. Seguimos tendo a certeza de que, juntos, nós haveremos de comemorar um dia a tão sonhada e esperada reforma agrária em nosso país”.Valdir Misnerovicz – Coordenação Nacional do MST

 

“Para mim, falar da CPT é falar da minha militância, da minha construção enquanto mulher. A minha formação é uma formação concebida pela Comissão Pastoral da Terra. Eu tenho muito orgulho disso, pois ela é calcada em valores, na ética, no compromisso com a causa dos trabalhadores, dos camponeses em geral. Como camponesa que sou, a formação da CPT me jogou, de certa forma, a sair da minha vida cotidiana para ajudar a comunidade a avançar bem mais na conquista de direitos. O diferencial é que essa formação da CPT foi baseada muito nos princípios da mística do compromisso do  Evangelho de Jesus Cristo. A CPT, nesses 40 anos, contribuiu com a causa de todos os trabalhadores do campo desse país e também com a construção de diversos movimentos, o MMC é um deles”. Rosângela Piovisani – Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

 

“Minha história é uma história muito ligada à da Comissão Pastoral da Terra. A minha vinculação com o Movimento dos Sem Terra vem desde o início de 1985. A CPT é uma sementeira, que forma lideranças, forma gente para o mundo, para agir na realidade, para intervir, para evangelizar e para ter um país mais justo e mais solidário. Acho que se muitas plantações nós temos hoje e se muitas divisões dos latifúndios nós temos, devemos à Comissão Pastoral da Terra”. Sueli Bellato – vice-presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça

 

“Eu cheguei [no Brasil] um mês depois que nasceu a CPT. E quando cheguei não tinha ideia do que poderia encontrar. Por isso, a CPT para mim é um dos marcos que me orientaram. Fui crescendo com a CPT, que me ajudou a compreender a missão da igreja, a missão de ser padre na igreja e nas comunidades. A minha vida e trajetória foram marcadas por causa de Conceição do Araguaia, Frei Henri des Roziers, Ricardo Rezende. A CPT é uma das coisas mais importantes que aconteceu no Brasil depois do Concílio. A democracia que temos, por mais complicada que seja, devemos a movimentos como a CPT. Ela formou muitos militantes. Desejo mais 40 anos, pois talvez hoje precisamos da CPT mais do que nunca, porque a conjuntura, seja na igreja ou na sociedade, não é favorável”. Frei João Xerry – provincial dos dominicanos no Brasil

 

“Eu vejo a importância que tem a CPT, tanto no Brasil quanto na articulação dos movimentos nessa região da América Latina, porque nós nascemos da mesma fonte, na fonte da luta, na fonte de querer construir uma sociedade diferente, de querer construir um Brasil diferente, um Brasil onde não tenha latifúndio, onde não tenha pobreza. Então, a gente reconhece essa importância da presença da CPT em todo esse espaço de luta, em todos esses 40 anos em que teve a lucidez de construir, junto com os movimentos camponeses do Brasil, tantos outros movimentos que vieram dessa raiz de onde veio a própria CPT. Quiçá um dia a gente não seja mais necessária e possamos comemorar a utopia que sempre cantamos”.  Rita Zanotto – Via Campesina América do Sul e Internacional

 

“Para nós do Cimi é uma grande alegria parabenizar a CPT por esses 40 anos de caminhada, de luta, de presença junto aos povos da terra, especialmente os camponeses que lutam por uma reforma agrária que possa distribuir a terra. A CPT, nesses 40 anos, tem sido um instrumento nesse processo e continuará sendo, certamente, por outros tantos 40 anos porque a sua atuação e presença pastoral é e continua sendo necessária diante do contexto que vivemos no Brasil”.Cléber Buzzato – Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

 

“Quero enviar um abraço fraternal e afetivo a todos os companheiros da CPT, pois vocês são os responsáveis por existir o MST. O MST é fruto da experiência histórica do povo brasileiro das lutas por reforma agrária. O MST se sente neto das Ligas Camponesas e filho da CPT, foi por isso que nós erguemos a bandeira da reforma agrária no bojo das lutas pela redemocratização do país”. João Pedro Stedile - Coordenação Nacional do MST

 

 “Vim para Goiás em 1978 e fui para a diocese de Dom Tomás Balduino, onde trabalhei até 1980. E nesse período, Tomás, como fundador da CPT, tinha todo trabalho dentro da metodologia construída e criada dentro da CPT. O que era muito claro para Dom Tomás e para a CPT é que os trabalhadores deveriam assumir a bandeira da reforma agrária, da agricultura familiar, da defesa dos posseiros, e nunca a igreja ocupar o espaço das organizações dos trabalhadores. Esta clareza política, metodológica e pastoral permitiu que a CPT dialogasse com todos os setores que atuavam na organização dos trabalhadores e contribuísse para o seu trabalho. Deste trabalho da CPT, ao longo desses 40 anos, surgiram vários movimentos sociais”. Isidoro Revers (Galego) – ex-coordenador nacional da CPT

 

“Eu tenho uma admiração muito grande pela CPT. Acho que a Comissão Pastoral da Terra é um sinal concreto da presença da igreja, da presença da proposta de vida de Jesus, no meio do povo, no meio dos trabalhadores, no meio de todos aqueles que lutam por direitos humanos, que lutam por justiça. A CPT é um testemunho vivo. Eu desejo que a CPT, fazendo a memória dos 40 anos, continue com essa luta para que realmente possamos construir uma sociedade cada vez mais justa e fraterna”. Frei Marcos Sassatelli – frade dominicano

 

Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

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