“Vivo aquele dia há vinte anos”, desabafa Valdireide da Silva sobre o dia em que o seu marido, Luís Carlos da Silva, foi assassinado com um tiro na nuca, enquanto tentava fugir da emboscada planejada por Marcelo Renato da Silva e Sylvio Cláudio Coutinho, comandante da Polícia Militar e chefe de segurança da Usina Santa Teresa, respectivamente. O crime ocorreu no dia 04 de novembro de 1998, no meio do canavial do Engenho Terra Rica, no município de Goiana/PE. Na ocasião, outros 13 trabalhadores foram feridos à bala.
Foram condenados, nessa sexta-feira, dia 13 de abril de 2018, em um julgamento realizado no Fórum Rodolfo Aureliano, no Recife, os dois comandantes da operação que resultou no assassinato do canavieiro Luís Carlos da Silva e na tentativa de homicídio de mais treze trabalhadores rurais, ocorrida há vinte anos (1998), durante uma manifestação grevista pacífica, no Engenho Terra Rica, no município de Goiana, zona da mata de Pernambuco.
A tese de dolo eventual apresentada pela acusação - Ministério Público-, foi acolhida pela maioria dos jurados. Apesar de não estarem presentes no momento do crime, o comandante da Polícia Militar, Marcelo Renato da Silva, e Sylvio Cláudio Coutinho, na época chefe de segurança da Usina Santa Teresa, planejaram a emboscada no dia anterior e armaram, com espingardas calibre 12 de repetição, a equipe que se dirigiu ao local, culminando no assassinato de Luís Carlos e na tentativa de homicídio de mais treze trabalhadores. O júri entendeu que, ao agirem de tal forma, ambos assumiram os riscos dos resultados da operação que colocou em fogo cruzado os canavieiros.
O comandante da Polícia Militar, Marcelo Renato da Silva, foi condenado a 16 anos pelo homicídio consumado qualificado que teve como vítima o canavieiro e também pelas 13 tentativas de homicídio. Já Sylvio Cláudio Coutinho, na época chefe de segurança da Usina Santa Teresa, foi condenado a 10 anos e 8 meses de reclusão pelas 13 tentativas de homicídio. A advogada da Comissão Pastoral da Terra, Gabriella Santos, ressalta que a diferença nas condenações se deu por um equivoco do júri na hora da sentença. O Ministério Público analisará a possibilidade de entrar com um recurso para corrigir o erro.
O crime - No início do mês de novembro de 1998, centenas de canavieiros vinculados ao Sindicado de Trabalhadores Rurais do município de Goiana deflagraram uma greve para reivindicar melhores condições de trabalho e reajuste salarial. A administração do Engenho Terra Rica, pertencente à Usina Santa Teresa, contratou trabalhadores de outras localidades para fazer o serviço dos grevistas. Sabendo de tal artifício, representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Goiana, em conjunto com cerca de 80 canavieiros, se dirigiu ao Engenho, em 04 de Novembro de 1998, para pacificamente dialogar e apresentar as motivações da greve para os trabalhadores que não conheciam a realidade da zona da mata pernambucana.
No meio do caminho, os canavieiros em greve foram surpreendidos com um bloqueio formado por Policiais Militares e seguranças da Usina Santa Teresa, que portavam espingardas calibre 12 de repetição. Minutos depois, por trás dos grevistas, chegou uma caminhonete também com policiais e seguranças já atirando contra os trabalhadores rurais, que correram para tentar se proteger. Após o crime praticado pela milícia privada da Usina Santa Teresa - Polícia Militar e pelos seguranças da empresa-, o resultado foi de treze trabalhadores rurais feridos pelas costas, e a morte do trabalhador rural, covardemente assassinado com um tiro na nuca. LUÍS CARLOS DA SILVA, o canavieiro assassinado, era funcionário da Usina, tinha apenas 27 anos de idade, era casado e tinha dois filhos.
Em 2008, no Recife, ocorreu o julgamento do caso, considerado o maior da história do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). O Julgamento teve duração de cinco dias e condenou por unanimidade (7x0), 14 dos 15 réus, sendo cinco policiais militares e nove vigilantes e funcionários da Usina Santa Teresa, incluindo os dois comandantes da operação.
Contudo, Marcelo Renato e Sylvio Cláudio recorreram da decisão proferida pelo Tribunal do Júri, mas o TJPE manteve a condenação. Após o segundo recurso, os comandantes da operação conseguiram obter na Justiça a anulação da sentença. A anulação, no entanto, só foi valida para os dois, que passaram a ser réus nesse novo julgamento, ocorrido na sexta-feira, dia 13.
Impunidade e violência no campo - O caso do assassinato do canavieiro Luís Carlos da Silva e da tentativa de homicídio de outros 13 trabalhadores rurais no município de Goiana/PE completa, em 2018, 20 anos. Apesar de o julgamento ocorrido em 2008 ter condenado 14 pessoas, até o momento, ninguém iniciou o cumprimento de suas penas.
A situação, contudo, não é novidade para o país que mantém impunes aqueles que cometem crimes contra populações camponesas e trabalhadores rurais. De acordo com estimativas da CPT, nos últimos 30 anos, mais de 1.730 trabalhadores rurais e camponeses/as foram assassinados no campo em contextos de conflitos por terra e território e em lutas por direitos trabalhistas. No entanto, a punição dos criminosos é praticamente inexistente. Segundo levantamento da CPT realizado em 2015, nessas últimas três décadas, somente 108 casos foram levados a julgamento e pouco mais de 80 pessoas condenadas, além de mais de 20 mandantes. Mas, nenhum deles está preso.
Apesar do cenário desalentador, o julgamento dos comandantes da operação que resultou no assassinato do canavieiro Luís Carlos da Silva representou uma grande vitória, não somente para a família da vítima, mas para todos os trabalhadores e trabalhadoras que, ao lutarem por seus direitos, veem suas vidas ameaçadas. Para o Padre Tiago Thorlby, da CPT, o dia 13 de abril de 2018 começou há vinte anos. “Vinte anos é um longo ‘dia’ para esperar algum sinal de justiça. Às vezes custa acreditar que haja justiça, mas hoje sentimos um pouco do fluir do rio da justiça, sentimos o direito brotando como um riacho numa terra seca. Ainda falta muita coisa, mas é importante sentir esta vitória para termos animo e seguir a caminhada sem temer, com o povo acreditando no próprio povo”.