Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Impulsionadas pelo desejo de “sair de casa”, extrapolar o espaço doméstico, e com a consciência de que sem a participação feminina não se desenvolve a agroecologia, as agricultoras se uniram e reivindicaram seu espaço de fala, de ação e de atuação política.

Cristiane Passos e Vanúbia Martins*

Roselita Vitor Albuquerque e Giselda Beserra Lopes estão na luta há um bom tempo, e já passaram por seus momentos de superação da imposição do machismo em casa, com os companheiros, e também com os parceiros de movimento. Elas já passaram pela liderança comunitária, direção de sindicato e hoje são da direção do POLO Sindical da Borborema, que articula 16 sindicatos na microrregião da Borborema, Paraíba, reconstruindo o papel sindical na atenção às necessidades da agricultura, propondo uma discussão permanente dos afazeres para a construção de um território Agroecológico.

Roselita, ou simplesmente Rose, é Sindicalista, Assentada da Reforma Agrária (PA Corredor – Remígio - PB), uma camponesa que cuida do seu “arredor de casa”. Tem três filhos e luta para manter viva na memória de todos e todas, a importância das mulheres na construção da justiça e da agroecologia. Giselda, camponesa do município de Remígio, mãe e sindicalista, planta alimentos e cuida da vida e dos sonhos de outras mulheres que lutam para construir autonomia e superar o machismo.

Dos sindicatos envolvidos no Polo Sindical num primeiro momento, apenas o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca possuía uma Comissão de Mulheres, já muito antiga. Segundo Rose e Giselda, “quando começamos a construir o projeto de agroecologia e avançar na articulação entre os sindicatos, a experiência mais forte que apareceu nos diagnósticos foi o de dar um espaço mais importante para as mulheres. Nunca visibilizadas, são elas que guardam um grande conhecimento de biodiversidade, a partir do que elas chamam de ‘o arredor de casa’. Invisibilizado também no conjunto da propriedade, o ‘arredor de casa’ passa a ter uma grande importância para a construção da agroecologia. Até 2006, havia poucas mulheres nas reuniões e direção sindical. A partir de questionamentos da AS-PTA [Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa], que nos assessora na organização e construção do território agroecológico da Borborema, observamos que para a Agricultura Familiar o homem é o chefe, o provedor, mas, analisando as sistematizações era muito claro que as mulheres estavam lá, construindo soberania, então vimos que não dá para caminhar na agroecologia sem a participação efetiva das mulheres. Ainda no ano de 2006, foi elaborado um calendário para as mulheres e suas experiências, também foi criada a Comissão de saúde e alimentação, seguindo o modelo que o POLO já vinha trabalhando, o de comissões temáticas. Como a de Recursos Hídricos, Sementes, Criação Animal. A Comissão de saúde e alimentação é o espaço de discussão das mulheres, na produção de alimentos para a família e das plantas medicinais”.

Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia

A participação das mulheres nas comissões da articulação sindical ajudou a dar mais visibilidade às experiências delas e a valorizar o seu papel na agricultura. “Não podemos esquecer que a politica de convivência com o Semiárido e os programas P1MC e P1+2, muito colaboraram para fortalecer a identidade das mulheres camponesas e sua autonomia no arredor de casa, com água mais perto ganha-se tempo para participar de espaços próprios das mulheres, iniciando com a Catequese Familiar – grupo de mulheres do município de Solânea, espaço de organização e multiplicação das plantas medicinais, por exemplo”, disseram as agricultoras. As mulheres do agreste paraibano hoje estão nas feiras agroecológicas, partilham suas experiências em intercâmbios e encontros de agricultoras experimentadoras e são a maioria nas coordenações dos Fundos Rotativos Solidários (FRS), o que fortalece a sua organização e autonomia.

Em 2008 nasceu a ideia de realizar uma Marcha das Mulheres, a partir de uma experiência do Polo em parceria com o Fórum de Assentados da Reforma Agrária do Brejo e o Serviço de Educação Popular (SEDUP). “Juntos realizamos um seminário onde se discutiu a situação das mulheres na agricultura familiar e as violências sofridas, e fizemos uma primeira caminhada, com 300 mulheres, no município de Remígio. No ano seguinte, 2009, o STR-Remígio realizou um seminário ‘Pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia’ onde foram partilhadas experiências, realizadas visitas de intercâmbio e discutimos sobre a violência contra as mulheres juntamente a um estudo da Lei Maria da Penha. As mulheres que participaram estimularam a todos a irmos às ruas, daí surgiu a necessidade de continuar marchando pela vida das mulheres. O STR-Remígio decidiu então continuar as marchas e ao socializar com a Comissão de Saúde e alimentação do POLO, todos os municípios decidiram participar. Nesta segunda caminhada a expectativa era de 600 mulheres, marchamos com 900, esse é para nós o marco de nascimento da ‘Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia’”, explicou as dirigentes sindicais.

