Na manhã desta segunda-feira, 31 de março, vespera dos 50 anos do Golpe Militar, quem ocupou as ruas não foram os militares, mas, sim, trabalhadores e trabalhadoras rurais. Milhares de homens e mulheres da Zona da Mata bloquearam, das 6h às 9h, os trechos da PE28 - Estrada de Gaibu e das BRs 232, 101 Norte e 101 Sul . Nesta última, houve momentos de tensão, em frente à Fábrica da Vitarella. Equipes do GATI e do Choque dispararam balas de borracha e spray de pimenta contra os manifestantes. O trabalhador rural João Alexandre, de 60 anos, foi agredido e atingido na cabeça por um capacete jogado por um homem que passava no local. Ele ficou caído e inconsciente, sendo socorrido por seus companheiros, enquanto os policiais das duas corporações davam cobertura para que o agressor fugisse do local, mesmo com os gritos dos trabalhadores pedindo que ele fosse detido. Segundo informações, esse homem havia se apresentado, minutos antes, como policial. Até o fechamento deste texto, a vítima ainda estava sendo atendida no Hospital da Restauração, para onde foi levada pelo SAMU.
No bairro do Derby, no Recife, a programação envolveu panfletagem e distribuição de alimentos da agricultura familiar. O ato como um todo teve o objetivo de denunciar a morosidade do governo do estado em colocar em prática as reivindicações entregues, desde agosto do ano passado, por movimentos sociais e sindicais e organizações não-governamentais, por meio do documento Diretrizes para a Reestruturação Socioprodutiva da Zona da Mata.
Na avaliação do presidente da Fetape, Doriel Barros, as manifestações foram bastante positivas. “Essa ação conjunta visou denunciar e, ao mesmo tempo, cobrar do governo do estado e do governo federal o compromisso com uma política estruturadora na região da Zona da Mata. Mesmo tendo recebido o nosso documento, até agora, o governo não nos chamou para discuti-lo. Se o governo não responder à nossa pauta, estaremos fazendo outros movimentos para cobrar”, pontuou.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores(CUT), Carlos Veras acredita que o protesto serviu para denunciar os equívocos políticos na Zona da Mata. “Nós não podemos admitir que sejam liberados mais de R$ 30 milhões para recuperar usinas falidas e esse dinheiro não seja investido na agricultura familiar. Essas terras da Zona da Mata deveriam ter sido desapropriadas para servir para a agricultura familiar, servir para a reforma agrária. Não podemos aceitar, também, que seja tirado dinheiro do Programa Chapéu de Palha para colocar no acesso à Arena Pernambuco. Vamos continuar firmes, cobrando do governo do estado, cobrando do governo federal que atendam às reivindicações dos trabalhadores rurais”, criticou.
Já o coordenador Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Jayme Amorim, considerou a manifestação de hoje um marco. “Hoje é um dia importante para a história, em função dos 50 anos da Ditadura Militar. Estar fazendo luta em defesa da Zona Canavieira e em protesto contra tudo o que ocorreu de engodo nesse período de violência é também ter clareza da história que atropelou e destruiu grandes possibilidades”, defendeu.
No trecho da BR 101 Norte,antes de liberar as vias, os trabalhadores saíram em marcha pela estrada até a entrada de Goiana. Na caminhada, gritavam palavras de ordem e afirmavam que não desistirão de lutar até que a Reforma Agrária aconteça. Na avaliação do padre e integrante da Comissão Pastoral da Terra Thiago Torby, a manifestação revelou a força da classe trabalhadora. “Esse momento é importante porque a população está fazendo valer o seu direito e cobrando do governador Eduardo Campos os compromissos assumidos com a reestruturação socioprodutiva da Zona da Mata, mas que até agora nada foi feito”, alertou.
As mobilizações foram organizadas por diversos movimentos e organizações sociais e sindicais que atuam na luta pela terra e por condições mais dignas de vida para a população que mora e trabalha no campo. São elas: FETAPE, CPT, MST, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Zona da Mata, Contag, CUT, CTB, Centro Sabiá, Serta, Fase, Centro Josué de Castro, LecGeo/UFPE, ICN, Assocene, Coopagel, Coopag e Centro das Mulheres do Cabo.
Os trabalhadores e trabalhadoras rurais reivindicaram uma série de medidas emergenciais e estruturantes para a região, no que diz respeito à permanência e acesso à terra e ao território; assalariamento rural; sistema produtivo, agroecologia, segurança e soberania alimentar; e políticas públicas e projetos/programas sociais.
Além das propostas, as organizações denunciaram o atual contexto de violação de direitos em que vive a população do campo na Zona da Mata. A região canavieira tem passado por profundas mudanças nas suas bases produtivas, onde o monocultivo da cana-de-açúcar passa a dividir espaço com o investimento e a instalação de grandes empreendimentos industriais. No entanto, denunciaram os movimentos sindicais e organizações sociais que atuam na região, que este novo cenário tem aumentado as dívidas sociais históricas que deixam profundas marcas para as famílias que vivem no campo.
Mesmo com mudanças em suas bases produtivas, a estrutura fundiária na região permanece intocada. A ausência de medidas que visem modificar os índices de concentração de terras, - um dos mais altos do país - condena a população do campo a viver em situações alarmantes de conflitos agrários ou em condições desumanas nas periferias dos municípios. A Zona da Mata também possui municípios com alguns dos piores Índices de Desenvolvimento Humano de Pernambuco e do Brasil, além de ostentarem altos índices de analfabetismo. Segundo dados do IBGE, 17,6% da população da região ainda vivem em situação de extrema pobreza e cerca de 50% das famílias dependem de programas de transferência de renda para sobreviver.