Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

Após trabalhar nos plantios de tomate, mantendo contato direto e intensivo com agrotóxicos, uma jovem agricultora com apenas 23 anos de idade, grávida e mãe de mais dois filhos, adquire grave doença que provoca sua morte no interior da Paraíba.
 
 
Desde abril de 2011, quando foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, diversos movimentos sociais, grupos ambientais e demais organizações tem desenvolvido inúmeras ações de conscientização, denúncia e enfrentamento contra 07 empresas multinacionais que controlando mais de 70% do mercado de agrotóxicos no Brasil (Monsanto, Syngenta, Bayer, Novartis, Dupont, Basf e Dow), as quais estão diretamente ligadas ao grupo da bancada ruralista no senado.

 

Além de todas as ações se depararem com a omissão, negligência e mesmo a conivência do Estado, os movimentos sociais ainda enfrentam o silêncio das grandes mídias sobre sérias questões relacionadas ao problema do uso intensivo e indiscriminado dos defensivos químicos.
 
O Brasil atualmente é o campeão mundial no uso de agrotóxicos. Por ano, cada brasileiro consome cerca de 5 litros de agrotóxicos. Em consequência desse consumo absurdo de veneno, milhões de pessoas adquirem câncer e morrem anualmente, sem nenhum tipo de repercussão no noticiário da grande mídia.
 
Além disso, na maioria dos casos de morte em consequência dessas doenças, mesmo com a comprovação de exames clínicos, profissionais de saúde se negam a atestar nos laudos médicos a causa da morte como consequência do uso de agrotóxicos. Recentemente a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO) lançou o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, o qual confirma através de evidências científicas diversas doenças resultantes da exposição, contato, uso e consumo de componentes químicos encontrados em diversos grupos de agrotóxicos consumidos no país.
 

Rosália Barbosa de Souza
De acordo com o dossiê, as pessoas expostas a esses produtos podem além de sofrer com efeitos imediatos, como intoxicação e morte, poderão sofrer com o passar de meses, anos e até décadas, com o surgimento de doenças como cânceres, má formação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
 
Num caso recente, não foi preciso que nem se quer um ano, para que uma jovem viesse a sofrer graves consequências do contato com os defensivos químicos utilizados nas lavouras de tomate na região de Cubati/PB. Trata-se de Rosália Barbosa de Souza, uma jovem de 23 anos, agricultora, casada e mãe de três filhos, que faleceu no dia 18 de julho deste ano, devido à aquisição de uma doença pouco comum: a Aplasia Medular.
 
De acordo com Ana Carolina de Souza Pieretti (professora de medicina da UFCG em Cajazeiras/PB), a aplasia medular é uma doença relativamente rara que na maioria dos casos é causada por uma doença autoimune, quando as defesas do corpo passam a atacar as células da medula óssea onde o sangue é produzido, resultando em uma anemia profunda com comprometimento de todos os tipos de células do sangue. Medicamentos, radiação, vírus, drogas e agentes químicos também podem ser associados à toxidade medular:

“Além disso, diversos fatores, que podem gerar agravos à medula óssea, onde o sangue é produzido, têm sido correlacionados com aplasia medular e outras doenças da medula como leucemia. Dentre eles destacam-se os agrotóxicos dos mais diversos tipos. Durante os últimos 30 anos tem sido reportados na literatura científica casos de aplasia medular que podem ser correlacionados ao uso de agrotóxicos. Os organofosforados, classe de agrotóxicos cuja toxidade está bem estabelecida, causou uma chance 3,2 vezes maior entre agricultores para apresentar aplasia medular em determinado estudo com trabalhadores da Tailândia, que também mostrou um risco relativo 4,75 vezes maior de ter esta doença em trabalhadores expostos aos carbamatos (classe de agrotóxicos a qual pertence o Lannate BR, usado na cultura do tomate)”.
 
