Caros Irmãos e Irmãs na Caminhada:
É o tempo de Páscoa – tempo bom para olhar em torno de nós com olhos novos, visão nova, depois dos “exercícios” de Quaresma... exercícios que ajudam a focar e afiar a nossa maneira de enxergar a realidade.
Quem sabe, você já escutou aquela do recém-chegado num vilarejo. Chega no bar. Pede 3 cervejas - tudo de uma só vez. Os outros fregueses ficam mais do que curiosos. Mas o mistério logo se revela: o forasteiro explica que tem 2 irmãos. Antes de se separar e cair no mundo, os 3 fizeram um pacto – sempre pedir 3 cervejas de uma só vez para lembrar-se dos outros 2.
Um dia, o não tão recém chegado pede 2 cervejas. Os outros fregueses ficam tristes e caem no silêncio. Só o dono do bar tem coragem para perguntar se um dos irmãos morreu. “Não, morreu nenhum dos 2 – é que eu desisti da cerveja pela Quaresma.”
Oxalá nossos exercícios quaresmais tenham mais sentido, mais realismo para “fazer a diferença” que a penitência do homem no bar.
Nova visão necessita de um novo ponto de vista. Ganhando o chão deste ponto pode ser até dolorido ... mas este é o significado da Páscoa.
Luis Carlos da Silva teve a sua experiência de Páscoa antecipada. Em 4 de novembro de 1.998, ele foi assassinado a tiro numa emboscada enquanto ele e seus companheiros canavieiros procuraram seus direitos. Treze destes companheiros foram feridos a bala na emboscada que foi planejada pela Polícia Militar do 2 Batalhão junto com a milícia privada da Usina Santa Tereza no Engenho Terra Rica, Goiana, PE.
A Usina pertence ao Grupo João Santos, que é também dono de centenas de milhares de terra pelo Brasil – e que agora está diante do poder judiciário na presença de sua milícia privada. O Estado também está sendo julgado por seus representantes, a Polícia Militar.
O julgamento começou em 13 de março 2008 ... e não começou! O advogado da P.M. não compareceu. Como no julgamento dos que assassinaram a sindicalista Margarida Alves na década ’80, neste processo também, os acusados procuram atrasar o julgamento: a demora de dez anos não é o bastante para eles.
Na sala de audiência, cheia de gente - a viúva de Luis Carlos e seus dois filhos e parentes, povo do campo e dos engenhos, sindicalistas rurais, CPT, Terra de Direitos, e entidades de apoio - o sentimento de revolta por esta nova demora gerou novos níveis de indignação. O promotor de acusação captou algo deste sentimento do povo quando registrou seu protesto diante da manobra dos acusados. A juíza não teve outra saída senão marcar para já o novo começo do julgamento para 25 de março de 2008. Também marcou para defensores públicos estarem presentes para defender os acusados, caso seus advogados não comparecessem.
Assim é o poder do povo. O mesmo poder que estava presente durante os 10 anos de 1.998 para cá: assistindo enfadonhas audiências e tediosos inquéritos, agüentando adiamentos e atrasos, mas também participando em marchas e protestos para mostrar ao Estado, ao Judiciário e ao Latifúndio que Luis Carlos e seus companheiros não seriam esquecidos com a passagem do tempo – afinal, somos o povo da passagem – o povo da Páscoa! ...que me faz voltar ao homem no bar e sua penitência quaresmal. O que é que fez com o dinheiro que poupou? O que é que tu fazes com o dinheiro que poupa enquanto fazes “exercícios” para a Páscoa?
Num espírito de solidariedade, peço que aproveite algo do seu “preparo penitencial para a Páscoa” para mandar um fax para a juíza responsável pelo julgamento dos acusados de assassinato do Luis Carlos e ferimento a bala aos 13 companheiros. Mensagens de e-mail também são úteis (
É por este motivo que insisto que, tendo a possibilidade, envie a mensagem que segue por fax. O judiciário tem aversão do envolvimento do povo em questões de Justiça. Quer manter este campo fechado só para si... mistifica as questões de Justiça para confundir o povo. (A Justiça é cega – o Povo, não!)
Sua mensagem poderia ser assim: telefone (fax) - 0**.81.3412.5395
ATT: Marylúsia Feitosa
Juíza de Direito
1ª Vara de Júri
Recife – PE.
Depois de uma demora de dez anos, estão no banco dos réus os quinze acusados da morte de Luis Carlos da Silva – os mesmos acusados que feriram a bala outros treze canavieiros (processo no.: 120070193879).
O julgamento estava marcado para o dia 13 de março 2008. Não aconteceu devido a uma manobra por parte da defesa de uns dos acusados.
A senhora marcou nova data de julgamento – 25 de março 2008 – e nomeou defensores públicos para assumir a defesa dos acusados, caso seja necessário.
Acompanhamos o processo e estamos na expectativa que a Justiça seja feita e que o julgamento realmente aconteça no dia 25 e que os culpados sejam punidos.
Dez anos já basta!
Atenciosamente,
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É o tempo de Páscoa. Para mim, sempre um tempo muito especial. Faz 40 anos, na Páscoa de 1.968, fui ordenando padre. Nunca consegui me acostumar com o status quo da Instituição e dou graças a Deus por isso. Nunca aceitei o clericalismo que acaba com o sacerdócio e a alegria simples de servir – e agradeço o Carpinteiro de Nazaré por esta bênção. Quarenta anos... das favelas no norte da cidade de São Paulo aos povos das vastas águas e florestas do Amazonas e aos pantanais do Mato Grosso do Sul. E, ultimamente, na região litoral de Pernambuco com o povo sem-terra, as famílias de posseiros, os homens e mulheres da zona canavieira... e sempre uma multidão de gente acompanhando, fazendo Passagem na Estrada de Êxodo... às vezes, muito monótona; às vezes, muito rotineira... e é especialmente em momentos como esses que sabemos que podemos fazer a diferença.
Sim, fazer a diferença na medida em que nos reinventamos no Espírito que ressuscitou a Carpinteiro – a Ressurreição que nos dinamiza para testemunhar a grande verdade: um amor verdadeiro jamais se perde.
Feliz Páscoa – e continue exercendo a fé para poder enxergar o invisível, criar o invisível. Nunca duvide disso: faça-o acontecer – o Novo Céu, a Nova Terra.
Sou teu irmão na Caminhada.
Pe. Tiago Thorlby – CPT-Litoral-PE.
P.s. E agora, mande já aquele fax! Os sedentos de Justiça agradecem.