Nota dos movimentos sociais do campo
O agronegócio é apresentado como o que existe de mais moderno e eficiente. Na verdade não passa de um modo de organizar a produção agrícola e agroindustrial de modo a favorecer grandes interesses e máximos lucros, dos antigos donos das terras às multinacionais, passando pelos especuladores financeiros.
A lógica é a do mercado - de agrotóxicos, de adubos químicos, de sementes transgênicas, de máquinas pesadas. Agora, das drogas e do narcotráfico.
Conforme revelou ação da Polícia Federal, na semana passada, a empresa de fruticultura irrigada Mariad, no município de Juazeiro-BA, produzia e exportava mais do que manga e uva; também cocaína, trocada pela maconha de alto teor produzida na região do Submédio São Francisco. Em franca expansão, já controlava cinco fazendas. O dono era o colombiano Gustavo Duran Bautista, mas o líder do "grupo empresarial" era o mafioso colombiano das mil faces Juan Carlos Abadia, preso recentemente em São Paulo.
Em 01/07/2007, o Jornal do Brasil, em reportagem de Vasconcelo Quadros, denunciava: "Sem controle, agronegócio é a mais atrativa lavanderia". E dizia: "O agronegócio brasileiro camufla uma poderosa rede de lavagem de dinheiro. Cobiçada pelas quadrilhas devido à quase completa falta de controle, as lavanderias rurais deixam mais branco os recursos originados da corrupção em órgãos públicos, do tráfico de drogas e do contrabando. Segundo especialistas, os canais de escoamento são múltiplos: terras, bois, sêmen de animais, cavalos de raça, produção de grãos ou a organização de uma empresa com atividades diversificadas, que vão de um sofisticado haras a uma bucólica fazenda".
E tudo isto, lastimavelmente, financiado com dinheiro público. São bilhões de reais retirados dos cofres públicos para dar sustentação a este modelo de agricultura, privilegiado pelos últimos governos. Hoje, a dívida do agronegócio com o governo federal é de R$ 138 bilhões, renegociada, ano passado, para mais 25 anos. Só em Petrolina o valor gira em torno de R$ 3 bilhões, só com o governo federal. Projeto em tramitação atualmente na Câmara prevê o recálculo geral e a rolagem dos débitos antigos dos ruralistas, no valor de R$ 70 bilhões, por até 30 anos.
Esse mesmo modelo agrícola é responsável pela destruição da biodiversidade e dos modos tradicionais de vida da população camponesa. A concentração de terras tem aumentado e uma mostra disso é que as propriedades acima de mil hectares, na região do semi-árido, tiveram um incremento de 4% nos últimos 10 anos, dessa forma passaram a ter em média 1900 hectares. Isso significa que os pequenos agricultores estão sumindo, ficando cada vez com menos área para o cultivo dos alimentos que põem a mesa do nordestino, como feijão, mandioca, milho, carne de bode e carneiro e frutas regionais.
Estudos patrocinados pelo Banco Mundial comprovaram que os projetos de irrigação não têm real eficiência econômica e sob os pontos de vista social e ambiental são um "desastre" para a sociedade. Concentração de recursos e riquezas, degradação de solo e água, empregos de baixa qualidade, super-exploração do trabalho, intoxicação de trabalhadores e consumidores por agrotóxicos, violência e criminalidade estão entre as características do modelo.
É nesse contexto de "reino do agronegócio", das "narcofrutas" e da lavagem de dinheiro, que se insere o projeto do governo federal, aliado com elites daqui e de fora, de transpor águas do rio São Francisco. Para mais "negócios", com a água, com a terra, com a sede e a fome humanas, o povo pagando a conta.
Nós entidades abaixo-assinadas, representantes dos movimentos sociais no campo, repudiamos este modelo de agricultura e as políticas que lhe dão sustentação. Exigimos que seja executada a dívida dos ruralistas e que os bens naturais e os recursos públicos do Nordeste e da Bacia do Rio São Francisco sejam postos a serviço do bem-estar dos próprios povos, para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Juazeiro, 5 de setembro de 2007.
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores, MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Curaçá-BA e de Santa Maria da Boa Vista-PE, Povo Indígena Truká, Comissão Pastoral da Terra / Bahia, Conselho Pastoral dos Pescadores / Nordeste.