Do total das vítimas dos conflitos por terra em Alagoas, 80.37% são sem-terra, 18.16% são indígenas e 1.45% são posseiros
Em Alagoas, milhares de indígenas, camponeses e posseiros foram vítimas dos conflitos por terra em 2021. Ao todo 15.900 pessoas, de 3.975 famílias, sofreram com essa violência no campo no ano passado – um aumento de 134,65% em relação ao ano anterior. Em 2020, o número de pessoas envolvidas foi 6.776, sendo 1694 famílias. Os dados são do Caderno Conflitos no Campo Brasil - 2021, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), publicado no mês de abril.
Do total das vítimas dos conflitos por terra em Alagoas, 80.37% são sem-terra, 18.16% são indígenas e 1.45% são posseiros. O número de famílias sem-terra envolvidas chegou a 3.195. Dentre elas, 3.000 são da ocupação da Usina Guaxuma, entre os municípios de Coruripe e Teotônio Vilela. Outras 120 são do acampamento Marielle Franco/Fazenda Santa Tereza, em Atalaia; 35, do P.A. Roseli Nunes/Fazenda Tingui, em Girau do Ponciano; 40, do acampamento Nossa Senhora de Guadalupe/Área da Estação Experimental, em Igaci.
Apesar do aumento dos conflitos por terra, o relatório Conflitos no Campo Brasil 2021 registrou uma nova ocupação de sem-terra em Alagoas. Segundo a publicação anual, em Arapiraca, 90 famílias acamparam na fazenda Sementeira.
Ofensiva aos povos indígenas – Depois dos sem-terra, os povos indígenas foram os mais afetados pelos conflitos por terra em Alagoas. O total de famílias indígenas alcançado é 722. A maioria, 439, do Território Indígena (TI) Jeripancó; outras 200, do TI Katokim/Katokinn, ambas em Pariconha; e 83 famílias são do TI Kalankó, em Água Branca. Todos esses TIs são no Sertão alagoano.
Também sofreram com essa violência 58 famílias posseiras do Engenho do Livramento/Usina Taquara, entre Joaquim Gomes e Colônia Leopoldina.
Isso mostra que a questão da terra em Alagoas segue o mesmo trajeto nacional, de acordo com o historiador e coordenador nacional da CPT, José Carlos Lima. Segundo ele, aqueles que planejam o país do ponto de vista do modelo econômico não abrem espaço para que as comunidades – seja sem-terra, quilombolas ou indígenas – possam garantir os seus modos de vida. “Incomoda comunidade indígena ocupando a terra; incomoda florestas em pé, garantindo a vida e a harmonia da vida entre os seres vivos; incomoda a organização daqueles que foram historicamente expulsos das terras e se organizam e lutam para ter direito à terra”, disse.
Para Carlos Lima, a situação é parte de um processo histórico em que o povo brasileiro é submetido desde praticamente a chegada dos portugueses, em 1500. Há momentos históricos e governos os quais esse clima de violência pode se acirrar ou não, conforme analisa: “Essa ação contra as comunidades, os povos, as florestas e a natureza de uma forma em geral, pode aumentar ou não, mas, na verdade, o que está em jogo é o modelo econômico e político brasileiro, que é o capitalismo. Um modelo que não consegue gerar lucros sem causar danos, sem explorar a vida, sem explorar as florestas, e uma tentativa de transformar tudo de mercadoria, inclusive, os modos de vida dessas comunidades. Então, isso é recorrente, claro, no atual governo”.
O coordenador nacional da CPT avalia, ainda, que esse quadro se agravou a partir de 2016, quando a democracia brasileira foi atingida com um golpe dado contra uma presidente eleita. O agravamento dos conflitos no campo, contudo, não tem raiz apenas nas políticas voltadas para o campo. Mas, sim, é consequência de uma série de medidas e práticas que “pavimentaram a estrada para tornar ainda mais vulneráveis essas comunidades e a natureza”, dentre as quais, Lima cita a aprovação da Emenda Constitucional 95 do teto dos gastos públicos e o desmonte de órgãos públicos historicamente importantes para a fiscalização da terra e da natureza, como o Ibama, como o ICMBio, como a própria Funai e o Incra.
“E no atual governo não há uma política de omissão, mas sim uma política genocida, uma política de abrir espaço de abrir caminho, com as tentativas legais, por meio de PLs, ou com as inúmeras tentativas ilícitas, no caso de apoio à grilagem de terra, à mineração e ao garimpo nos territórios indígenas e áreas de proteção ambiental. Esse atual governo aposta na destruição dessas comunidades e, consequentemente, no fortalecimento dessas práticas ilícitas ilegais que tomaram conta do país, em particular, das comunidades que detém ainda um certo território”, conclui Carlos Lima.
Água, fonte de vida – A respeito dos conflitos por água, em 2021, foram registradas 5 ocorrências, envolvendo 300 famílias no estado. O número marca uma nova onda desse tipo de conflito no estado, que não teve registros em 2020. O último dado havia sido em 2019, com 4 ocorrências, envolvendo 2.220 famílias de colônias de pescadores e comunidades marisqueiras que tiveram seu modo de vida afetado pelo vazamento de óleo. O grande diferencial é que não houve um acidente ou desastre ambiental em 2021. Os conflitos por água ocorridos no ano passado tiveram sua origem em razão da redução do acesso à água, destruição e/ou poluição e o descumprimento de procedimentos legais quanto ao uso e preservação do bem natural.
Trabalho escravo – O Centro de Documentação Dom Tomás Balduino – CPT registrou dois casos de trabalho escravo rural em Alagoas. No município de Flexeiras foram resgatadas 5 pessoas em situação de trabalho escravo na extração de britamento, na Pedreira Fazenda Manacá. Outro trabalhador foi resgatado em Joaquim Gomes, em situação análoga ao trabalho escravo na atividade de apoio na Fazenda Rosário de Maria.
Ao todo, Alagoas teve o registro de 16 conflitos no campo envolvendo 17.466 pessoas. O número de vítimas da violência é 157,76% que no ano anterior. Em 2020, o registro foi de 6.776 pessoas.
Solidariedade – No segundo ano da pandemia da Covid-19, a CPT continuou a considerar as ações de solidariedade como “manifestações de luta”, já que entende tais iniciativas como forma de resistência ligadas às reivindicações históricas dos povos.
Das 1921 manifestações, sendo 121 em Alagoas, 652 foram ações de solidariedade, que ganharam forma em distribuições de toneladas de alimentos para as populações que foram impactadas pela pandemia e pela crise econômica. Houve um aumento de 43% nas manifestações de luta em relação ao ano anterior, que marcou o número de 1348.