Promovido pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, o debate foi presidido pela deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) e contou com depoimentos de vítimas de violência no campo, nas águas e nas florestas.
Texto e Fotos: Nathalia Carvalho / Campanha Contra Violência no Campo
Na última quinta-feira (31/8), em meio ao julgamento do Supremo Tribunal Federal e às mobilizações ao redor do país contra a Tese do Marco Temporal e em favor dos direitos dos povos indígenas, a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais promoveu um debate sobre a Campanha Contra Violência no Campo: pelos povos do campo, das águas e das florestas. Na ocasião, foram trazidos à memória casos emblemáticos de violência por território no país, depoimentos de vítimas desses conflitos e apresentação de dados atualizados sobre o tema.
“Hoje, essa audiência se trata, sobretudo, para escancarar e para dizer que as nossas vozes não podem ser ocultadas. Não queremos tornar estatística de violência, mas quem não conta nossos vivos, certamente não contará os nossos mortos”, destacou Célia Xakriabá, em fala de abertura.
Participaram da audiência: Dom Ionilton, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e representante da Campanha Contra a Violência no Campo; Tales dos Santos Pinto representante do CPT Nacional; Luis Ventura, secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi); Marta do Socorro Farias Barriga, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Ana Lúcia Rocha Souza, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag); Dinaman Tuxá, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Ana Luisa Zago, representante do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
“A Campanha Contra Violência no Campo nasceu como uma forma de mobilizar outras forças que também trabalham em defesa da vida e da proteção dos povos do campo, das águas e das florestas. A gente quer o fim da violência, para se poupar vidas e para se preservar a natureza, as águas e os territórios, por meio de ações e políticas de proteção aos povos e comunidades”, destacou Dom Ionilton, representante da Campanha e presidente da CPT.
A Campanha já é formada por mais de 60 organizações e movimentos sociais e pastorais que unem forças na busca por justiça, reconhecimento e visibilidade da pauta, com o objetivo de fortalecer as ações de enfrentamento à violência no campo.
A audiência pública também contou com a presença da deputada Erika Kokay (PT-DF), do deputado Chico Alencar (Psol-RJ) e de representantes de diferentes povos e comunidades indígenas, entre eles: Guarani Kaiowá, Xerente, Xakriabá, Terena, Kayapó, Pataxó e Kaxarari.
DADOS DE VIOLÊNCIA
Ao apresentar os dados do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pela CPT no início deste ano, Tales dos Santos chamou atenção para um crescimento de 10% nos registros de conflitos dentro dos eixos terra, água e trabalhista, em relação ao ano anterior, representando quase 1 milhão de pessoas envolvidas nesses conflitos.
“Nesses últimos quatro anos, nós percebemos uma média de 1.900 conflitos anuais, contrastando com os períodos anteriores. Isso se manifestou em uma série de violências específicas, principalmente nos casos de invasão de territórios, grilagem e pistolagem”, alertou Tales.
Segundo o relatório, entre 2013 e 2022, foram 7.537 ocorrências de violência por terra e pela água, afetando cerca de 2.227.008 famílias.
“As ameaças de morte podem se agravar ao longo do tempo, sobretudo, por não haver atuação coordenada do Estado no sentido de eliminar as causas que são geradoras de violência,” concluiu o representante do CPT.
O debate também trouxe luz aos dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil 2022, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário. O estudo registrou, só no ano passado, 158 casos de conflitos por direitos territoriais e 416 casos de violência em terras indígenas.
Para Luis Ventura, a falta de providência quanto à demarcação e proteção das terras indígenas, a liberação de armas, o descumprimento do Estado a acordos internacionais e o uso da força policial para coagir e oprimir os povos indígenas são algumas das razões que determinam o aumento expressivo da violência em todas as categorias formuladas pelo relatório.
“O verdadeiro enfrentamento da violência contra os povos indígenas se dará quando o Estado compreender que os territórios indígenas não se vendem e que os direitos indígenas não se negociam”, concluiu Ventura.
Acerca dos dados registrados pelos relatórios sobre violência, o representante da Apib, Dinaman Tuxá, falou sobre o genocídio institucional que assola o país em forma de projeto político, enfraquecendo as instituições e gerando um aumento nos conflitos socioambientais e disputa por território.
“Quando o Estado brasileiro se omite e declara de forma clara que é contra os povos indígenas nós nos levantamos. É preciso identificar quem são os responsáveis por financiar essa política genocida”, concluiu.
RETRATOS DA OMISSÃO
A audiência ocorreu após quase um mês do assassinato da Mãe Bernadete Pacífico, importante liderança quilombola e ialorixá, que lutava por justiça acerca do assassinato do filho Binho do Quilombo - também vítima de conflito no campo.
A representante do MPA, Marta Barriga, destacou a certeza da impunidade, o machismo e o patriarcado como ferramentas chave no aumento dos índices de violência no campo, nas águas e nas florestas.
“É desigual a luta em relação aos crimes ambientais, à grilagem de terras, e aos grandes projetos do capital. Então a gente precisa ter a esperança de que essas pessoas vão ser escutadas. Não é fácil você estar com a sua família na sua casa e pessoas travestidos de seguranças portando armamento pesado ingressarem nas suas casas”, destacou Marta.
O evento também contou com o depoimento de Ana Lúcia Rocha, representante da Contag e moradora de São Benedito de Rio Preto, no Maranhão. Ela relatou o histórico de ameaças e violência que a sua comunidade, Baixão dos Rochas, sofre desde 2015, quando duas empresas invadiram o seu território, impactando o sustento e a paz dos moradores locais.
“A gente já tinha procurado ajuda do sindicato, da prefeitura do município, mas ninguém nos apoiou. Nesse ano [2023] aconteceu o ataque mais cruel, porque destruíram as nossas casas, árvores e animais. Eles tentam nos intimidar, nos calar, porque eles sabem que a gente está lutando pelo que é nosso por direito”, destacou.
Para Jesus Gonçalves, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Estado tem dado continuidade à violência contra os povos, a partir da ausência de uma Reforma Agrária, da falta de demarcação de terras indígenas e da não regularização de territórios quilombolas no país.
“Não existe exploração da floresta, porque ela não tem existido mais. No Pará, nós temos o maior índice de grilagem de terra, mais de 2 mil famílias na lista de despejo e mais de 100 defensores na lista de ameaçados. Se o ataque contra nós é sistêmico, organizado e coletivo nós também devemos nos organizar”, concluiu.
Assista a Audiência Pública na íntegra.