Atualmente o Brasil enfrenta uma crise sanitária que se aproxima de 600 mil vidas perdidas para a pandemia do Coronavírus, uma crise econômica com o aumento do desemprego, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) atinge 14,7% da população ativa, além de uma pandemia de fome, que já afeta 9% da população, somando 19 milhões de brasileiros que passam fome ou convivem com a insegurança alimentar, sem acesso permanente aos alimentos, conforme dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN).
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Por outro, lado o governo Bolsonaro vetou pela segunda vez o Projeto de Lei Assis Carvalho II (PL 823/2021), aprovado pelo Congresso Nacional para socorrer a agricultura familiar camponesa com auxílio emergencial.
Mas, parece que Bolsonaro e os congressistas governistas que apoiam seu projeto de morte estão mesmo preocupados com a possibilidade da população brasileira se organizar e promover lutas sociais e políticas, de forma coletiva, para reivindicar direitos que estão sendo negados ou já foram retirados pelos governos. Na madrugada da última quinta-feira (16/09), a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de ações “contraterroristas” (PL 1595/19) que, conforme denúncias dos congressistas da oposição, abre caminho para a criminalização de movimentos populares. A proposta agora segue para análise no plenário da Câmara e pode ser votada a qualquer momento.
Sobre os perigos em relação à aprovação do Projeto de Lei Antiterrorismo (PL 1595/19) para democracia brasileira e as lutas sociais no país, entrevistamos a advogada e professora de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carol Proner, e o advogado no MST e assessor legislativo, Patrick Mariano.
Confira a entrevista!
Em linhas gerais, qual o objetivo do Projeto de Lei (PL 1595/19) que trata de “Contraterrorismo”?
Carol Proner: O propósito do PL, de autoria do Major Vitor Hugo, seria complementar os atos já tipificados como terrorismo (pela Lei 13.260 – que criou o tipo penal terrorismo) mas, segundo o autor, existem atos que, embora não sejam tipificados como tal, podem causar danos ao patrimônio público e privado e comprometer a capacidade do Estado de tomar decisões.
Em território nacional não se dá o tipo terrorismo, conforme preventivamente descrito na proposta. O próprio autor do projeto apresenta como subsídios o episódio do ônibus da Praça Rio-Niterói, ou eventuais ameaças de ataques durante a copa do mundo, menciona potenciais ameaças à escolas, mas nas estatísticas oficiais não há dados que sustentem esse argumento.
A delimitação da conduta terrorista (que histórica, sociológica e politicamente já é vaga – sujeita ao arbítrio) é construída/complementada a partir de uma abstração excessiva em relação à legislação vigente, acarretando problemas de legalidade dos procedimentos previstos.
Caso seja aprovado, como o Projeto de Lei Antiterrorismo pode abrir precedentes para o ataque aos direitos humanos e lutas por direitos sociais e políticos organizadas por movimentos populares, sindicais, políticos, ONGs, entre outros?
Patrick Mariano: Não dá pra cravar ao certo, mas o que se pode afirmar é que leis penais atuam seletivamente, sendo escolhidos aqueles de sempre do sistema penal e os inimigos políticos assim determinados por quem exerce o poder.
A proposta aumenta o controle e monitoramento do Estado sobre algo que sequer existe no país que é aquilo que, no pós 11 de setembro de 2001, os EUA assim definiram como “terrorismo”. Se não existe por aqui, se torna um cheque em branco punitivo.
Será mais um instrumento de poder punitivo à disposição do Estado. Ou seja, quanto maior é a amplitude do poder punitivo, menor é o espaço de exercício das liberdades democráticas.
Como o PL Antiterrorismo afeta a liberdade de expressão garantida pelo artigo quinto da Constituição de 1988 e a democracia brasileira?
Carol: O debate se faz às pressas, sem a adequada participação pública, mas para além disso, não se trata de uma divergência de campos políticos – ou de um debate de oposição x governo –, mas de uma visão de Estado e consequente olhar para o futuro como nação para preservar direitos e proteger a teia de proteção de garantias que foi arduamente estabelecida na Constituição de 1988.
Por outro lado, com a aprovação da lei, o Brasil abre espaço para o arbítrio de procedimentos sem o controle das instituições do Estado que, por sua vez, estão sob controle constitucional e das garantias fundamentais.
Patrick: Na própria justificação o autor do projeto deixa claro que dentre os objetivos do PL é criminalizar os movimentos sociais e os relacioná-los às práticas terroristas, o que contraria a Constituição da República de 1988 e o Estado de Direito em seus objetivos fundamentais, dentre eles o da liberdade de expressão. Em resumo, é a volta daquela visão de tratar os problemas sociais como caso de polícia.
O PL cria uma política antiterrorismo subordinada à Presidência da República. Como a lei poderá ser usada por Bolsonaro para atacar adversários políticos e movimentos populares como o MST, por exemplo?
Patrick: É cedo ainda pra qualquer previsão nesse sentido, ao que consta ainda deverá existir um debate no Congresso e novas modificações poderão ser feitas. Mas, hipoteticamente, se o processo legislativo houvesse sido concluído hoje, sem dúvida seria mais um instrumento de poder punitivo nas mãos de quem exerce o poder.
Que ações os partidos de oposição e os movimentos populares podem organizar para tentar barrar esse projeto?
Carol: Cabe aos movimentos sociais, partidos e instituições estarem atentos ao andamento deste perigoso PL, que trata de um fardo importante para a autonomia e a soberania do país frente ao assédio da extraterritorialidade que opera fortemente na América Latina em um contexto no qual o direito é arma de uma guerra não tradicional.
Patrick: Mobilizações, articulações, denúncia em todos os espaços de mídia e organismos de direitos humanos.
Como envolver a população brasileira no debate sobre os perigos do projeto de Lei Antiterrorismo?
Patrick: Tornar público o debate e denunciar.
*Editado por Fernanda Alcântara