Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Pela primeira vez no país, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) conseguiu concretizar a desapropriação de uma área sob o argumento de que nela foi realizada a prática de trabalho análogo à escravidão.
A fazenda Cabaceiras, que tem 10 mil hectares, fica em Marabá (PA) e é da família Mutran, tradicional no meio rural paraense. Entre 2002 e 2004, três ações do grupo móvel do Ministério do Trabalho resgataram 82 trabalhadores em situação tida como degradante.

Folha de S. Paulo - 18/12/2008

THIAGO REIS
DA AGÊNCIA FOLHA

JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM 


Segundo proposta do Incra, os Mutran irão receber ao menos R$ 21 milhões de indenização. Renata Dávila, subprocuradora-chefe do instituto, disse qu! e o ideal seria a expropriação da terra (sem indenização). O valor ainda será alvo de negociação na Justiça.
Apesar de a decisão da Justiça Federal ser considerada por entidades que defendem os direitos humanos uma vitória histórica, a emissão de posse em favor do Incra só ocorreu após os Mutran terem desistido de um mandado de segurança deferido pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O mandado suspendia os efeitos de um decreto presidencial de 2004 que ordenava a desapropriação.
Segundo Délio Mutran, um dos donos, a família desistiu da ação porque a fazenda está invadida há cerca de dez anos pelo MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Como já havia o decreto, criou-se um impasse jurídico, que impedia a reintegração de posse.
"Não queríamos [desistir]. Lá tem estrada, rio, nascentes, é uma terra fértil! . Mas fazer o quê? O MST radicalizou", disse. Refut! ou a exi stência de trabalho degradante na área e disse que houve "exagero" nas blitze.
Contribuíram para a decisão da Justiça danos ambientais e a conclusão de que a terra era improdutiva -mesmo havendo, diz Délio Mutran, milhares de cabeças de gado e plantações de castanhas e seringueiras.
O Incra argumentou que a fazenda não cumpria sua função social, obrigação prevista na Constituição. O MST chamou a desapropriação de "conquista". José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra, disse se tratar de "marco histórico".

Para família, valor de indenização é "ridículo"

 

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM
DA AGÊNCIA FOLHA

 

A indenização que será dada aos ! Mutran é alvo de polêmica. Para a família, o valor é "ridículo". Para os movimentos sociais, é um "prêmio" injusto.
Segundo Délio Mutran, os R$ 21 milhões propostos pelo Incra são "ridículos". Para ele, o que piora a situação é que, do total, R$ 12 milhões serão descontados como compensação pelo desmatamento ilegal de uma área da propriedade.
"As benfeitorias ali valem pelo menos três vezes isso", afirmou. "O dinheiro da indenização deveria dar, teoricamente, para comprar outra fazenda como a Cabaceiras. Onde vou fazer isso, com R$ 9 milhões [valor já com o desconto]?", questionou Mutran.
Um perito contratado pela família Mutran tentará, no curso do processo, demonstrar que as casas, cercas e currais valem mais do que o proposto.
Maria Raimunda César, da coordenação do MST no Pará, disse que, de qu! alquer forma, a indenização será um "pr&eci! rc;mio&q uot;.
"Foi constatado trabalho escravo, crime ambiental. Houve apropriação indevida de área da União e não foi cumprida a função social. Com tudo isso, a indenização termina sendo um prêmio para a família."
Para ela, o "governo brasileiro está pagando por uma terra que já é do povo brasileiro". O fato de os Mutran pedirem o triplo, disse Maria Raimunda, "mostra a postura de exploração [adotada pela família]".
Apesar de considerar que a família não devia "receber nada", ela disse que no acampamento 26 de março, montado na área, "o clima é de festa". "Mostra que valeu a pena. Foi construído um território de resistência, que acabou denunciando a problemática do trabalho escravo na região."
Agora, a invasão deve se tornar um assentamento. Amanhã, uma c! erimônia na Cabaceiras com presença do presidente do Incra, Rolf Hackbart, e da governadora Ana Júlia Carepa (PT) lançará também a "pedra fundamental" de uma escola agrotécnica federal no local. (JCM e TR)

 

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