Famílias denunciam que a Prefeitura Municipal de Jaboatão dos Guararapes e suposta proprietária da área, a empresa Destak empreendimentos imobiliários, agem conjuntamente para retirá-las do local onde vivem há décadas.
Como quem quer comprovar sua existência e dignidade, o trabalhador rural Izael dos Santos mostrou à CPT a sua primeira carteira de trabalho, remendada com esparadrapos para que as folhas, um pouco já devoradas pelo tempo, não se soltassem. Emitido na década de 1950, o documento comprova as várias décadas de serviço prestado à antiga Usina Jaboatão, localizada no município de Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. Seu Izael passou a trabalhar para a Usina e a morar em um pequeno sítio no Engenho Suassuna, localizado em terras da empresa, a partir do dia 23 de abril de 1956. A Usina foi desativada em 1996. De lá pra cá, Seu Izael e família permaneceram vivendo na área, cultivando a terra, plantando alimentos como inhame e macaxeira, além de diversas fruteiras.
A história de Seu Izael é também a história da maioria das famílias que vivem hoje na área denominada atualmente de Gleba 05, no Engenho Suassuna. São famílias posseiras que moram no Engenho há várias gerações, cultivando e produzindo alimentos. Com o passar dos anos, e com a Usina desativada, outras famílias chegaram à terra para viver. Atualmente, a Gleba 05 é habitada por cerca de 60 famílias, sendo a grande parte formada por agricultores e agricultoras.
Imagens: Carteira de trabalho de Izael dos Santos - Engenho Suassuna. Créditos: Renata Albuquerque/CPT NE2
Início do conflito - Em 2016, essas famílias foram surpreendidas com tentativas de remoção forçada por parte da empresa Destak Empreendimentos Imobiliários, suposta nova proprietária das terras, que passou a empreender investidas ilícitas contra os/as moradores/as, como derrubada de casas, de plantações e de outras benfeitorias. A Secretaria estadual de Justiça e Direitos Humanos, por meio do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PEPDDH), foi acionada para acompanhar o caso. Uma equipe do Programa realizou visitas na área e de acordo com relatório de monitoramento elaborado, “o caso versa sobre a contraposição, de um lado, do direito à terra e à moradia de dezenas de famílias, garantidos constitucionalmente e por tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, e, de outro, interesses particulares.” O relatório fala ainda que diversos Boletins de Ocorrência e Inquéritos Policiais foram instaurados em decorrência das ameaças, intimidações e derrubadas de casas sem ordem judicial contra as famílias posseiras.
Situação se agrava com “tentativa de acordo” mediada pela Prefeitura Municipal - A situação se agravou nos meses de dezembro de 2018 e janeiro deste ano, quando uma proposta de acordo mediada pela Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes deixou o clima ainda mais tenso na comunidade. A proposta apresentada consiste em retirar as famílias de seus sítios localizados da Gleba 05 e realocá-las em uma área próxima, uma encosta mais adensada e sem características rurais, denominada Gleba 01. Em troca, a prefeitura propôs regularizar a posse de quem já vive na Gleba 01.
A atuação da Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes tem sido considerada como irresponsável pelas famílias, pois condiciona a regularização da posse de moradores que vivem na Gleba 01 à remoção forçada das famílias que vivem na Gleba 05, o que causa ainda mais tensão na área. Ainda de acordo com as posseiras e os posseiros entrevistados, a prefeitura parece agir em conformidade com a empresa para retirá-los da área.
A advogada da CPT enfatiza que as famílias sitiantes do Engenho Suassuna possuem direitos sobre a terra em que vivem. “O estado de posse consolidado durante anos gera direitos e essas famílias estão há muitos anos na área, exercendo a posse de forma legítima e pacífica. O proprietário é quem vem turbando e ameaçando o direito dessas famílias”, ressalta.
Mapa das Glebas 01 e 05 - Engenho Suassuna - Município de Jaboatão dos Guararapes/PE. Crédito: Renata Albuquerque/CPT N E2
Famílias são invisibilizadas - Uma das estratégias da empresa tem sido invisibilizar intencionalmente as famílias e suas posses. Sobre isso, a advogada Mariana Maia cita como exemplo uma Ação de Interdito Proibitório ajuizada pela empresa Destak contra o presidente da Associação de Moradores e Agricultores do Engenho Suassuna, Fábio Ferreira. Na Ação, a empresa chega a negar inicialmente a existência de famílias moradoras da área, fazendo-as parecer pessoas de fora que estão no Engenho para tumultuar supostas obras de infraestrutura que alega realizar no local.
Do outro lado, a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes também invisibiliza os modos de vida das famílias posseiras, que desenvolvem atividades agrícolas na Gleba 05. Mesmo possuindo características rurais, o local foi decretado pela administração municipal como área de expansão urbana.
"Não somos invasores" - Dona Josefa Joaquina, trabalhadora rural, vive em um sítio na comunidade. Ela comenta que chegou no local em 1963 junto com seu marido, que naquele ano começou a trabalhar na Usina. “A usina nunca pagou o direito do meu esposo. Até férias ela ficou devendo. Ele já faleceu, mas eu fiquei aqui, esperando meus direitos. Estou nessa casa há 55 anos e 11 meses”.
Outro antigo morador do Engenho também indaga: “fico aperreado, sou pobre, não posso pagar casa própria. A Usina nunca pagou minhas contas. O que resta pra mim é esta casinha. Construí minha família aqui. E agora, como eu fico? Não consigo dormir de noite pensando que vão me destruir se me botarem na rua”.
Imagens: Trabalhador rural José da Hora e sua carteira de trabalho, Engenho Suassuna. Créditos: Renata Albuquerque/CPT NE2
O agricultor José da Hora, que vive no Engenho Suassuna desde 1957, também mostra indignação com a situação. “Querem deslocar a gente dos sítios pra nos colocar numa encosta onde já vivem mais de 200 ou 300 famílias. Não tem como dar certo”. Já o trabalhador rural José Maurício da Silva é morador do Engenho Suassuna há cerca de 50 anos. Ele ressalta que trabalhou para a Usina Jaboatão desde a década de 1970 até o ano em que foi desativada, em 1996. “Não recebi nada [direitos] da Usina. Agora, compraram as terras e pensam que nós somos invasores, mas nós somos moradores antigos. Querem tirar a gente daqui. Como a gente vai ficar?”
Outras informações:
Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste 2
Fone: 3231.4445