Após uma rápida exposição sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ministro debateu com lideranças do movimento social e sindical sobre os desafios colocados pela conjuntura. Abaixo, o Portal do Mundo do Trabalho publica a entrevista dada por Dulci ao final do evento.
E a mudança no índice de produtividade para acelerar a reforma agrária?
Na minha opinião pessoal precisa ser imediatamente atualizado. É fato que o governo assumiu o compromisso de atualizar os índices de produtividade para efeito de desapropriação da reforma agrária. Isso é uma necessidade, porque os índices são muito antigos, estão defasados em relação à produtividade real da terra hoje. Então se você tem um índice de 20 anos atrás e não atualiza, significa que você reduz o universo potencial de desapropriação. Não mantém como era, reduz. Então há esta constatação dentro do governo. Até agora esta iniciativa ainda não foi tomada por uma avaliação até da viabilidade da aprovação disso no parlamento, mas o presidente reiterou o compromisso sem definir data. O governo reconhece o compromisso, que não cumpriu até agora, e vai reunir os dois ministérios, o do Desenvolvimento Agrário e o da Agricultura, para avançar nesta decisão.
Governo adotou agenda que foi derrotada nas eleições, dizem movimentos sociais a Dulci
Em reunião de cerca de quatro horas entre o ministro e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), dirigentes fazem duras críticas aos rumos da política do Planalto e à falta de diálogo com os movimentos. Dulci prometeu levar avaliações ao presidente Lula.
Fonte: Agência Carta Maior
Por : Verena Glass
SÃO PAULO – Na última sexta-feira (25), dois dias após a mobilização nacional dos movimentos sociais por “nenhum direito a menos” (23 de maio), o secretário geral da Presidência da República, Luiz Dulci, se reuniu em São Paulo , na sede nacional da CUT, com dirigentes de organizações da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS, que congrega CUT, MST, UNE, Marcha Mundial de Mulheres, movimento de moradia, etc) inicialmente para discutir o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas nas cerca de quatro horas de duração da conversa, pouco se aprofundou as questões técnicas do Plano. Falou-se mesmo da agenda política do governo.
Em um primeiro momento, otimista, o ministro Dulci buscou demonstrar através de gráficos o bom desempenho econômico do primeiro mandato do presidente Lula. Mais adiante, no balanço sobre os resultados e as perspectivas dos chamados programas sociais, porém, o tom baixou um pouco. Principalmente quando o assunto foi a Reforma Agrária e o funcionalismo público. Segundo Dulci, nos primeiros quatro anos de Governo Lula o programa de Reforma Agrária não teria avançado tanto quanto as políticas para a Agricultura Familiar (agraciada na última semana com um orçamento de 12 bilhões para o próximo plano-safra). “No primeiro mandato, não conseguimos fazer [a reforma agrária] como gostaríamos. Em 2007 realmente temos que fazer mais e melhor”, reconheceu o ministro.
Sobre os projetos que tramitam ou tramitarão no Congresso e que podem afetar diretamente direitos dos trabalhadores - como a limitação do direito de greve dos servidores federais, a emende 3 da super-receita e o PLP 001, que limita as despesas com o funcionalismo público por 10 anos -, Dulci expressou uma posição pessoal contrária, chegando a insinuar que, se não houver recuo por parte do Planalto, uma “incompatibilidade” entre seus princípios e as opções do governo poderiam motivar seu desligamento.
Por fim, no pouco tempo que acabou reservado ao PAC, Dulci buscou ressaltar os investimentos programados para a infra-estrutura social (Luz para Todos) e urbana (habitação e saneamento, que têm previstos cerca de 170 bilhões para investimento), mas avisou: se não houver luta social, estas verbas não serão liberadas. “Às vezes o governo quer fazer [programas sociais], mas não há correlação de forças. Por isso a importância das lutas sociais: tem que disputar o bolo da riqueza. A disputa com a direita, basicamente, é sobre para onde vai o dinheiro público. Por isso tem que haver mobilização social”, afirmou o ministro.
Agenda da direita
Após sua explanação inicial, durante mais de duas horas o ministrou Dulci passou a ouvir um desabafo coletivo que explicitou o descontentamento dos movimentos sociais com os rumos do governo.
