Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A sentença do juiz Carlos Henrique Borlido Haddad, da Justiça Federal de Marabá, que condenou a Vale a compensar financeiramente os índios Xikrin pelo uso de suas terras, no sudeste do Pará, pode ser um divisor de águas na afirmação de direitos indígenas em face de empreendimentos privados. O entendimento é dos procuradores da República que atuam na região e encaram a contenda com a empresa como um caso-paradigma, que pode embasar decisões semelhantes em outros processos. “Essa sentença rechaçou de uma vez por todas o velho discurso da empresa, de que o repasse dos valores para a comunidade indígena é mera liberalidade. Inverteu a imagem construída ao longo dos anos de que a Vale é benemerente com os índios. Na verdade, e a sentença demonstra isso, o dinheiro para os Xikrin é uma obrigação decorrente da lei”, comemora o procurador Marcelo Ferreira, que atua em Marabá.

Ao lado da Fundação Nacional do Índio, foi o procurador Marcelo o responsável pelo ajuizamento da ação. A obrigação a que se refere está expressa em uma resolução do Senado de 1985 e no decreto presidencial de 1997, que deram à Vale o direito de exploração mineral na região de
Carajás, mas também determinaram à companhia a “prestação de assistência às populações indígenas residentes no entorno do empreendimento”.

A Vale alegava que as obrigações estavam canceladas depois que o Governo Federal criou a Floresta Nacional de Carajás, cuja manutenção também é responsabilidade da empresa como compensação pelos impactos da atividade mineradora. Mas o juiz Carlos Henrique Haddad foi
taxativo: se as obrigações impostas no decreto presidencial foram revogadas, então também foi revogado o direito de utilizar gratuitamente as terras públicas para a exploração mineral, concedido
exatamente por esse decreto.

A sentença determinou o pagamento mensal de R$268.054,62 à comunidade Xikrin do Cateté e R$388.843,27 aos Xikrin do Djudjekô, num total de mais de R$ 650 mil a serem depositados em favor das associações de cada aldeia. A decisão torna o repasse definitivo, mas ele já estava
restabelecido desde dezembro de 2006, por força de uma liminar que obrigou a Vale a manter os pagamentos.

A Vale suspendeu unilateralmente os repasses em outubro de 2006 após um episódio em que acusou os índios de invadirem suas instalações em Parauapebas. A companhia acusava ainda os indígenas de fazerem mau uso dos recursos repassados. O Ministério Público Federal concorda que
havia mau uso dos recursos, mas considera que a responsabilidade pelo problema não pode ser imputada aos índios e sim à própria empresa.

“Com esse processo fica claro que a responsabilidade social tão propagandeada pelas empresas, não pode significar apenas fornecer dinheiro. Dinheiro é apenas um instrumento e o que realmente importa é a realidade construída com ele, o amparo devido ao povo Xikrin”, declarou o procurador Marco Mazzoni, também de Marabá.

Concordando com esse entendimento, o juiz Carlos Henrique Haddad determinou que a Vale é responsável por financiar um programa de aproveitamento sustentável dos recursos repassados aos índios. O novo modelo de gestão deve ser implementado com apoio de profissionais especializados e pode se espelhar em programa similar instalado na comunidade Xerente, no Tocantins, que garantiu a correta aplicação de recursos investidos como compensação pela construção de uma hidrelétrica.

A Vale tem direito de recorrer da sentença judicial em três instâncias – Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal – mas o MPF quer que o novo projeto de gestão seja iniciado o mais rápido possível. O número do processo na Justiça Federal de Marabá é 2007.39.01.000006-0.


Fonte: Da Procuradoria da República no Pará

 

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