Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

 Em sintonia com a Campanha da Fraternidade de 2023, comunidades camponesas ameaçadas de despejo doam mais de três toneladas de alimentos a populações empobrecidas de municípios da Mata Sul pernambucana.

Famílias camponesas que enfrentam ameaças de despejo e conflitos por terra na Mata Sul de Pernambuco doaram, entre os dias 2 e 5 de maio, mais de três toneladas de alimentos diversificados e saudáveis a populações empobrecidas da região. O gesto de amor e solidariedade foi inspirado no tema da Campanha da Fraternidade de 2023 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “Fraternidade e fome”, e no seu lema, "Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14.16)”.

Setor de comunicação da CPT NE2

As famílias que realizaram as doações cultivam alimentos mesmo diante da mira da violência no campo e das ameaças. Elas vivem nas comunidades dos Engenhos Fervedouro e Barro Branco, em Jaqueira; Roncadorzinho, em Barreiros; Canoinha, em Tamandaré; Barra do Dia, Couceiro e Tambor, em Palmares; e Pau D’Olho, em Catende. Todas elas possuem histórico de violações de direitos e violências sofridas em razão da sua luta pela permanência nos locais onde se constituíram secularmente.

Com o apoio da CPT, cada comunidade recolheu o que tinha nas suas roças momentos antes da partilha: macaxeira, jerimum, mamão, laranja, coco, banana, cacau, entre outras frutas e hortaliças. Os frutos da terra, cultivados sem veneno e em harmonia com o meio ambiente, foram entregues à Creche Padre Enzo, em Tamandaré; a bairros de periferia do município de Jaqueira; à Casa de Recuperação Nova Jericó, em Palmares; e à Associação de mães de filhos(as) especiais de Catende.

Mesmo diante do quadro de ameaças e inseguranças, as famílias decidiram realizar a ação, animadas pela mensagem da Campanha da Fraternidade. “Ao partilhar o pão, a gente se encontra com Jesus. Na Bíblia, Jesus fala da importância de compartilhar o que nós temos para as pessoas que não têm, mesmo que seja pouco. As comunidades sentiram a presença de Jesus quando realizaram as doações e perceberam a gratidão no olhar de todos que receberam os alimentos. Não vamos deixar de nos esforçar para fazer mais doações às pessoas que precisam”, destaca Carlos Andrade, jovem camponês da comunidade de Fervedouro e integrante da equipe da CPT na região.

Para Edina Maria, jovem agricultora da comunidade de Barra do Dia e integrante da CPT também na região da Mata Sul, a iniciativa ainda comprova que o combate à fome passa pela Reforma Agrária e pela valorização da agricultura camponesa e daqueles e daquelas que praticam a agroecologia e o cuidado com a Casa Comum. A jovem avalia que “foi muito importante a gente doar um pouco do que plantamos com o nosso suor para alimentar o Brasil e as pessoas que têm fome. A gente colheu os alimentos. Foram doados com muito amor para mostrar que a agricultora camponesa está cada vez mais unida e forte no nosso município, no estado e no Brasil.”

A expectativa é que as comunidades apoiadas pela CPT na Mata Sul de Pernambuco organizem, nos próximos meses, mais doações de alimentos produzidos em suas roças em referência à Campanha da Fraternidade e à mensagem que fortalece a solidariedade entre os povos: "dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14.16)”.

Comunidades e agricultura camponesa ameaçadas - “Agricultura familiar: mãos que alimentam a nação”. A frase é do agricultor e presidente do Sindicato dos(as) Trabalhadores(as) na Agricultura Familiar (Sintraf) do município de Jaqueira, Almir Muniz. O camponês, que participou das doações, soma-se à luta de diversas comunidades, associações comunitárias e sindicatos rurais da região para defender a agricultura camponesa e garantir o direito à terra. Na região, 1.500 famílias que vivem em mais de dez comunidades camponesas posseiras apoiadas pela CPT e por outras entidades, como a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), lidam com o medo de perderem o chão sobre o qual construíram suas vidas. Essas comunidades estão há tantas gerações fincadas na terra que os mais novos guardam histórias remotas dos mais velhos sobre as locomotivas que transportavam açúcar e sobre a chegada do asfalto.

Contudo, nos últimos quatro anos, conflitos agrários eclodiram na localidade. As famílias que ali vivem há gerações, sem nunca terem seus direitos de propriedade reconhecidos, passaram a enfrentar o terror. A tensão na região encontra suas raízes no modelo de produção sucroalcooleiro. Na Zona da Mata, diversas usinas de cana-de-açúcar acumulam débitos milionários com o estado, com a União e com trabalhadores(as) rurais, como é o caso da usina Frei Caneca, no município de Jaqueira, desativada há mais de quinze anos. As suas terras passaram a ser arrendadas ou vendidas por meio de leilões judiciais a empresas do ramo da pecuária sem que fossem observados os direitos das famílias que ali residiam há décadas. Essas empresas estão sendo denunciadas sob a acusação de invasão de terras e de promover práticas violentas contra as centenas de famílias posseiras que moram na localidade, sendo muitas credoras daquela usina. Os casos de violência reportados às autoridades pelas comunidades são: destruição e queimada de lavouras e da mata nativa; destruição de cercas; destruição de fontes d'água; contaminação de lavouras e de fontes d’água por agrotóxicos aplicados por meio de drones; impedimento de circulação; vigilância por meio de drones; esbulho de posses; presença de milícia privada; perseguição; intimidação; ameaças de morte; tentativa de assassinato; assassinato.

Os leilões judiciais de imóveis da Frei Caneca e de diversas outras falidas ou desativadas são questionados pelas famílias e organizações sociais por conter indícios de fraude e por alimentar um esquema de “lavagem de terras”, uma vez que as áreas estão sendo adquiridas a preços vis por empresas ligadas às proprietárias. Tal medida livra os imóveis das dívidas fiscais e trabalhistas a que estão vinculados. Para a CPT, a prática representa um grave golpe aos direitos possessórios e territoriais das comunidades ali residentes e vai na contramão de todos os esforços empregados para evitar que a violência no campo atinja patamares ainda mais dramáticos na região.

As famílias têm clamado para que as autoridades governamentais atuem de modo enérgico para estancar a violência no local. A principal reivindicação é a conversão das dívidas milionárias das usinas em terras a serem destinadas formalmente às comunidades agricultoras posseiras. Enquanto sofrem violações de direitos humanos e ameaças de despejo, as famílias seguem firmes na esperança por terra, dignidade, mesa farta e prato cheio, sobretudo num tempo em que a fome volta a flagelar milhões de pessoas em todo o país.



 

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