IURI DANTAS
SHEILA D\'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O pacote envolve R$ 75 bilhões em dívidas que poderão ser renegociadas -com descontos do saldo devedor, redução dos juros, ampliação de prazos- e quitadas com abatimento de até 80% dos débitos.
No total, os agricultores poderão ter um desconto de até R$ 9 bilhões nas dívidas, segundo o ministro Guido Mantega (Fazenda), beneficiando 2,8 milhões de produtores -dos quais 1,8 milhão de agricultores familiares e assentados da reforma agrária. O impacto nas contas do governo, porém, será bem menor: cerca de R$ 1,2 bilhão, diluído nos próximos anos. Em 2008, serão R$ 250 milhões apenas.
Como boa parte das dívidas abrangidas no pacote já tinha sido lançada como prejuízo na contabilidade pública, o que o governo conseguir receber de volta, agora, será registrado como receita e servirá para cobrir os gastos com as medidas, minimizando o custo fiscal do pacote.
Segundo os dados da Fazenda, o governo tem cerca de R$ 12 bilhões em débitos antigos, que já haviam sido provisionados (considerados perdidos), e a maior parte desses débitos entrou no novo pacote.
A última grande renegociação do setor, de acordo com a assessoria técnica da Fazenda, foi em 2001 e envolveu algo próximo a R$ 15 bilhões. Atualmente, o total da dívida do setor é de R$ 130 bilhões, mas parte está em dia.
Preconceito
Defensor de uma "solução definitiva" para o endividamento do setor agrícola, o ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) disse que é "preconceito achar que os agricultores são caloteiros". "Mais de 90% dos que não pagam não têm condições de pagar. O desvio é pequeno", afirmou.
"O pequeno e o médio produtor rural têm inadimplência de 3%, mas carregam dívidas antigas. Fica, você, um ano sem receber salário que verá como vai ter dificuldade para equacionar suas dívidas", defendeu. Segundo o ministro, apesar da recuperação da renda no campo com o crescimento da economia e o aumento do preço das commodities agrícolas no mercado internacional, houve alta de custo de produção e valorização do real, que comem parte da rentabilidade. "Os fertilizantes triplicaram", disse.
A maior parte das dívidas está nas mãos do setor público, mas uma parcela, que o governo não precisou, diz respeito a contratos privados. Nesse caso, segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernardo Appy, os benefícios serão só de redução dos juros, o que os bancos já teriam apoiado, disse Stephanes.
As medidas incluem, ainda, a criação de um fundo de catástrofe rural, em que consórcios assumirão riscos maiores em casos de desastres naturais. Além de seguradoras privadas, o governo federal também vai participar, injetando recursos quando as empresas não conseguirem pagar sozinhas o custo.
Também fez parte do pacote a criação de oito cargos de adidos agrícolas, que ficarão instalados em representações diplomáticas no exterior para auxiliar na abertura de novos mercado e em questões técnicas e negociações sanitárias, como o embargo da carne bovina pela União Européia.
Após a edição da medida provisória de 37 páginas e 52 artigos, será preciso que o Conselho Monetário Nacional regulamente alguns pontos.
De acordo com Stephanes, o governo também pretende obter em cinco a dez anos a auto-suficiência na produção de fósforo e nitrogenados, utilizados como base para adubos e fertilizantes. Para isso, a participação da Petrobras será decisiva.
Presidente temia perder ativo político
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O temor de perder um ativo político que vitamina sua popularidade e a preocupação em incentivar a produção de biocombustíveis compõem o pano de fundo que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a autorizar nova renegociação da dívida vencida dos agricultores.
O ativo político é composto pela combinação de baixa inflação dos últimos anos e pelo aumento da renda das famílias, que elevou o consumo de alimentos, sobretudo dos populares. Com a atual ameaça inflacionária, uma preocupação mundial, Lula aposta no incentivo à produção de alimentos para amenizar a alta dos preços. E assim manter sua popularidade em alta.
A produção de biocombustíveis é uma bandeira internacional de Lula, a qual defenderá na próxima semana na reunião da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), em Roma. Críticos afirmam que as lavouras de biocombustíveis estão tomando terreno destinado ao cultivo de alimentos.
O lobby ruralista é um dos mais ativos do Congresso. Isso vem de longe. Nos dois mandatos de FHC(1995-2002), houve renegociações das dívidas por motivações técnicas e políticas. No primeiro mandato de Lula, também aconteceram renegociações, mas o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, freou concessões exageradas.