“Fazíamos sistematização de experiências todos os anos, mas era necessário algo específico para as mulheres. Ainda éramos poucas nas direções dos sindicatos. O companheiro que levava o convite para os eventos de mulheres rasgavam no caminho de casa, nós descobrimos depois” disse Giselda.  “Nossa estratégia naquele ano foi: cada mulher que estava nas reuniões comunitárias tinha a tarefa de trazer mais duas mulheres que nunca haviam saído de casa para a próxima reunião. Criamos momentos para discutir as violências sofridas no dia-a-dia, pois muitas mulheres, mesmo com lindas experiências sistematizadas, eram prisioneiras em casa. Não foi fácil, não é fácil, porém continuamos insistindo que não se pode fazer agroecologia sem as mulheres”, completou.

“Passamos a fazer a preparação para a Marcha nas comunidades, nas comissões dos sindicatos e um Encontro Regional. O debate era feito com as mulheres, mas também com homens e mulheres juntos, principalmente os técnicos (maioria homens) que não enxergavam como importante o “girau” [horta suspensa feita com madeira onde se fazem os canteiros e mantêm as plantas medicinais a salvo dos animais domésticos] de plantas medicinais mantido com o reaproveitamento das águas, o pé de capim santo ou o pé de arruda que livra das dores e alivia o stress cotidiano”, explicaram.

De acordo com Giselda e Rose, hoje é muito forte a participação das mulheres, mais ou menos 50% da direção dos sindicatos do Polo são de mulheres. Elas estão também nas tesourarias, lugar geralmente destinado aos homens. “Nosso lugar eram as secretarias ou a suplência. Mudamos muito, para além dos espaços de decisão e poder, as mulheres se auto afirmam como portadoras de experiências e saberes,” enfatizou Rose. “Afinal o machismo não se encontra apenas nos espaços de poder, ele em si é uma construção de poder e está em casa, no sindicato, nas igrejas”, finalizou.

“Importante para nós termos as mulheres se afirmando como as ‘que trabalham’ a propriedade e produzem alimentos, e deixando de repetir que ‘só ajudam’. Estas afirmações fomentam outro modo de participação nos Sindicatos e nos Conselhos Municipais. Ainda temos muito que caminhar para uma postura mais positiva das mulheres, mas já é possível ver que mudou o olhar dos homens para elas. Nem coitadinhas nem incapazes. Alguns pensam e refletem mais antes de falar algo que seja machista. Mas sabemos que dentro dos movimentos não é diferente da vida, os homens foram educados para mandar e acostumados a ser opressores, um espaço de igualdades nem sempre é muito bem vindo. Temos o exemplo de várias mulheres que ao se afirmarem como camponesas, experimentadoras, superar a submissão, tiveram que tomar a decisão de ficar só, afinal ‘antes só do que mal acompanhada’. Isto só foi possível porque criamos um espaço de denúncias das violências nos Encontros, um espaço de escuta das mulheres nos sindicatos, para fortalecê-las e proteger suas vidas. Afinal a agroecologia é muito importante para fortalecer a articulação sindical, para fortalecer as mulheres a se assumirem como donas de suas vidas, transformando as relações sociais injustas, todas elas! Com esta articulação permanente, as mulheres do Polo estão no GT de Mulheres da ASA e da ANA, estão no Comitê do Território, estão na Marcha das Margaridas, no Fórum Estadual de Combate a Violência Contra a Mulher e no coletivo de mulheres da CUT”, destacaram as dirigentes.

A Marcha, segundo elas, é um movimento vivo, permeado pelas experiências das vidas das mulheres camponesas. O propósito é comunicar os fazeres, proporcionar formação e fortalecer a identidade camponesa, além de denunciar as violências e afirmar a agroecologia, esta como sendo uma reparação das violências sofridas pelas mulheres com o machismo, e pela terra com o agronegócio e o uso de venenos. “As mulheres sindicalistas ajudam para que o Sindicato se torne um espaço que a represente. Ao ouvir uma camponesa dizer ‘eu aprendi na reunião que a gente não tem que fazer tudo do jeito que ele quer... a gente pode ir comendo pelas beiradas... deixar as coisas mais fáceis pra nós...’, se referindo ao local de onde vai ser construído o fogão ecológico que o marido quer determinar, significa que estamos no caminho para a construção de outra visão e outas relações entre homens e mulheres”, concluíram Giselda e Rose.

A 8ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia será no dia 08 de março no Município de Alagoa Nova (PB), e será mais um dia de luta em que as bandeiras levantadas serão: as histórias de afirmação e superação das mulheres, denúncia do aumento da violência na região, como estupros nas estradas rurais e, principalmente, o retrocesso político e a perda de direitos previdenciários.

AS MULHERES VÃO PARAR NO 8 DE MARÇO! Esse é um chamado internacional de várias organizações e mulheres ao redor do mundo para que todas as mulheres façam greve geral no próximo 8 de março. “Por cada uma, por todas e pelas que não podem estar!” é o lema do movimento.

*Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT / Coordenadora da CPT Nordeste II.

 

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