Presidente de uma cooperativa que há cinco anos lida com a comercialização do grão na região de Londrina (PR), Fabio de Paula Herdt conta que o cenário brasileiro tem sido pouco atraente para aqueles que se dedicam ao segmento.
“Na verdade, não compensa plantar o feijão hoje, dadas as condições de produção e preços. Hoje não tem um seguro garantido, por exemplo, para o produtor de feijão. A compra de insumos, toda essa parte do plantio não é financiada. Então, o produtor tem que plantar por conta própria”.
A conjuntura fez com que o número de produtores de feijão associados à cooperativa caísse de 120, em 2020, para 80 neste ano. “O avanço da soja e do milho está muito grande sobre quem cultiva esse grão, principalmente os pequenos produtores”, observa Herdt.
Ao evocar dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), destaca a relação matemática entre a as áreas plantadas pelo agronegócio e a realidade de culturas mais voltadas à alimentação. A diferença chama a atenção, por exemplo, no intervalo entre os anos de 2000 e 2020.
“Se você pega soja, milho e cana, que são consideradas culturas nobres do agronegócio exportador, a área cresceu 84,4 milhões de hectares nesse período. De outra parte, teve redução de área plantada com arroz, feijão e mandioca. Juntas, essas três culturas perderam 4,3 milhões de hectares nesse período.”
Como resultado desse panorama, a tendência é que a safra 2021/2022 do feijão apresente a segunda menor área plantada da história, com projeção de 2.907,2 mil hectares, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Considerando a linha do tempo da série histórica, que mede o andamento da produção desde 1976, o número é o segundo mais baixo já registrado. Área menor foi identificada somente na safra 2015/2016, quando foram registrados 2.837,5 mil hectares de plantio do grão pelo país.
“Para a cadeia do feijão, isso é drástico. Sabe quem mais sofre com isso? O consumidor final, já que, para as grandes empresas que empacotam feijão, não muda muito. Me parece que elas estão apostando nisto: quanto maior o preço do feijão, muito mais fazendeiro vai plantar e muito menos o agricultor familiar vai plantar porque o agricultor não tem incentivo e o fazendeiro tem dinheiro”, lamenta Herdt.
Produção e preço
A realidade mencionada pelo diretor da cooperativa já é sentida em outras experiências no Paraná. O agricultor Valdemir Ferreira dos Santos, que reside no assentamento Eli Vive, em Londrina (PR), conta que tem conseguido manter a safra média do produto, que ele planta em setembro e colhe em dezembro.
“Tirei 105 sacas no último período, mas essa não é exatamente a situação de outros trabalhadores por aqui”, pondera, ao mencionar a existência de 501 famílias que produzem diferentes gêneros alimentícios no local.
A camponesa Marilda Aparecida da Costa Farias, por exemplo, conta que plantou a leguminosa em 2015 e, após a colheita, praticamente abandonou a cultura voltada para o comércio, passando a produzir apenas pequenas quantidades para o consumo da família, que planta cará, milho e outros produtos em uma horta.
Ela considera o feijão “difícil de lidar” por conta da falta de incentivos. “Sinto muito que as coisas estejam desse jeito porque não era para ser assim. Era para ter apoio a quem produz alimento. Enquanto isso, a gente vê a soja, o milho e mesmo o trigo aumentando”.
Santos cita que muitos agricultores da região agora optam pela soja, cuja produção conta com linhas de crédito bancário facilitadas e pacotes tecnológicos acessíveis. O resultado disso é a queda na quantidade de camponeses e outros produtores interessados em plantar feijão.
“Isso diminui a produção e impacta no preço que chega a toda a população”, realça Valdemir, ao mencionar que a saca de 60 kg já custou R$ 220 em 2018. “Depois foi para R$ 290 em 2021 e agora, em 2022, a gente já vê por R$ 350 na região”.
Agro
A realidade contrasta com os incentivos dados a quem produz para o agronegócio. Tais iniciativas passam, entre outras coisas, pelas medidas adotadas por instituições financeiras que, com estímulo do governo Bolsonaro, oferecem mecanismos de redução de riscos para médios e pequenos produtores de soja e milho.
Os dois cultivos são braços fundamentais do agronegócio monocultor, atividade energicamente defendida pela chamada “bancada ruralista”. O grupo é um dos pilares políticos da gestão do ex-capitão.
Dados levantados pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura (Mapa) junto a bancos apontam para 27% de área de cultura de soja segurada no Mato Grosso do Sul, por exemplo, onde o milho conta com 16,1% de amparo para esse tipo de cobertura.
Os percentuais, que são preliminares, foram divulgados em janeiro deste ano. Já no Paraná, segundo maior produtor de soja do Brasil e estado onde agentes ativos na agricultura familiar entoam repetidamente o problema sobre a falta de apoio para cultivo do feijão, os índices são ainda mais altos: as lavouras de soja têm 44,6% de área segurada, enquanto o milho conta com 34,3%.
“Há uma loucura no sentido de que a soja está tomando conta de tudo. A soja tem todo um incentivo das grandes empresas transnacionais, que fornecem um pacote tecnológico pleno. Elas fornecem tudo para o agricultor plantar soja e substituir as outras culturas”, descreve Roberto Baggio, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).
Ele acrescenta que também se torna atraente para muitos agricultores o fato de o preço do grão ser dolarizado, uma vez que o produto está na rota do mercado internacional. “Ano passado a saca da soja aqui foi vendida em média por R$ 76 e, agora, estão oferecendo na faixa de R$ 140, R$ 150 reais porque o dólar explodiu”.
Governo
O engenheiro agrônomo Gerson Teixeira ressalta a preocupação com o desmonte de políticas públicas antes mais focadas no incentivo ao trabalho dos camponeses, como é o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Para 2022, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou R$ 87,2 milhões da pasta da Agricultura. Na justificativa do corte, que atingiu também diversas outras áreas e chegou este ano a um montante de R$ 3,1 bilhões, o mandatário apontou “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público” na peça orçamentária.
Com o cenário de novos cortes nos investimentos estatais e o avanço do agronegócio, a tendência é que as políticas direcionadas à produção de alimentos se tornem ainda mais escassas e desidratadas.
“Com isso, corremos o risco até de viver um apagão da comida. Num eventual próximo governo que busque acabar com a fome e recuperar a renda e o emprego da população, se essa população volta a consumir, não vai ter comida. Então, a próxima gestão terá que implementar um grande programa de estímulo à produção de comida de novo”, diz Teixeira.
Edição: Arturo Hartmann