Evento reuniu lideranças e comunidade em Alagoa Nova para debater conquistas e desafios na luta pela igualdade de gênero
Na terça-feira (18), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Diocese de Campina Grande marcou presença na audiência pública realizada na Câmara Municipal de Alagoa Nova, no Agreste paraibano, a convite da Associação Cultural e Agrícola dos Jovens Ambientalistas da Paraíba (ACAJAMAN).
O evento aconteceu dentro das atividades alusivas ao Mês da Mulher e reuniu cerca de 70 pessoas, incluindo estudantes do ensino médio, secretárias municipais e vereadores.
Com o tema “Avanços e retrocessos dos direitos das mulheres”, a audiência contou com a participação de Vanúbia Martins, psicóloga e agente pastoral da CPT, e de Kaliandra de Oliveira Andrade, gerente operacional de enfrentamento à violência contra as mulheres da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana. Ambas trouxeram reflexões importantes sobre a construção das políticas de proteção às mulheres, além de alertarem sobre os desafios que ainda persistem no Brasil.
História de lutas e a urgência da igualdade de gênero
Ao abordar o processo histórico da luta das mulheres por direitos, Vanúbia Martins ressaltou que, apesar das conquistas, ainda há um longo caminho a percorrer. Segundo ela, o mundo segue estruturado pelo patriarcado, e a liberdade que hoje parece natural – como estudar, falar e opinar – foi garantida com o sacrifício de muitas mulheres ao longo da história.
"Os homens criaram privilégios, se autodenominaram superiores e negaram nossa existência enquanto sujeitos de direito. Muitas mulheres morreram para que, hoje, possamos falar por nós mesmas", afirmou.
Vanúbia também destacou marcos históricos como a conquista do voto feminino em 1932, a permissão para que mulheres casadas trabalhassem sem autorização dos maridos em 1962, a legalização do divórcio em 1977 e a sanção da Lei Maria da Penha em 2006. Apesar dessas vitórias, ela alertou que o Brasil enfrenta um cenário de retrocesso na igualdade de gênero, agravado pelo avanço do conservadorismo político e religioso.
Mulheres invisibilizadas e exploração do trabalho feminino
Outro ponto central da fala de Vanúbia Martins foi a naturalização do trabalho feminino não remunerado. Ela questionou como atividades como cuidar da casa, dos filhos, dos idosos e dos enfermos são frequentemente vistas como um “ato de amor” e não como trabalho.
"A quem serve esse serviço gratuito? Aos donos do capital. Os muito ricos ficam ainda mais ricos porque pagam pelo trabalho dos homens na fábrica e no comércio, mas se esquecem de que, para que esses homens estejam ali, há uma mulher trabalhando de graça em casa", pontuou.
Vanúbia também denunciou a desigualdade salarial entre homens e mulheres e o impacto da precarização do trabalho sobre a saúde feminina, destacando que as mulheres negras são as mais afetadas.
Políticas públicas e representatividade feminina
A audiência teve um caráter propositivo e culminou em um compromisso dos parlamentares locais de revisar as políticas voltadas para as mulheres e de estudar a criação de uma Secretaria da Mulher em Alagoa Nova.
A presença de representantes da Secretaria da Mulher do município de Areal fortaleceu o debate, trazendo experiências concretas de implementação de políticas de acolhimento às vítimas de violência.
Ainda na ocasião, foi ressaltada a importância de ampliar os espaços de representatividade feminina na política e na sociedade, garantindo condições dignas para que mulheres possam sair dos ciclos de violência e exclusão.
Impacto da exploração capitalista nas mulheres do campo
A agente pastoral aproveitou a oportunidade para alertar sobre os impactos da exploração capitalista nas mulheres do campo. Ela mencionou a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, realizada no dia 13 de março, que denunciou como os grandes empreendimentos energéticos vêm afetando diretamente as mulheres rurais.
Na avaliação da CPT, a chegada dos grandes empreendimentos energéticos à pequenas cidades desestrutura comunidades inteiras, provocando desde a expulsão de famílias até o aumento da vulnerabilidade social das mulheres.
"Nos primeiros momentos da implantação desses empreendimentos, um grande contingente de homens se muda para a região, deixando muitas mulheres grávidas e abandonadas quando partem, além do aumento de doenças sexualmente transmissíveis e da sobrecarga dos serviços públicos de saúde e assistência social", destacou Vanúbia.
"Somos centelha divina": um chamado à luta
Encerrando sua participação, Vanúbia Martins reforçou a importância de educadores e gestores incorporarem o debate sobre igualdade de gênero em suas práticas, lembrando que esse é um direito fundamental reconhecido na Agenda 2030 da ONU.
E, para aqueles que ainda tentam justificar a inferiorização das mulheres com argumentos religiosos, a mensagem foi a seguinte:
"Mesmo que usem o ‘pecado original’ contra nós, está escrito que Deus os fez homem e mulher à sua imagem e semelhança. Se somos imagem e semelhança de Deus, não aceitamos menos que isso. Somos centelha divina!"
A audiência pública em Alagoa Nova reafirmou a necessidade de seguir lutando por um mundo mais justo e igualitário, onde as mulheres tenham voz, direitos e oportunidades reais. A CPT Campina Grande segue comprometida com essa caminhada, lado a lado com as mulheres do campo e da cidade, na resistência por justiça e dignidade.
Fotos: Lucas / Equipe CPT Campina Grande (PB) e Bia / ACJAMAN