A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é uma referência para a proteção dos direitos humanos. Foi proclamada pelas Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, há 75 anos. Uma referência porque, ainda que represente um grande passo, está longe de efetivamente incluir a diversidade das dignidades, das humanidades e dos direitos.Todas as lutas por direitos têm nas defensoras e defensores de direitos humanos impulsionadores/as.
Por *Paulo César Carbonari e **Euzamara de Carvalho
Eles/as é que fazem a organização das lutas por direitos, razão pela qual são fundamentais para a realidade de sua efetivação. Eles/as fazem do cotidiano de suas vidas processos coletivos para levar adiante as denúncias e, acima de tudo, o anúncio de novos tempos. Eles/as carregam a “estranha mania de ter fé na vida” e de fazer da vida a luta por causas, muito além de demandas ou de reivindicações. Recebem-nas como legado e as levam adiante, fazendo-as suceder nos/as que vêm. Por isso, um salve também à Declaração sobre pessoas defensoras de direitos humanos, que completa 25 anos.
Direitos são obra humana em permanente construção, por isso são históricos e são profundamente marcados pelas contradições que constituem a dinâmica social, política, econômica e cultural. Se é verdade que buscam normatizar os anseios que dizem dos bens (materiais, simbólicos, espirituais) necessários à vida humanizada, também se prestam à relações funcionais à ordem e são dependentes do que são entendidos como sendo estes bens e a própria humanidade em cada correlação. Relações de classe, de raça/etnia, de gênero/identidade sexual, além de relações geopolíticas, interagem para determinar quais humanos/as cabem na humanidade em cada momento histórico e em razão disso, são abrigados/as pelos direitos humanos.
Mas, então, o que significa o “universal” que está no título da Declaração? Significa dizer que a universalidade, ainda que desejada, não se efetivou nem na própria DUDH.
As diversas lutas por direitos seguem mostrando que ainda não se reconhece e nem se inclui nas mesmas condições, com igualdade e sem discriminação, as diversidades de humanidade, seja em sua efetividade, seja nas concepções que informam a DUDH. Quando foi promulgada, milhões ainda viviam sob o colonialismo; hoje, milhões são os/as que dele sofrem as consequências, mas também as mulheres, os/as negros/as, os/as LGBTIA+, as pessoas com deficiência, as crianças, os idosos, os povos indígenas, enfim, aqueles/as que ainda não viram acontecer na sua vida a realização dos direitos humanos.
As lutas por direitos seguem sendo permanentes e, ainda que se inspirem na própria DUDH e em seu desejo universalista, também denunciam a estreiteza deste universalismo. Por isso, em movimentos insurgentes, seguem exigindo sejam explodidas/implodidas todas as práticas de desumanização ainda vigentes, por manterem humanos/as fora da humanidade, vítimas de violações do patriarcado, da misoginia, da lgbtia+fobia, do capacitismo, do racismo, do etarismo, da exploração e expropriação do trabalho, do capitalismo, enfim, das muitas e persistentes formas de desumanização. Enquanto persistir um/a humano/a vítima de violação ainda não serão realizados universalmente os direitos humanos.
As lutas por direitos seguem também criando novos direitos, lutando pelo seu reconhecimento e pela sua efetivação. Os novos direitos nascem das lutas dos “sem direitos” que, ao colocarem novas exigências, insurgem em denúncia, mas, acima de tudo, anunciam que ainda há sujeitos e direitos que não estão no rol dos direitos humanos e, se ainda não estão ali previstos, então também por isso a universalidade dos direitos humanos segue sem ser efetivamente concretizada.
No Brasil seguimos com um desafio cotidiano de proteger e fortalecer a luta dos defensores e defensoras de direitos humanos. A retomada da democracia, com a vigência de um governo eleito pelo voto popular, apresenta caminhos de possibilidades para efetivação dos direitos humanos na relação com a luta dos seus e suas defensoras. A expectativa materializada na luta diária se ressignifica com a memória da DUDH para a necessária implementação de políticas públicas de acesso, efetivação e promoção dos direitos humanos.
Direitos humanos servem à luta por libertação, à humanização, que é também um exercício permanente de aprendizagem. Estamos desafiados o tempo todo a enfrentar todas as “pedagogas da crueldade” e efetivar práticas de “pedagogias da proteção”, que, diante de tantas desigualdades e discriminações, sigam mostrando ser necessário acreditar e exigir que o “todos” não seja privilégio de poucos, mas efetivamente realidade. Pode parecer impossível, mas, como lembra Brecht, “nada deve parecer impossível de mudar” para quem vive em “tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada”.
Enfim, o mestre Paulo Freire dizia que ninguém educa ninguém... parafraseando, dizemos: ninguém realiza os direitos humanos de ninguém, ninguém realiza os direitos humanos sozinho/a, realizamos os direitos humanos em comunhão, juntos/as, participando diretamente das lutas para sua efetivação e, também, das lutas para destruir aquelas ações que querem colocá-los a serviço da regulação, da ordem e do controle. O desejo de universalização dos direitos humanos segue inspirando a luta pela transformação revolucionária do mundo, para criar “mundos nos quais caibam todos os mundos”.
* Paulo César Carbonari é doutor em filosofia (Unisinos), membro da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH Brasil), coordenador do Projeto Sementes (apoiado por União Europeia).
** Euzamara de Carvalho é pesquisadora doutoranda no PPGDH/UnB, assessora jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT), membro da Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires