Comissão Pastoral da Terra Nordeste II

A grilagem das terras públicas da Amazônia sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos cinqüenta anos. Mas, qual foi a mudança na estratégia de ação do agronegócio na apropriação privada das terras públicas da Amazônia?

*Por Ariovaldo Umbelino

A grilagem das terras públicas da Amazônia sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos cinqüenta anos. Primeiro foi a “Marcha para o Oeste” de Getúlio Vargas. Depois, os incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), da ditadura militar formulados pelo então ministro Delfim Neto. E por último, Fernando Henrique Cardoso e Lula, e a aliança com a bancada ruralista no Congresso e as prorrogações infindáveis de suas dívidas que nunca são ou serão pagas. Mas, qual foi a mudança na estratégia de ação do agronegócio na apropriação privada das terras públicas da Amazônia?

O uso da grilagem foi sendo sofisticado. Agora, não é mais necessário envelhecer os documentos com a ajuda dos grilos. Dois novos recursos passaram a ser utilizados. Primeiro foi a estratégia de tentar regularizar as terras por meio de “laranjas”, via falsas procurações. Foi o período que denominei de “grilagem legalizada” durante os governos militares. Ou seja, o grileiro interessado entrava com o pedido de “compra” da área. O máximo que podia adquirir, entre 1946 e 1967, era de dez mil hectares. Depois esta área foi reduzida entre 1967 e 1988, para três mil hectares e, após 1988, para 2,5 mil hectares.

A denúncia deste expediente gerou inúmeras Comissões Parlamentares de Inquéritos, cuja única conseqüência, foi a introdução nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 do artigo 51 onde está prevista a revisão por Comissão Mista do Congresso Nacional de “todas as doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares, realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987”. Entretanto, até hoje o Congresso nada fez para providenciar esta revisão.

Com a “Nova República”, veio o I Plano Nacional de Reforma Agrária e a nova Constituição. A partir daí, o destino das terras públicas, insisto devolutas ou não, porque segundo o Supremo, devolutas são todas as terras públicas não discriminadas, passou a ser regido pelo artigo 188 da Constituição: “A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.” Mesmo assim, há nos protocolos do INCRA das diferentes superintendências da Amazônia Legal, pedidos para “comprar” todas as terras públicas arrecadadas e discriminadas. Trata-se de um verdadeiro crime lesa Pátria.

Como a Constituição de 1988, manda compatibilizar a destinação das terras públicas com o plano nacional de reforma agrária, uma nova estratégia passou a ser montada para continuar favorecendo os grileiros do agronegócio. Uma parte dos funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), particularmente os que “cuidam” do Cadastro, sempre estiveram envolvidos em corrupção, acusados de “venda” de terras públicas na Amazônia. Pois bem, são eles que passaram a “oferecer” e “reservar” as terras públicas para os grileiros e indicar o caminho “legal” para obtê-las. Portanto, quem está realizando a “grilagem legalizada” é uma parte dos próprios funcionários corruptos do INCRA e dos órgãos estaduais de terra.

A população brasileira precisa saber que o INCRA, desde os governos militares, arrecadou e/ou discriminou, um total de 105.803.350 hectares distribuídas da seguinte forma pelos Estados da Amazônia Legal: Rondônia 15.355.503 ha; Acre 3.079.206 ha; Amazonas 32.784.807 ha; Roraima 14.440.460 ha; Pará 20.038.516 ha; Amapá 8.837.835 ha; Tocantins 4.500.000 ha; Mato Grosso 6.767.023 ha; e Maranhão 1.730.924 ha.

Deste total, o INCRA até o ano de 2003, durante a elaboração do II PNRA do governo Lula, tinha destinado um total de 37.979.540 hectares. E possuía ainda sem destinação 67.823.810 hectares. Estas terras públicas do INCRA estão assim distribuídas: Rondônia 4.907.824 ha; Acre 6.291.734 ha; Amazonas 20.962.020 ha; Roraima 9.208.315 ha; Pará 17.934.669 ha; Amapá 0; Tocantins 1.031.876 ha; Mato Grosso 5.756.448 ha; e Maranhão 1.730.924 ha.

O mais espantoso de tudo, é que todas estas terras estão “cercadas e apropriadas privadamente”. Os funcionários corruptos do INCRA “venderam” praticamente quase todo este patrimônio público. Agora, estão junto como o governo Lula, propondo soluções “jurídicas” para legalizar o crime cometido. É por isso, que no final do ano de 2005, conseguiram enfiar no meio da famosa “MP do bem” (Lei nº 11.196 de 21/11/2005) o artigo 118, que passou a permitir a regularização das terras na Amazônia Legal até 500 hectares, quando o artigo 191 da Constituição autoriza a posse apenas até 50 hectares. Aliás, não custa lembrar que, a Constituição de 1.967 dos militares, autorizava área de posse de apenas 100 hectares. A Instrução Normativa nº 32 de 17/05/06 do INCRA, fixou os procedimentos legais para que o crime de uma parte da grilagem das terras públicas pudesse começar a ser legalizado.

Se não bastasse este ato do governo Lula, afrontando as conquistas da “Constituição cidadã” de 1988, em 11 de junho de 2007, o INCRA baixou a Instrução Normativa nº 41, publicada no DOU em 18/06/0707. Esta nova norma simplesmente “estabelece critérios e procedimentos administrativos para referentes à alienação de terras públicas em áreas acima de 500 hectares limitadas a 15 (quinze) módulos fiscais mediante concorrência pública.” Como o maior módulo fiscal na Amazônia é de 100 hectares, a área máxima será de 1.5 mil hectares, isto se não mudarem também a dimensão destes módulos. Volto a repetir, trata-se de uma afronta aos princípios constitucionais e a tudo o que o Partido dos Trabalhadores pregou antes de sua chegada a presidência da República: o governo Lula está fazendo o que nenhum governo, depois dos militares, fez, “vendendo” ao agronegócio as terras públicas do INCRA na Amazônia.

Por isso, como pode o INCRA, por meio do recadastramento controlar o desmatamento na Amazônia? A razão fundamental do desmatamento sempre foi a grilagem das terras públicas que o próprio INCRA está legalizando. E mais, se não bastasse mais esta farsa, o II PNRA acabou em 2007, portanto, o governo não tem mais a obrigação de fazer a reforma agrária e, ninguém fala nada. Mas este será o assunto do próximo artigo.

(*) Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).

Fonte: Radioagência Notícias do Planalto

 

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