O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), chega à Cúpula do Clima, convocada por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, tentando afastar do país o título de pária ambiental, para conseguir recursos financeiros. O evento virtual que se inicia nesta quinta-feira (22) reúne 40 líderes mundiais e marca o retorno oficial dos EUA ao Acordo de Paris, um tratado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) que determina metas de redução de emissão de gases do efeito estufa, a fim de conter o aquecimento global.
Em meio ao contexto de descrédito mundial, fruto da gestão marcada pelo desmatamento recorde, desmonte de órgãos de fiscalização e graves acusações contra Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, Bolsonaro deve enfrentar resistência dos demais países.
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Na tentativa de abrir diálogo com Biden e contornar a situação, o brasileiro enviou uma carta ao norte-americano uma semana antes do encontro, na qual prometeu acabar com o desmatamento ilegal no Brasil até 2030, desde que haja investimento internacional para tal.
Enquanto Salles estima que o país precise de 10 bilhões de dólares por ano em investimentos estrangeiros para alcançar a neutralidade das emissões de carbono até 2050, outra meta assumida pelo presidente sem maiores detalhes, a Casa Branca exige políticas concretas e imediatas de combate ao desmatamento ilegal para liberar o dinheiro.
Mas, mesmo com a pressão internacional e cobranças diretas de John Kerry, diplomata especial para o Clima do governo Biden, representantes de organizações ambientais não enxergam a mudança de rota na política ambiental como uma possibilidade real.
“O Brasil está se colocando, desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, como inimigo do meio ambiente e da agenda climática. Chega na Cúpula com a pior perspectiva possível, sendo um país que hoje faz parte nitidamente do problema e não da solução”, avalia Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima.
Astrini complementa que a Cúpula deve destacar as metas dos Estados Unidos e da China, principais países emissores de gases do efeito estufa, o que fará com que o Brasil ocupe um papel coadjuvante no encontro.
Para ele, a tentativa de Biden ao sinalizar as negociações é “tirar o governo Bolsonaro dessa ‘posição de arrumar problemas’. “Mas duvido muito, não acho que serão essas negociações que farão mudar o comportamento de Bolsonaro”.
Acordo ilegítimo
Um possível acordo ambiental entre os dois países é considerado o primeiro teste da relação bilateral após Donald Trump, apoiado incondicionalmente por Bolsonaro, deixar a Casa Branca.
No início do mês, cerca de 200 entidades brasileiras enviaram uma carta ao governo de Joe Biden pedindo que os Estados Unidos não façam nenhum acordo climático com Bolsonaro a portas fechadas, já que as propostas do governo não têm legitimidade junto a sociedade civil e povos tradicionais.
“Se houver alguma mão estendida ou algum prestígio dessa agenda de Bolsonaro, é importante que Biden entenda que faz isso por Bolsonaro e não pelo Brasil. O que seria muito estranho porque foram eleitos para tirar do poder o obscurantismo que Trump representava. Não adianta tirar o Trump de lá e fortalecer politicamente e dar dinheiro para os projetos do Trump daqui”, critica Astrini.
“Se o Biden quiser dar dinheiro para o governo Bolsonaro, vai dar dinheiro para esse tipo de ser humano, que fere a democracia, os direitos humanos, a floresta e a vida. O que estamos pedindo é que Biden escolha quem atua na defesa da floresta e não Bolsonaro, que é o maior problema da floresta que temos hoje no Brasil”.
O secretário-executivo do Observatório do Clima afirma ainda que o governo Bolsonaro auta como um “sequestrador de florestas” ao colocar o investimento financeiro como condição para a execução de ações de proteção ambiental, o que não funciona em negociações internacionais.
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Na última terça-feira (20) um grupo de 36 artistas brasileiros e americanos também decidiu enviar uma carta a Biden pedindo que não haja o fechamento de nenhum acordo entre os antes que o desmatamento na Amazônia de fato apresente redução.
O texto defende que antes de qualquer compromisso firmado, a participação da sociedade civil deve ser garantida.
"Ações urgentes devem ser tomadas para enfrentar as ameaças à Amazônia, ao nosso clima e aos direitos humanos, mas um acordo com o Bolsonaro não é a solução. Encorajamos você a continuar o diálogo com povos indígenas e comunidades tradicionais da Bacia Amazônica, com governos subnacionais e a sociedade civil antes de anunciar quaisquer compromissos ou liberar quaisquer fundos", diz o posicionamento.
Entre os americanos que assinaram a carta estão os atores Leonardo DiCaprio, Joaquin Phoenix, Katy Perry, Roger Waters, entre outros. Os brasileiros estão representados por Caetano Veloso, Wagner Moura, Sonia Braga e outros artistas.
Segundo Fabiana Oliveira, coordenadora de Clima do Greenpeace, a eleição de Biden reforçou as mudanças climáticas como central em qualquer negociação internacional. Um ordenamento que expõe as contradições do governo Bolsonaro e de sua política antiambiental, afastando as possibilidades de acordo.
“Se eles querem se comprometer a conter a crise do clima eles vão ter que resolver a questão do desmatamento e isso não está acontecendo. O que eles têm para entregar para o mundo é: 'Só vamos fazer se entrar dinheiro aqui'. Uma cartada extremamente perigosa, principalmente em um país que não está fazendo nada e não tem a crise do clima como prioridade”, comenta Oliveira.
