Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Para Gulnara Shahinian e representantes da sociedade civil, apesar de ser pioneiro no combate à escravidão, país ainda precisa avançar muito na garantia de direitos a imigrantes


São Paulo (SP) — A relatora da ONU para Formas de Escravidão Contemporânea, a advogada armênia Gulnara Shahinian, defendeu em sua passagem pelo país que o governo brasileiro ratifique a Convenção sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família. Trata-se do acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) que assegura os direitos de trabalhadores migrantes e suas famílias.  Durante audiência pública nesta sexta-feira (9) na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), ela elogiou a experiência brasileira no combate ao trabalho escravo, mas defendeu que o país precisa assinar o tratado para assegurar dignidade a estrangeiros escravizados.

 

Por Guilherme Zocchio, Reporter Brasil

O Brasil é o único país membro do Mercado Comum do Sul (Mercosul) que não é signatário do acordo, em vigor desde 2003. Gulnara aponta que não há proteção suficiente às vítimas do trabalho análogo ao de escravo no Brasil, principalmente àqueles que vêm de outros países. “É preciso de mais ajuda ao imigrante, porque eles ainda estão muito isolados”, pontuou.

 

“O imigrante é uma pessoa com direitos que, por causa da violência que lhe é imposta, seja a guerra, a desigualdade ou a pobreza, se viu obrigado a deixar seu país”, salientou na reunião o Padre Roque Patussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI). No Brasil, uma parcela significativa do contingente de trabalhadores estrangeiros é composta principalmente por latino-americanos, muitos dos quais, por entrarem no país em situação precária, terminam em condições de trabalho subumanas. Recentemente, no Paraná, 71 paraguaios foram encontrados sujeitos à escravidão contemporânea. Além disso, a comunidade de latino-americanos forma um grupo significativo no país. Pelo menos 300 mil vivem hoje só na cidade de São Paulo, segundo levantamento do CAMI.

 

Para Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil, é preciso entender que a situação do trabalho escravo de imigrantes não diz respeito somente ao indivíduo que sai de sua terra para procurar melhores condições de vida, mas deve ser encarada como um problema de toda a sociedade. “A culpa da degradação e do cerceamento da liberdade é só do outro ou é nossa também?”, questionou durante a audiência da comissão de direitos humanos da Alesp. “Precisamos defender a cidadania que é retirada, principalmente dos migrantes que estão aqui em São Paulo”, reforçou no mesmo sentido Luiz Alexandre de Faria, chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP).
Legislação
A falta de uma agência específica para tratar a respeito da imigração no Brasil também corrobora para que não haja uma política mais voltada à defesa dos direitos humanos, de acordo com o padre Roque. “Precisamos da criação de uma agência de imigração que seja desvinculada da Polícia Federal (PF), que tende a criminalizar os estrangeiros”, afirmou.

 

Enquanto não assina a Convenção da ONU, ainda hoje, um dos principais instrumentos jurídicos que orienta sobre a presença de imigrantes no país é a Lei nº 6.815/1980, do período militar, também conhecida como Estatuto do Estrangeiro, e em muitos pontos contraditória a alguns princípios da própria Constituição Federal de 1988. O coordenador do CAMI defendeu a importância de o Brasil adotar políticas favoráveis a migrantes.

 

A relatora da ONU defendeu que o combate ao trabalho escravo deve envolver também “a conscientização dos trabalhadores e a reinserção, para trazer os trabalhadores de volta à situação de normalidade”. Em maio deste ano, ela também defendeu a aprovação da Proposta de Emenda Constucional 57A, a “PEC do Trabalho Escravo”, a qual classificou como “mais poderoso instrumento legal para o combate à escravidão da história do Brasil”.

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