O Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco realiza nesta próxima terça-feira, dia 22 de outubro, Audiência para debater os processos de criação de Reservas Extrativistas (Resex) no estado. A Audiência, convocada pela procuradora Drª Silvia Regina, acontecerá às 14h, na Sede da Procuradoria da República, em Recife. O objetivo será discutir os principais entraves que hoje impedem a concretização das Reservas Extrativistas no estado. Na ocasião, serão debatidos os casos dos Projetos de Resexs nas Ilhas de Sirinhaém e em Rio Formoso, ambas localizadas no litoral sul de Pernambuco.
Estarão presentes na ocasião, representantes das Associações e Colônias de Pescadores e pescadoras de Ipojuca, Barra de Sirinhaém, Rio Formoso, Tamandaré, moradores e moradoras dos locais, além de organizações sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Instituto Recife costeiros (IRCOS).
A criação das Resexs garantirá a proteção do ecossistema e o sustento de cerca de milhares famílias que vivem da pesca tradicional na região. Para a CPT, a realização desta Audiência será um momento estratégico para exigir a imediata criação das Reservas, como única saída para a preservação ambiental nas áreas, além de garantir uma reparação histórica à população que depende da atividade da pesca artesanal no local. “O Estado tem obrigações constitucionais para criar a RESEX e a sociedade tem o direito de ter o ambiente preservado, a cultura dos povos garantida, o trabalho nos mangues assegurado, e o direito de acesso a água e a terra, ou seja, ao território”, enfatiza Plácido Júnior, integrante da CPT.
No caso de Sirinhaém, todas as etapas, estudos e procedimentos exigidos para a criação de uma Reserva já foram realizados e finalizados pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e IBAMA ainda em 2009. No entanto, desde então o processo encontra-se paralisado, porque tem esbarrado em um conjunto de disputas e entraves políticos entre o Governo Federal e Estadual. Os detalhados diagnósticos e laudos ambientais, sociais e econômicos elaborados pelo ICMBio e IBAMA apontaram para a necessidade imediata da criação da Resex nas Ilhas, que são terras da União, mas estão aforadas à Usina Trapiche. Nesses estudos, ficaram registrados também os impactos e a degradação do estuário e do mangue de Sirinhaém, decorrente da ação conjunta de vários fatores ligados ao modelo econômico da região, em particular, pela ação de degradação ambiental causada pela Usina Trapiche.
Caso de Sirinhaém é alertado pela OXFAM em relatório internacional - Nas últimas semanas, a criação da Resex nas Ilhas de Sirinhaém ganhou novamente repercussão na mídia e no estado, a partir do relatório elaborado pela Organizcação Não Governamental internacional OXFAM, intitulado O Gosto Amargo do Açúcar. O relatório, divulgado semanas antes da convocação da Audiência, aborda o caso e alerta para a relação entre o Comércio internacional de açúcar com as compras e expropriações de terras que contribuem para o acirramento de conflitos agrários. Para a elaboração do estudo, integrantes da OFXAM estiveram presentes em Pernambuco e realizaram pesquisas, visitas à área em questão, entrevistas com ex-moradores das Ilhas de Sirinhaém, pescadores, com a Comissão Pastoral da Terra. De acordo a Organização, muitas das terras adquiridas para a produção de açúcar na última década “estão relacionadas a violações dos direitos humanos, perda dos meios de subsistência e fome para os pequenos produtores e suas famílias”.
Histórico do Caso de Sirinhaém
Em jogo: disputa pelo domínio sob as terras da União - As ilhas de Sirinhaém, localizadas no litoral Sul de Pernambuco era o local onde viviam 53 famílias de pescadores tradicionais, que foram expulsas do local após décadas de pressão intermitente da Usina Trapiche. As terras de manguezal pertencem a União, mas há anos estão aforadas à usina Trapiche. De acordo com o registro oral das famílias, desde 1914 a comunidade pesqueira ocupava as ilhas de Sirinhaém, mas nos últimos 25 anos, estes pescadores passaram a enfrentar um conflito e disputa territorial com o monocultivo da cana-de-açúcar na região. Foi a partir de 1998, com a compra da Usina pelo empresário Luiz Antônio de Andrade Bezerra, que a situação se agravou.
A partir daí, a empresa sucroalcooleira intensificou a violência para a expulsão das famílias que residiam no local. Através de ações violentas, perseguições, ameaças e queima de casas, a Usina Trapiche expulsou, uma a uma, as famílias que viviam nas ilhas. Em 2010, a Usina conseguiu, por decisão judicial, retirar das ilhas as duas últimas moradoras que ainda viviam e resistiam nas ilhas. O pedido de criação da Resex vem desde 2006, quando as famílias que moraram nas Ilhas - com o apoio da população local, da Colônia e da Associação de pescadores e de diversas organizações ambientalistas e de direitos humanos, como a Comissão Pastoral da Terra - solicitaram a criação da Resex ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) e também ao Ibama.
O ICMBio manifestou publicamente o interesse em criar a Reserva Extrativista na área, como forma de proteger o meio ambiente e de garantir que as famílias expulsas pela Usina Trapiche pudessem ser realocadas na área. Todos os estudos e processos administrativos necessários para a criação da Reserva já foram concluídos. Entretanto, o processo de criação da Resex encontra-se paralisado desde 2009 por falta de interesse político e entraves entre o Governo Federal e Estadual.
Crimes ambientais – O volume de processos e denúncias que recaem sobre a Usina Trapiche não é pequeno. Apesar de as denúncias serem frequentes, muitas sequer resultam em um processo de fiscalização. No entanto, as que resultaram em multas efetivas para a Usina tornaram-se emblemáticas e comprovam a degradação ambiental praticada pela Trapiche na região. Uma delas aconteceu em 2008, quando o Ministério do Meio Ambiente autuou todas as 24 usinas de cana-de-açúcar de Pernambuco existentes na época, entre elas, a Usina Trapiche, por serem infratoras da legislação ambiental e responsáveis pela destruição da cobertura vegetal nativa, especialmente de Mata Atlântica, além da contaminação dos cursos de água. A fiscalização do Ibama constatou que as usinas pernambucanas não respeitam as reservas legais (de 20% das propriedades, no Nordeste) e estendem as plantações às áreas de preservação permanente (APPs), especialmente às margens dos rios. As usinas foram multadas em R$ 120 milhões, sendo R$ 5 milhões para cada.
Em 2009, a Usina Trapiche foi novamente autuada pelo IBAMA, que identificou no Rio Sirinhaém e seus afluentes, dejetos orgânicos, fruto da lavagem industrial da cana de açúcar que estavam sendo despejados pela Usina. Esse material, segundo o IBAMA, é considerado de alto valor poluente, e que foi a causa do morticínio dos peixes e da poluição dos rios da região. Com isso, a Usina Trapiche foi multada em R$ 1 milhão de reais, pelo crime que se enquadra no artigo 54 da legislação ambiental. Em abril de 2011, Tratores da Usina Trapiche foram flagrados abrindo uma estrada clandestina em Sirinhaém. Tal ato provocou destruição e desmatamento da vegetação nativa. A via, com cerca de um quilômetro, é paralela ao Riacho Sibiró, e corta área de Mata Atlântica e de mangue.
Serviço:
Audiência no Ministério Público Federal sobre criação de Reservas Extrativistas em Pernambuco Local: Sede da Procuradoria da Republica (Av. Agamenon Magalhães, n. 1.8000)
Data: Terça-feira, dia 22/10, às 14h
Outras informações:
Comissão Pastoral da Terra - Regional Nordeste II
Renata Albuquerque: (81) 9663-2716