A porta-voz do Greenpeace cita o Plano Amazônia 2021/2022, assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão na semana passada, como exemplo de descaso com o meioi ambiente.
Ainda que, em tese, o programa tenha como objetivo nortear a conservação do bioma brasileiro nos próximos dois anos, o programa estabelece a redução do desmatamento com base no período entre 2016 e 2020, quando o país registrou crescimento exponencial no desflorestamento.
A partir da média deste período, a meta prevê que taxa de desmatamento atinja 8,7 mil km² ao final de 2022, um valor 16% superior ao registrado em 2018, antes da eleição de Bolsonaro.
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Outros aspectos negativos do Plano ressaltados por Oliveira são a defesa de políticas de regularização fundiária que beneficiam grileiros em todo Brasil e a não certificação dos principais órgãos de combate ao desmatamento, como Icmbio, Ibama e Funai.
“Os planos são vazios e respondem ao setor ruralista. Há um paradoxo entre o que Bolsonaro fala lá fora e o que faz internamente. A Cúpula do Clima vai mostrar que Bolsonaro é um pária internacional, se ele for colocado como tal. Se houver negociações entre Joe Biden e Bolsonaro vai ser muito problemático. Ao fazer isso, Joe Biden colocará um selo de confiança em um governo que tem sistematicamente violado direitos humanos”.
Há ainda muitos outros precedentes que pesam contra o governo brasileiro, a começar pelo negacionismo relacionado ao aquecimento global, assim como Trump. A política ambiental destrutiva da gestão Bolsonaro também travou importantes negociações internacionais, a exemplo do acordo entre Mercosul e União Europeia (U.E) e a negativa de entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Pressão a longo prazo
Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente, compartilha da opinião de que Bolsonaro não conseguirá financiamento internacional após participação na Cúpula do Clima e tentativas aproximação com o governo Biden, sem mudar efetivamente a política ambiental.
“Eles não vão, agora, ir na lorota e conseguir dinheiro. Para conseguir algo, vão ter que mudar o comportamento mas isso não é fácil. Eles tiraram as melhores pessoas do Ibama, do ICMbio”, afirma, criticando a militarização do órgão que agora é dirigido por cinco policiais militares.
A análise de Minc diferencia-se em um ponto: Ele acredita que o aumento de pressões internas e externas fará com que Bolsonaro ceda e recue em algum nível, com possível afastamento de Salles do cargo já que o ministro “está de baixo de bombardeio no Senado e na Câmara”, como aconteceu com Ernesto Araújo.
“Algo vai mudar. Mas não vai ser rápido e nem eles vão conseguir convencer nesta reunião. De pronto não vão conseguir vender a ideia, mas vão ter que mudar. Acho, inclusive, que Salles vai acabar caindo. Ainda neste primeiro semestre”, aposta o ex-ministro.
O ambientalista cita duas importantes ações que miram Salles e que devem influenciar neste processo. A primeira é a denúncia-crime apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo delegado Alexandre Saraiva no último dia 14 de abril.
Na denúncia, o então Superintendente da Polícia Federal no Amazonas pediu que o ministro fosse investigado e argumentou que suas ações estariam dificultando a ação fiscalizadora do Poder Público ao proteger infratores ambientais.
A troca no comando da PF do estado foi anunciada no dia seguinte à denúncia e oficializada na última terça-feira (20), quando o delegado Leandro Almada da Costa assumiu o cargo.
Carlos Minc também sublinha a importância de ação popular na Justiça Federal de São Paulo contra Salles e Araújo por um grupo de jovens ativistas. O documento alega que a gestão federal cometeu uma "pedalada climática" durante a entrega de novas metas climáticas do Brasil no Acordo de Paris.
Em 2015, quando o acordo foi criado, o país se comprometeu a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030. Mas, em dezembro do ano passado, o governo mudou o ano-base de cálculo aumentando, assim, a permissão de emissão dos poluentes em mais de quatrocentos milhões de toneladas. A chamada redução de ambição climática é vedado pelo Acordo de Paris.
Márcio Astrini endossa a opinião de que independente dos acenos durante a Cúpula, a política de destruição ambiental será mantida e que o afastamento do ministro da pasta não está em jogo no momento.
“O Salles é esse personagem anti-ambiental e sem crédito nenhum na agenda ambiental global há muito tempo. Não vai mudar com essa reunião [Cúpula]. Ele podia ser trocado na reforma ministerial e não foi. Não vejo essa mudança de atitude do governo Bolsonaro, que é um negacionista do clima e dos problemas ambientais, assim como da pandemia. Esse governo não mudou estando sentado em cima de 350 mil cadáveres. Não será uma negociação sobre o clima que trará luz a mente desses governantes”, reforça.
O histórico faz com que as expectativas para a participação do presidente brasileiro na conferência seja negativa. Em setembro do ano passado, durante abertura de plenária da ONU, o capitão reformado chegou a afirmar que indígenas, caboclos e ONGs eram responsáveis pelas queimadas na Amazônia.
"Ele [Bolsonaro] não perde a oportunidade de fazer o Brasil passar vergonha nesses fóruns internacionais. Espero que não fale absurdos dessa vez, mas, mentir é uma coisa natural para o presidente. Provavelmente ele irá mentir, dizer que é compromissado com o clima e com o meio ambiente. Do começo ao fim é uma inverdade”, reitera o secretário-executivo do Observatório do Clima.
Fonte: Brasil de Fato
Edição: Vinícius Segalla