Dizem que o arroz com feijão é uma invenção tipicamente brasileira, assim como o café com leite. Melhor, os nutricionistas descobriram que são excelentes combinações nutricionais. Entretanto, como tudo que tem origem nacional, arroz com feijão tornou-se sinônimo de algo irrelevante, quando não imprestável. Até que o preço subisse nas nossas mesas. Agora, literalmente, passaram a ter valor.
Roberto Malvezzi (Gogó)*
Pois bem, nossa dupla da mesa voltou às manchetes de jornais, televisões e são objeto inclusive de reflexões de intelectuais. Que coisa, intelectual falando de arroz e feijão! Que desprestígio para nossa elite pensante! A razão é que, com a crise alimentar mundial, há uma acirrada disputa de números para sustentar ou desdizer a tese que os agrocombustíveis estão na origem da crise de nossas mesas.
A consolidação dos dados do Censo Agropecuário que está em elaboração ajudará a esclarecer muito de nossas dúvidas. O acesso parcial que tivemos a esses números já esclarece muito do que queremos saber. A área planta de arroz, que era de 4.233.000 hectares em 1990, caiu para 2.997.000 em 2007. Portanto, em quinze anos perdeu 1.236.000 hectares, ou seja, quase que 25% de sua área.
Quanto ao feijão, em 1990 a área plantada ocupava 5.504.00 hectares. Em 2007 a área plantada ocupava 4.331.000 hectares. Em quinze anos teve seu plantio diminuído em 1.174.000 hectares, ou seja, perdeu 12% de sua área. Enquanto nossas áreas de plantio da dupla caíram, a população brasileira cresceu. Como disse o Presidente da República, “também passou a comer mais”. Também é verdade e vamos dar a Lula o que é de Lula. Portanto, a fórmula da inflação dos alimentos está perfeita: menos área cultivada, menor produção, mais gente comendo.
Outro dado esclarecedor é que a soja saltou de 11.487.000 hectares em 1990 para 20.700.000 em 2007. Acréscimo maior que cem por cento. Mas, o povo brasileiro não come soja. A cana saltou de 4.273.000 para 6.557.000. O total da área plantada com lavouras no Brasil saltou para 76,7 milhões de hectares, quase duplicando em 15 anos. A pecuária permanece com 172 milhões de hectares, portanto, ocupa folgadamente a maior parte dos solos brasileiros. Está claro que a cana e a soja avançaram sobre as áreas de feijão e arroz, sobretudo no sul e sudeste. Mas também aqui na Bahia, no platô de Irecê, o feijão perdeu espaço inclusive para o biodiesel.
Então, qual o papel dos agrocombustíveis no preço dos alimentos? Expandiu a soja, expandiu a cana. A cana, sobretudo no sudeste. A soja, sobretudo no Norte. A cana empurrou a soja, essa empurrou o boi que já ia no rastro das madeireiras. Portanto, o agronegócio brasileiro precisa ser considerado no seu conjunto, na sua co-relação íntima de todas as comodities e não pode ser analisado de forma estanque, como se cada setor fosse independente do outro. É o conjunto do agronegócio brasileiro que faz diminuir a área plantada de arroz e feijão – fiquemos só com esses dois que já é assustador por demais – para expandir a cana e a soja. A pecuária não aumentou sua área, mas pode ter mudado de lugar. O fato é que novas áreas foram incorporadas às custas do desmatamento, seja da Amazônia, seja do Cerrado, seja do Pantanal. Agora a cana irrigada ameaça entrar pelo vale do São Francisco, derrubando a caatinga e consumindo o que resta de água na bacia do Velho Chico.
É refrescante lembrar que a cana é a matriz do etanol e a soja é a matriz principal do biodiesel. Portanto, se os agrocombustíveis não explicam cem por cento a crise alimentar que estamos passando, não há como inocentá-los na cota que lhes cabe, inclusive no Brasil.
* Da Comissão Pastoral da Terra