De acordo com a família de Rosália a doença foi identificada durante a gestação de seu último filho. Rosália ainda estava amamentando seu segundo filho, quando ficou grávida do terceiro, durante todo esse período ela manteve contato direto e intenso com os agrotóxicos utilizados no plantio de tomates.
 
Pais de Rosália Barbosa
Ela trabalhou na plantação de tomate e ainda chegou apanhar tomate. O marido dela também trabalha, era ela que lavava a roupa dele quando ele chegava. Tudo isso é contato, né? Quando ela ia lavar roupa, chegava a sair aquela água diferente do veneno. Devido ela estar amamentando também e depois ter engravidado, as imunidade tava baixa, aí ficou mais fácil pra doença. Começou a aparecer umas manchas na pele, com uns dias começou a sangrar as gengivas e depois foi só ficando mais grave o caso” (Damião Barbosa de Souza, pai de Rosália).
 
Além dela e o marido terem trabalhado nas plantações de tomate. As terras em torno da casa onde a família residia foram alugadas para um dos maiores produtores de tomate da região, conhecido como o “Rei do Tomate”. Durante quatro meses a família esteve (literalmente) dentro do plantio de tomate, recebendo toda a carga de agrotóxico despejada pelo dono da produção.
 
Com 06 meses de gestação, ainda na Paraíba, o estado de saúde de Rosália começou a se agravar. Foi quando ela foi transferida para o Instituto Materno infantil de Pernambuco (IMIP) em Recife-PE. Lá a jovem permaneceu internada em observação e sendo submetida a inúmeros exames.
 
Ana Carolina ainda afirma que no caso especifico de Rosália, o fato da jovem ter mantido contato intensivo com agrotóxicos durante o período da gravidez é considerado um fator agravante:
 


Certidão de óbto de Rosália
O momento da gravidez é um momento delicado quando o corpo da mulher engendra um enorme esforço para gerar e nutrir um novo ser. A medula óssea é demandada a produzir mais sangue, tanto que é muito comum que as mulheres apresentem anemia leve neste momento. Passa a ser um momento então que a medula estaria mais vulnerável a agressões externas o que poderia ter contribuído para a doença. Por outro lado, os agrotóxicos podem gerar más-formações e até morte do feto. Em estudo no Mato Grosso, a região que mais consome agrotóxicos no Brasil devido ao agronegócio, foi constatado a presença de agrotóxicos no leite materno, o que também pode gerar impacto na saúde dos bebes amamentados”.
 
Ao completar sete meses de gestação com o risco de morte materna e fetal, os médicos que acompanhavam Rosália, optaram pela indução do parto prematuro do bebê. A pesar do nascimento prematuro e com todas as adversidades da gestação, a criança nasceu bem e sem nenhum tipo de complicação. De acordo com Marizaldo Pereira Alves (esposo de Rosália), foram aplicados vários exames no bebê, mas até o momento nada foi detectado e a criança passa bem.

Esposo e os três filhos de Rosália
Após o parto, apresentando complicações no quadro da aplasia e insuficiência respiratória, Rosália foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu em estado continuamente agravante, até vir a óbito no dia 18 de Julho. No laudo médico consta apenas que a causa da morte foi devido a “Hemorragia pulmonar e aplasia de medula óssea”.

Com a morte de Rosália a família além de sofrer com a perda forçada da filha, sente-se revoltada com a situação que permanece na comunidade com total descaso, sem nenhum tipo de fiscalização ou controle. Após relatar o ocorrido com a filha, Seu Damião desabafa: “Eu só vou dizer uma coisa, no próximo campo de tomate que tiver aqui de frente de casa, que nem teve esse aí, eu vou procurar quem quer que seja direito, dessa vez eu brigo na justiça, mas num aceito. Vão fazer lá dentro das terras onde são dono mermo, quer morrer vão pra lá! E deixa nós que quer viver aqui em paz!”.



Patrícia Ribeiro
Comunicadora Popular ASA / Patac

Campina Grande-PB
 
 
 
Fonte: ASA PB

 

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