José Geovan de Oliveira ou simplesmente irmão Geovan, como todos que o conheciam chamavam, nos deixou. Não pela sua vontade ou pela vontade de Deus. Foi arrastado, junto com cerca de 500 mil pessoas, pela força da Covid-19. Maldita pandemia. Maldito governo federal, principal aliado do vírus, que não quis planejar uma ação urgente de imunização da nação brasileira, que incentiva a aglomeração, o ódio, a indiferença e o não uso da máscara.
Geovan como José, esposo de Maria de Nazaré, era habilidoso com as mãos, era um artesão. Uma das suas obras foi a Cruz Sem Males. Talhando a memória das Romarias da Terra e das Águas, ele construiu um dos símbolos mais importantes das nossas caminhadas em romarias.
Monge, missionário, romeiro, amigo... Assim era e será o nosso irmão Geovan. Sempre iremos relembrar a sua voz profunda e suave, um bálsamo para nossa caminhada. Sua solicitude, seu amor pelos empobrecidos.
História da Cruz da Romaria da Terra e das Águas – A Cruz Sem Males
A Comissão Pastoral da Terra (CPT/AL) pediu aos monges da Catita que trabalhassem a cruz da XV Romaria da Terra de Alagoas, neste ano de 2002. Os acampados da Mumbuca retiraram da mata os paus da cruz, exatamente no dia em que estavam recebendo a notificação de despejo. Esta cruz está, assim, associada aos que lutam pela terra. Os paus foram então levados para Catita. Infelizmente, na hora de dar inicio aos trabalhos, a madeira não se prestou ao serviço e se fez necessário conseguir uma outra.
Foi iniciado assim, o processo artístico e artesanal de talhar a cruz. O resultado é o que está apresentado aos participantes desta Romaria da Terra. E aqui vai uma explicação dos motivos talhados na cruz.
A cruz mostra, primeiramente, nas extremidades das duas hastes, uma seta como a indicar uma direção: a da “Terra sem Males”. Somente a cruz de Jesus dá a verdadeira direção, porque Ele mesmo fez esse caminho, e mais, ele é o caminho (Jo 14,6). Não se alcança a Terra sem Males sem canseira, suor e até sangue derramado pelo caminho. Não foram poucos os mártires da caminhada, desde Jesus e até antes Dele, passando por Zumbi dos Palmares, Margarida Alves e Pe. Josimo. As setas nos indicam que para a conquista da Terra sem Males é preciso não perder a visão do Alto (Cl 3,1), e por isso a seta aponta para cima; mas não se pode perder a visão do que está na frente (Fl 3, 13-14), e por isso a seta aponta também para frente.
No braço horizontal da crua estão talhados elementos decorativos que representam, de um lado, a raça branca, com as linhas curvas, da herança européia desde as conquistas; basta-nos olhar para a arquitetura colonial para constatar como a arte portuguesa preza as curvas. Do outro lado, a raça nativa, ameríndia, com suas linhas retas e formas quadrangulares que lhe são próprias, pela sua identificação coma as forças cósmicas e com os quatro elementos da natureza, de que dependiam totalmente e para onde orientavam sua crença nos deuses.
No braço ou haste vertical, na sua parte superior, estão representados motivos afros, próprios da raça negra. Ai, uma fusão de elementos e mistérios ancestrais; as linhas retas e o circulo central. Continente originário da raça humana – como é hoje amplamente aceito – a África se abre para o mundo sem perder suas raízes históricas e seu ponto de partida original que o circulo representa. As três raças se juntam em Jesus Cristo que disse: “Quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). É com Ele que as três raças partem para conquistar a Terra sem Males.
Na parte inferior da haste vertical estendendo-se até a haste horizontal estão representadas as quinze romarias em um motivo agrícola: um ramo que vai ser levado na cruz com folhas, cada uma significando uma romaria passada e a atual. Fica assim, bem claro que estas caminhadas não são “passeios coletivos”, mas verdadeiras largadas rumo à Terra sem Males, com Cristo crucificado e ressuscitado, vencedor do mal e da morte. O ramo ainda vai crescer...e frutificar.
Catita, outubro de 2002.
Imagens: Acervo CPT Alagoas