Em 28 de junho de 2006, em plena campanha para a reeleição, Lula perdeu Roberto Rodrigues, à época ministro da Agricultura. Palocci já havia deixado o governo três meses antes, mas a equipe econômica não fez concessões pretendidas por Rodrigues, ministro muito identificado com as reivindicações dos ruralistas.
Agora, Lula dá uma bela colher de chá aos agricultores. O presidente toma essa decisão num momento de alta de preço de alimentos e de elevação do lucro do produtor rural.
A medida terá custo para o Tesouro. O ministro Guido Mantega (Fazenda) fez uma conta estranha. Disse que R$ 9 bilhões é o valor do "perdão" que os agricultores poderão ter, mas o custo para os cofres públicos seria de R$ 1,2 bilhão. Discurso esquisito para ministro da Fazenda.
Medidas são insuficientes, dizem ruralistas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Enquanto o governo comemorava ontem o superpacote como medida definitiva, representantes de produtores consideravam insuficiente a iniciativa e cobravam investimentos em outras áreas.Para o presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), Fábio Meirelles, as medidas "não são suficientes, mas representam um grande avanço". "Com a renegociação, o governo está tirando a carga negativa das costas dele, mas o prejuízo lá atrás foi muito maior, milhares de famílias perderam tudo e não conseguem mais produzir", disse.
Para Meirelles, o pacote de auxílio aos produtores endividados é necessário, mesmo diante dos altos preços das commodities no mercado internacional, que geram ganhos melhores ao produtor. O alívio financeiro vai representar um número maior de produtores no campo. "Tudo o que governo fizer hoje para manter o homem no campo atende a política econômica e social."
Para ele, o governo também precisa fazer investimentos em regiões com forte potencial agrícola para alavancar as lavouras, em vez de concentrar ações apenas no refinanciamento de dívidas.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, por outro lado, espera encerrar a era de sucessivas renegociações de dívidas do setor. "Espero, com essa reestruturação, que não tenhamos que fazer novas discussões sobre esse assunto."
Segundo ele, foram dez meses de debate para encontrar "soluções técnicas para evitar que a cada ano, o governo volte a discutir o problema". Orgulhoso do resultado, evitou tratar o caso publicamente como uma vitória política sua, dado o fracasso de seus antecessores.
Segundo o presidente da Famato (Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso), Rui Prado, falta ao governo investimento na infra-estrutura de transporte para o escoamento da safra. Ele também criticou a demora do governo em anunciar o pacote, que deveria ter saído "há pelo menos três anos". (SD e ID)
Medidas são insuficientes, dizem ruralistas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Enquanto o governo comemorava ontem o superpacote como medida definitiva, representantes de produtores consideravam insuficiente a iniciativa e cobravam investimentos em outras áreas.Para o presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), Fábio Meirelles, as medidas "não são suficientes, mas representam um grande avanço". "Com a renegociação, o governo está tirando a carga negativa das costas dele, mas o prejuízo lá atrás foi muito maior, milhares de famílias perderam tudo e não conseguem mais produzir", disse.
Para Meirelles, o pacote de auxílio aos produtores endividados é necessário, mesmo diante dos altos preços das commodities no mercado internacional, que geram ganhos melhores ao produtor. O alívio financeiro vai representar um número maior de produtores no campo. "Tudo o que governo fizer hoje para manter o homem no campo atende a política econômica e social."
Para ele, o governo também precisa fazer investimentos em regiões com forte potencial agrícola para alavancar as lavouras, em vez de concentrar ações apenas no refinanciamento de dívidas.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, por outro lado, espera encerrar a era de sucessivas renegociações de dívidas do setor. "Espero, com essa reestruturação, que não tenhamos que fazer novas discussões sobre esse assunto."
Segundo ele, foram dez meses de debate para encontrar "soluções técnicas para evitar que a cada ano, o governo volte a discutir o problema". Orgulhoso do resultado, evitou tratar o caso publicamente como uma vitória política sua, dado o fracasso de seus antecessores.
Segundo o presidente da Famato (Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso), Rui Prado, falta ao governo investimento na infra-estrutura de transporte para o escoamento da safra. Ele também criticou a demora do governo em anunciar o pacote, que deveria ter saído "há pelo menos três anos". (SD e ID)
Folha de São Paulo, 28/05/08.