2020 foi o ano com o maior número de conflitos no campo, de ocorrências de conflitos por terra, de invasões de territórios e de assassinatos em conflitos pela água já registrados pela CPT. Pernambuco é o segundo estado do país com o maior registro de ameaças de morte no campo e o sétimo mais conflituoso para povos que lutam pelo direito à terra e ao território.
Em 2020, o estado de Pernambuco registrou 103 ocorrências de conflitos no campo envolvendo 37.136 pessoas. A média equivale a um conflito a cada 3 dias e meio. O levantamento está no Caderno Conflitos no Campo Brasil - 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A publicação, lançada no fim de maio, mostra a situação de violência a que estão submetidas comunidades e populações camponesas no país.
A publicação revela ainda outro dado alarmante. O estado foi o segundo do país com maior número pessoas ameaçadas de morte, ficando atrás apenas do Pará. Foram 36 camponeses/as, indígenas e posseiros/as que sofreram esse tipo de violência em Pernambuco, vinte dos quais vivem na Mata Sul do estado. O número é o mais elevado em 35 anos de registro da Pastoral e 800% maior em relação a 2019, quando foram registradas 4 pessoas ameaçadas.
Geografia da violência no campo em Pernambuco - Dos conflitos no campo registrados pela Pastoral, 70% ocorreram na Zona da Mata, seguida da Região Metropolitana do Recife (16,5%), do Sertão (10,5%) e do Agreste (3%). O relatório mostra ainda que do total de pessoas envolvidas nos conflitos no campo, 14.264 estiveram relacionadas aos conflitos pela terra e 22.872, aos conflitos pela água. Cerca de 70% de todas as ocorrências envolveram comunidades posseiras, seguidas de populações pesqueiras, indígenas, quilombolas e sem-terra.
Os dados revelam a concentração dos conflitos na região da Zona da Mata Sul que, como aponta Geovani Leão, agente pastoral da CPT, “vem passando por transformações em sua matriz produtiva”. Geovani destaca que “com a decadência e as dívidas milionárias do setor sucroalcooleiro, as terras da região estão sendo arrendadas ou vendidas para empresas do ramo imobiliário e pecuarista”. Ano passado, em plena pandemia, esses empreendimentos foram constantemente denunciados sob a acusação de invasão de terras e de promover violências contra centenas de famílias agricultoras credoras das antigas usinas e que moram na região há décadas. O agente pastoral avalia que as ações do Estado para conter a violência na região ainda são paliativas e que sem Reforma Agrária e sem medidas de reestruturação socioprodutiva o resultado continuará sendo a eclosão dos conflitos no campo.
Apesar do quadro de violência no campo, que classificou Pernambuco como o sétimo estado mais conflituoso do país, os povos da terra, das águas e das florestas marcaram o ano de 2020 com muita solidariedade. As ações de doação de alimentos da agricultura camponesa às populações empobrecidas, assim como mobilizações ocorridas on-line, foram registradas pela CPT, em virtude da pandemia, como parte da categoria de manifestações. As iniciativas de solidariedade, deste modo, estão entre as 99 ocorrências de manifestação registrada em Pernambuco. O estado é o 3º do país com mais registros desse tipo, ficando atrás apenas do Paraná e do Rio Grande do Sul.
Para Denis Venceslau, agente pastoral da CPT no Sertão do Pajeú, "mesmo diante da elevada violência no campo e dos conflitos agrários, as famílias não perderam a solidariedade. Nem em 2020 nem em 2021. Os camponeses e camponesas não pararam de produzir, não perderam as esperanças e não deixaram o seu próximo de lado, ao contrário, dividiram o pouco que tinham, o que da terra conseguiram colher”.
Conflitos no campo Brasil – Esta é a 35ª edição do relatório que reúne dados sobre os conflitos e as violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, bem como indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais da terra, das águas e das florestas. Editada pela primeira em 1985, a publicação se tornou referência nacional e internacional e instrumento fundamental de denúncia das violências a que estão submetidos cotidianamente povos e comunidades que vivem no campo brasileiro. Na publicação, é possível encontrar informações a respeito dos conflitos por terra, conflitos pela água, trabalho escravo, manifestações, violências contra a ocupação e a posse e contra a pessoa, como assassinatos, ameaças de morte, entre outras categorias de violência no campo. Também estão disponíveis no livro diversos artigos e análises dos dados levantados.