Especificamente sobre o princípio do PAC – a volta do investimento do Estado em projetos de crescimento nacional -, não houve discordâncias de fundo. Péssimo, segundo o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, é que, depois de uma derrota fragorosa do projeto conservador nas urnas em 2006, a agenda da direita estaria imperando na pauta do governo. “Quinze dias depois [da posse do governo Lula], já se falava em reforma da previdência, reforma trabalhista, etc. A agenda perdedora da direita está ganhando cada vez mais espaço no governo, que se reúne muito mais com o capital do que com os movimentos sociais”, disparou Artur Henrique.
Segundo o presidente da CUT, o próprio PAC seria inviabilizado se o governo aprovasse o Projeto de Lei Complementar - PLP 001. “Isso seria um tiro no pé. Por exemplo, o PAC prevê a construção de 150 escolas técnicas. Se aprovar o PLP 001, o governo não poderá contratar professores, não terá como fazer investimentos em educação. O PAC não tem como ser efetivado sem investimentos do Estado”, ponderou, numa crítica ao anseio do governo de provar ao mercado que controlará os gastos públicos.
O ex-presidente da central e hoje secretário de relações internacionais da CUT, João Felício, também foi duro na avaliação sobre as recentes opções do presidente Lula, explicitadas, segundo ele, no elogio rasgado aos usineiros. “Os movimentos sociais colocaram muita garra na eleição de Lula, mas de quatro meses pra cá houve uma mudança em relação ao tom adotado durante a campanha. Tem capeta solto em Brasília, parece que abriram as portas do inferno”, desabafou. E acrescentou: “não imaginava que alguém no governo pudesse redigir um projeto como esse que limita o direito de greve dos servidores”.
Segundo Felício, a sinalização sobre a flexibilização de direitos trabalhistas, vinda do Planalto, incita ataques em outras esferas. “Se o governo reforça questões como limite ao direito de greve, ele reforça a criminalização [dos movimentos]. Essas medidas podem resultar em uma guinada na relação dos movimentos com o presidente. Começa-se ouvir propostas de greve contra Lula, é uma guinada”, alerta. Julio Turra, também dirigente da CUT, emenda: “a relação do governo Lula com os movimentos não é boa. Somente a CUT tem três pedidos de audiência pendentes. Por outro lado, Lula teve duas entrevistas de alto nível, no mesmo mês (março), com Bush, esse genocida que ele chamou de companheiro. O descontentamento da base social [do presidente Lula] está crescendo”.
Representando o MST, o dirigente nacional do movimento, João Paulo Rodrigues, também ressaltou as poucas reuniões do presidente Lula com os setores sociais. “Não conseguimos construir uma relação política do presidente Lula com a CMS. Foram apenas duas reuniõs formais durante todo o período de seu governo, as duas em momentos de crise. A dúvida que surge é: a relação do governo com os movimentos é meramente utilitarista? O governo só quer apoio público? Isto seria muito ruim”.
Recado dado
A sinceridade que marcou a interpelação dos dirigentes sociais ao ministro (o tom geral de crítica à agenda política se repetiu nas falas da UNE, Marcha Mundial de Mulheres, Conam e outros) acabou impregnando também suas respostas. Sobre o elogia de Lula aos usineiros, por exemplo, Dulci afirmou que também não gostou da caracterização do setor como herói nacional. “Falei com o presidente. Os usineiros representam o setor mais conservador do país”.
Sobre a acusação de que o governo teria adotado a agenda da direita, derrotada nas urnas, Dulci reconheceu que existe uma divisão interna e uma tendência de discutir a pauta conservadora, que pode dilapidar as relações históricas com os movimentos. “Isso azeda a relação com os movimentos, divide e favorece o jogo da direita. Se a governabilidade política é imprescindível, também tem que haver governabilidade social. No auge da crise [do chamado mensalão], o governo perdeu a governabilidade política, mas não a social. Se tivesse perdido as duas, não se sustentaria”.
Segundo o ministro, é fato que a relação do governo com os movimentos sociais terá que dar um salto de qualidade. Nesse sentido, Dulci afirmou que levará as questões apresentadas pelos dirigentes ao presidente, com a sugestão de uma nova reunião com a CMS. “A relação com os movimentos sociais tem que interessar ao governo, nem que for para discordar. O que não pode é fazer esse debate pela imprensa”, afirma.